Por Daniela Pastrana
A tarefa coletiva da humanidade é buscar o equilíbrio com a natureza. Cada um tem de fazer sua parte, ser mais com menos. O problema não é o dinheiro, afirma nesta entrevista exclusiva o escritor e teólogo brasileiro Leonardo Boff.
Cidade do México, México, 27 de dezembro (Terramérica). – “O mercado não resolverá a crise ambiental” afirma o teólogo e ecologista Leonardo Boff, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A solução, insiste, está na ética e na luta dos povos originários para mudar a relação com a natureza. Boff, que ensina ética, filosofia da religião e ecologia, é um dos principais representantes da Teologia da Libertação, corrente progressista da Igreja Católica na América Latina, escreveu mais de 60 livros e dedicou os últimos 20 anos a promover o movimento verde.
Foi um dos 23 incentivadores da Carta da Terra em 2000 e, um ano depois, recebeu o Right Livelihood Award, conhecido como Prêmio Nobel Alternativo, concedido a personalidades destacadas na busca de soluções para os problemas globais mais urgentes. “Se não mudarmos, vamos ao encontro do pior… Ou nos salvamos ou pereceremos todos”, disse Boff em uma entrevista concedida ao Terramérica na capital mexicana, após assistir como observador a 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada este mês em Cancún.
Terramérica: Como avalia a COP 16?
Leonardo Boff: O que predominou, salvo nos últimos dois dias, foi um clima de decepção, de fracasso. No entanto, surpreendentemente, houve três convergências: o compromisso de lutar para a temperatura mundial não subir dois graus, a criação do Fundo Climático Verde de US$ 30 bilhões (para 2012) a fim de ajudar os países mais vulneráveis, um sinal de solidariedade interessante, e a criação de um grande fundo para a redução do desmatamento e da degradação das florestas, porque aí está a causa principal do aquecimento global.
Leonardo Boff: O que predominou, salvo nos últimos dois dias, foi um clima de decepção, de fracasso. No entanto, surpreendentemente, houve três convergências: o compromisso de lutar para a temperatura mundial não subir dois graus, a criação do Fundo Climático Verde de US$ 30 bilhões (para 2012) a fim de ajudar os países mais vulneráveis, um sinal de solidariedade interessante, e a criação de um grande fundo para a redução do desmatamento e da degradação das florestas, porque aí está a causa principal do aquecimento global.
Terramérica: Como entender a posição da Bolívia, único país que não aceitou esses compromissos?
LB: A Bolívia parte da tese de que a Terra é Pachamama, um organismo vivo que deve ser respeitado, cuidado, e não apenas explorado. É uma visão contrária à dominante, que está no contexto da economia: vender bônus de carbono, por exemplo, que significa ter direito de contaminar.
LB: A Bolívia parte da tese de que a Terra é Pachamama, um organismo vivo que deve ser respeitado, cuidado, e não apenas explorado. É uma visão contrária à dominante, que está no contexto da economia: vender bônus de carbono, por exemplo, que significa ter direito de contaminar.
As sociedades dominantes veem a Terra como um baú de recursos que podem ser usados infinitamente, embora seja preciso fazer isso com sustentabilidade, porque são escassos. Não reconhecem dignidade e direito aos seres da natureza, os veem como meios de produção e sua relação é de utilidade. Estes são temas que não entram em Cancún, nem em nenhuma COP.
Terramérica: Por que teriam que entrar?
LB: Porque o sistema que criou o problema não vai nos tirar dele. Se cada país tem de crescer um pouco ao ano e ao fazê-lo degrada a natureza e aumenta o aquecimento, então este sistema é hostil à vida.
LB: Porque o sistema que criou o problema não vai nos tirar dele. Se cada país tem de crescer um pouco ao ano e ao fazê-lo degrada a natureza e aumenta o aquecimento, então este sistema é hostil à vida.
Terramérica: O argumento é que é necessário para o desenvolvimento…
LB: O que significa crescer? Explorar a natureza? Exatamente este tipo de crescimento e desenvolvimento pode nos levar a um abismo, porque os seres humanos estão consumindo 30% mais do que a Terra pode repor. Aí está um ciclo vicioso.
LB: O que significa crescer? Explorar a natureza? Exatamente este tipo de crescimento e desenvolvimento pode nos levar a um abismo, porque os seres humanos estão consumindo 30% mais do que a Terra pode repor. Aí está um ciclo vicioso.
A China não pode contaminar 30%, como faz, porque a poluição não fica só a China e entra no sistema global. O
problema é a relação do ser humano com a Terra, porque é violenta, de punho fechado… Enquanto não mudarmos isso, vamos ao encontro do pior. E desta vez não há uma Arca de Noé. Nos salvamos ou perecemos todos.
Terramérica: É tão grave?
LB: Há regiões do mundo que mudaram tanto que já são inabitáveis. Por isto, há 60 milhões de refugiados na África e no sudeste da Ásia, que são os mais afetados e os que menos contaminam. Se não pararmos isso, nos próximos cinco ou sete anos serão cem milhões de refugiados climáticos, e isso vai criar um problema político.
LB: Há regiões do mundo que mudaram tanto que já são inabitáveis. Por isto, há 60 milhões de refugiados na África e no sudeste da Ásia, que são os mais afetados e os que menos contaminam. Se não pararmos isso, nos próximos cinco ou sete anos serão cem milhões de refugiados climáticos, e isso vai criar um problema político.
Terramérica: Qual o papel da América Latina?
LB: É a região que mais possibilidade tem de uma contribuição positiva para a crise ecológica: tem as maiores florestas úmidas e reservatórios de água, a maior biodiversidade e, talvez, as maiores áreas para colheitas. Porém, ainda há uma insuficiente consciência ecológica em grande parte da população. E, por outro lado, existe uma invasão muito perigosa de grandes empresas que estão se apropriando de vastas regiões. É uma apropriação de bens comuns em função de benefícios particulares. No Brasil, Chile, Argentina e Venezuela, aos poucos, se dão conta do novo jogo do capital: uma grande concentração de meios de vida para garantir o futuro do sistema.
LB: É a região que mais possibilidade tem de uma contribuição positiva para a crise ecológica: tem as maiores florestas úmidas e reservatórios de água, a maior biodiversidade e, talvez, as maiores áreas para colheitas. Porém, ainda há uma insuficiente consciência ecológica em grande parte da população. E, por outro lado, existe uma invasão muito perigosa de grandes empresas que estão se apropriando de vastas regiões. É uma apropriação de bens comuns em função de benefícios particulares. No Brasil, Chile, Argentina e Venezuela, aos poucos, se dão conta do novo jogo do capital: uma grande concentração de meios de vida para garantir o futuro do sistema.
Terramérica: Quais as opções?
LB: Temos dinheiro e tecnologia. Falta vontade política e a sensibilidade com a natureza e a humanidade que sofre. Isto deve ser resgatado. E, junto com a ética do cuidado, segue a ética da cooperação. Agora se impõe a cooperação de todos com todos.
LB: Temos dinheiro e tecnologia. Falta vontade política e a sensibilidade com a natureza e a humanidade que sofre. Isto deve ser resgatado. E, junto com a ética do cuidado, segue a ética da cooperação. Agora se impõe a cooperação de todos com todos.
Terramérica: É possível? O que deve ser feito?
LB: Existem movimentos, especialmente em grupos que veem como suas terras são divididas, como a Via Camponesa e os Sem-Terra do Brasil. E os indígenas, que não veem a Terra apenas como um instrumento de produção, mas como uma extensão de seu corpo, e dela necessitam para garantir sua identidade. Estamos buscando o equilíbrio e esta é a tarefa coletiva da humanidade que o mercado e a economia não vão resolver. Cada um tem de fazer sua parte, ser mais com menos, ter um senso da justa medida. O problema não é de dinheiro.
LB: Existem movimentos, especialmente em grupos que veem como suas terras são divididas, como a Via Camponesa e os Sem-Terra do Brasil. E os indígenas, que não veem a Terra apenas como um instrumento de produção, mas como uma extensão de seu corpo, e dela necessitam para garantir sua identidade. Estamos buscando o equilíbrio e esta é a tarefa coletiva da humanidade que o mercado e a economia não vão resolver. Cada um tem de fazer sua parte, ser mais com menos, ter um senso da justa medida. O problema não é de dinheiro.
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Marcos Imperial