Por Paulo Moreira Leite jornalista, escritor e diretor do 247 em Brasília.
A multidão que aguardou
por quase dez horas pela aparição de Lula e Dilma no palanque da praça Santos
Andrade, no centro de Curitiba, na noite de quarta-feira, testemunhou um
momento histórico da resistência dos brasileiros contra o golpe de maio-agosto
de 2016.
A mobilização
popular em busca da defesa de direitos ameaçados por Temer-Meirelles e pela
restauração do Estado Democrático de Direito ainda parece longe do ponto
de chegada mas realizou um avanço inegável, como uma caminhada em que se dobra
uma esquina em direção ao ponto de chegada. Reunindo uma massa respeitável de
mulheres e homens que se apertavam num dos pontos tradicionais da capital do
Paraná, o ato sinalizou – justamente na sede da República de Curitiba -- para a
ruptura do clima de consenso artificial construído em torno da Lava Jato e da perseguição
a Lula, cenário indispensável para toda iniciativa de excluir da cena política
o mais popular presidente de nossa história republicana.
Não foi uma
ação entre amigos, embora eles tenham marcado presença. Foi uma manifestação
popular, que mobilizou os brasileiros e brasileiras de várias camadas, mas uma
grande parte daquela parcela mais larga que reside no degrau inferior da
pirâmide social, que tanta falta fez aos candidatos do PT nas eleições
municipais – e que, aos saltos, pressionada pelo desmanche de empregos e
salários, se reaproxima de Lula, como mostram as pesquisas eleitorais para
presidente.
Ao longo do
dia, viveu-se na praça Santos Andrade um ambiente onde a tensão permanente que
sempre acompanha a Lava Jato havia sido reforçada por duas novas medidas
intimidatórias. A primeira foi absurdo decreto de suspensão do Instituto Lula
sem qualquer razão consistente. A outra foi a proibição de que a defesa pudesse
gravar a audiência, pedido que tem base legal. Numa conjuntura em que o próprio
juiz Sérgio Moro divulga vídeos pela internet, o veto ao segundo vídeo apenas
garantiu que a mídia adversária de Lula fizesse o trabalho de sempre, num
espetáculo editado conforme suas escolhas e preferencias, sempre previsíveis.
Lula
transmitia muita confiança sobre seu desempenho diante de Moro quando subiu ao
palco. Era possível perceber -- pelo tom de voz, pelo jeito desembaraço, pela
segurança nos comentários improvisados -- que sentia-se vitorioso, o que
contagiou o publico logo de cara.
Ele fez um
pronunciamento curto e incisivo, em tom pessoal e compreensivelmente
emocionado. Após o discurso de encerramento, da porta voz das ocupações Ana
Julia, o ato se dispersou num ambiente de confraternização, onde a
sensação de vitória se somou a sensação de dever cumprido.
Veteranos que
atravessaram a luta contra a ditadura militar não conseguiam evitar as
lágrimas.
Um grupo de
professoras que tomou um ônibus em Belo Horizonte passou o dia se divertindo
com a palavra de ordem “Lula seu ladrão, roubou meu coração”.
Seis
militantes que passaram dois dias numa viagem de 4000 quilômetros de Natal a
Curitiba, onde desfilavam com duas bandeiras – do Estado e da capital distante
– se aprontavam para o caminho de volta, convencidos de que o esforço tinha
valido à pena.
A certeza de
que se assistia a um episódio único em suas vidas fez muita gente acompanhar os
discursos de celular na mão, seja para fotografar, seja para transmitir
som e imagem aos amigos, pelo Facebook. “Não consigo enxergar nada, só
celulares ”, protestou, a poucos metros do palanque, um sujeito de terno,
acompanhado da namorado. Calou-se quando alguém rebateu: “É pelo interesse
público”. Até tarde da noite,
Doze dias
depois da greve geral, o ato de ontem foi uma demonstração da capacidade
de organização das entidades empenhadas na defesa dos direitos de Lula.
Sindicatos e confederações se mobilizaram, em companhia do Partido dos
Trabalhadores, do MST e do MTST. Foi uma vitória política e também logística,
que envolveu promover uma manifestação de peso num único ponto do país. Num
sinal da temperatura aquecida em que o país se encontra, o dia se encerrou com
o início dos preparativos para uma concentração em Brasília, 24 de maio, para
combater a reforma da Previdência.
A retoma das
mobilizações não ocorre no vazio, mas faz parte de uma conjuntura
política propícia para o crescimento das manifestações das camadas debaixo, que
costumam ganhar fôlego quando se acirram os conflitos nas camadas de
cima. Em maio de 2017, as mesmas vozes engravatas que se mostraram
eternamente unidas para afastar Dilma e garantir carta branca para Sérgio
Moro e a Lava Jato, agora travam uma luta aberta pelos rumos da operação.
O conflito
entre o PGR Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, até ontem o mais influente ministro
do STF, é bastante ilustrativo sobre limites aceitáveis para o estado de
exceção. Aquilo que parecia líquido e certo para Janot já não parece garantido
Gilmar, num conflito que, mesmo envolvendo denuncias de parte a parte contra
familiares respectivos, envolve questões muito além de convicções e
compromissos de um ministro do Supremo e o chefe do Ministério Público.
Principal
aliado da Lava Jato entre os grupos de mídia, com uma credibilidade particular
entre os membros do judiciário, o Estado de S. Paulo publicou um editorial em
10/5/2017 que é uma demonstração contundente de que acabou-se o tempo da
unanimidade e do apoio incondicional. Combatendo a mitologia construída em
torno da operação em seu cerne, o jornal diz que “é perniciosa a tentativa de
transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional.” O problema dessa postura
“perniciosa”, nas palavras do editorial, é claro: “além de não tirar o país da
crise, esse modo (de conduzir a Lava Jato) inviabiliza a saída para a crise.” O
Estadão vai além. “Sendo importantes, os atos da Lava Jato não podem substituir
a verdadeira prioridade nacional. Há uma profunda crise econômica, social,
política e moral, que precisa com urgência ser combatida. Reconhecer essa
hierarquia de valores não é um apoio velado a impunidade. É simplesmente não
fechar os olhos, por exemplo, aos 14 milhões de desempregados.”
Ninguém tem o
direito de aguardar uma postura piedosa em benefício de Lula. Seus adversários,
que não se resumem a um único jornal, já patrocinaram vergonhosas
tentativas de destruir sua reputação como cidadão e líder popular, num
insubstituível trabalho preparatório à Lava Jato. A perseguição não se apoia em
nenhum valor moral. Apenas reflete o tratamento que os 1% que mandam no
país reservam aos inimigos de classe.
A novidade é
que há rachaduras no pacto de dominação que conduziu o país até aqui – e por
essa brecha a mobilização popular pode avançar. Nesta situação, o destino de
Lula está longe de resolvido e são muitos os perigos a espreita, trabalhando
além de qualquer consideração jurídica, como nós sabemos. Mas ele voltou para
São Paulo maior do que saiu. Este foi o saldo da jornada na República de
Curitiba.
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Marcos Imperial