É aqui São Gonçalo do Amarante.
Ser artista popular e defender as cores das tradições culturais na terra de Câmara Cascudo não é tarefa das mais fáceis, que o digam os mestres espalhados pelo RN que levantam as bandeiras do Boi de Reis, dos Congos, da Lapinha, Pastoril, Coco de Roda, Fandango, entre outras manifestações do folclore potiguar. As atividades atravessam gerações, algumas com mais de um século, e a Região Metropolitana de Natal guarda parte dessa memória na pele de grupos como o Boi Calemba Pintadinho de São Gonçalo do Amarante, visitado pela TRIBUNA DO NORTE na manhã de ontem.
Boi calemba pintadinho, de São Gonçalo do Amarante,
mantém viva tradição centenária. Desafio agora é a
sustentabilidade.
Em plena atividade, o grupo soma 105 anos de existência e há 27 está sob os cuidados do Mestre Dedé Veríssimo. Ganhador do Prêmio Cornélio Campina, oferecido em 2009 pela Fundação José Augusto através de edital público, o Boi Calemba Pintadinho – assim como outros 24 grupos contemplados – ainda não viu a cor do dinheiro (cerca de R$ 5 mil líquidos), mas, mesmo sem apoio, os trabalhos não param na sede do grupo localizada no bairro Novo São Gonçalo. “Como é que querem transformar Natal na capital internacional do folclore se não cuidam dos grupos?”, questiona Veríssimo, ao saber das intenções da FJA de festejar o Dia Mundial do Folclore com intensa programação durante o mês de agosto.
“O RN tem grande potencial, temos muitos grupos brincando, mas do jeito que vai, com os mestres morrendo à mingua nos corredores dos hospitais, vai ser difícil Natal ser a capital do folclore”, acrescentou o gari Cleber Teixeira, 32, que há seis anos atua como o personagem Mateus no Boi de Mestre Dedé. “Não recebemos apoio nenhum, inclusive fomos convidados para participar do 47º Festival do Folclore em Olímpia (SP) e ainda não sabemos como vamos viajar”, disse.
A edição deste ano do evento presta homenagem ao folclore do RN, tendo o Pastoril Dona Joaquina, também de SGA, como ícone máximo da representação potiguar. “Vamos conversar com o prefeito (de São Gonçalo do Amarante) Jaime Calado e com a professora Isaura Rosado (secretária Extraordinária de Cultura/FJA) para ver se conseguimos algum apoio”, planeja Cleber.
Herança
Prestes a completar 63 anos, Mestre Dedé Veríssimo trabalhou nas olarias da região fabricando tijolos, e herdou a brincadeira do Boi de Pedro Guajiru, com quem começou a brincar ainda criança. “Após a morte do Mestre Pedro Guajiru, ninguém quis assumir o grupo e, como conhecia as músicas, resolvi reativa a brincadeira. Se não fosse o amor que temos pela cultura, o Boi Calemba Pintadinho já tinha acabado”, disse. Veríssimo, que tem três filhos e três sobrinhos brincantes, contou que o Boi chegou a ficar cinco anos parado.
Vale registrar que o saudoso Guajiru recebeu a responsabilidade de comandar o Boi Calemba do Mestre Atanásio Salustino, pai da romancista Dona Militana. “Salustino preferiu dedicar-se exclusivamente ao Fandango, que atualmente está parado”, explicou Lenilton Lima, fotógrafo, pesquisador de cultura popular e um dos idealizadores do Ponto de Cultura Boi Vivo. “A partir do interesse da comunidade, já estamos articulando a retomada das jornadas do Fandango, que conta a história de marujos perdidos no mar durante sete anos e sete dias. São 26 jornadas (equivalente aos bailados do Boi), e estamos ouvindo de um e de outro para remontar essa história”, explicou Lima.
Entre as intenções do PC Boi Vivo, está transformar a sede do Boi Calemba Pintadinho em escola. “Atuamos em SGA, Natal e Parnamirim. Na capital, trabalhamos para retomar as atividades do Boi de Manoel Curto, do bairro das Quintas, e em Parnamirim o desafio é manter o Boi de Mestre Elpídio (já falecido) na ativa”, enumera.
Apesar de histórica e tradicional, a cultura popular é uma manifestação frágil que necessita de constante incentivo para continuar existindo. Para se ter uma idéia, a falta de uma sede própria quase aniquilou a vontade dos brincantes prosseguirem com os ensaios do Boi Calemba Pintadinho: “Até 2006 os ensaios aconteciam na rua, onde a marujada ficava com vergonha de ter que parar toda vez que passava um carro. Para não acabar, o Boi foi ensaiar em escolas e na igreja até construirmos nossa sede”, diz Mestre Dedé com ar de alívio. Os recursos para construir o cômodo com pouco mais de 20 metros quadrados veio através de um Prêmio de Cultura Popular do Ministério da Cultura, que contemplou o grupo com R$ 10 mil.
“Compramos o terreno e levantamos a sede com o prêmio, mais adiantamento de meu 13º salário e minhas férias”, disse Dedé, olhando com orgulho seu feito: “Hoje temos mais de 30 pessoas participando, sendo dez crianças”, orgulha-se.
Entre a criançada, os gêmeos João Vitor e João Lucas Calista da Silva, de 8 anos; Marcelo Eduardo de Almeida, 9; Lucas, 7; Anderson, 5; Paulo Henrique, 6; e Railson Sousa da Silva, 8: “É bom brincar, eu gosto! Acho importante”, disse com firmeza Railson, que não tem parentes no Boi mas recebe incentivo da família. “Nosso trabalho evita dessas crianças estarem na rua, fazendo coisa errada”, finaliza Mestre Dedé Veríssimo.
Celeiro
A cultura popular pulsa em SGA, onde, além do Boi e do Pastoril de Dona Joaquina, ainda pode-se identificar a presença dos Mestres Sérvulo, 86, e João Viana - ambos estão tentando retomar o Fandango de Salustino, mas o primeiro defende a originalidade da tradição, enquanto Viana acredita que o melhor a se fazer é equilibrar tradição com os tais novos tempos. A volta do Fandango depende dessa conciliação. Outros grupos destacados são o Congos de Calçola; o Pastoril de Dona Chiquinha; e o Boi de Antônio Rosa. Destes, Mestre Sérvulo, Pastoril de Dona Joaquina e os Congos também foram contemplado pelo Prêmio Cornélio Campina. Tribuna do Norte.
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Marcos Imperial