Jardilene Pereira, aos nove anos de idade, não imaginava que teria que caminhar alguns quilômetros diariamente para chegar à escola até se mudar para o acampamento. Sem saber ler, ela não consegue desmistificar, através das placas, quantos metros separam o barraco no qual mora com seus pais da cidade mais próxima, São Paulo do Potengi.
A trinta quilômetros dali, as crianças alfabetizadas nas escolas próximas ao Assentamento União, em Barcelona, conseguem ler, contar e interpretar pequenos textos. As duas realidades que divergem em inúmeros aspectos tem um único berço, o Movimento dos Sem Terra.
júnior santos
Às margens da RN-203, integrantes do Movimento dos
Sem-Terra vivem acampados à espera de alguma boa
notícia traduzida em um pedaço de terra, doado pelo governo,
para iniciarem uma plantação
Uns, organizados em associações e bem articulados, não precisaram fazer acampamentos ou interditar rodovias. Eles conseguiram junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a desapropriação de duas fazendas – Tejuaçu e Muribeca - que juntas somam cerca de 874 mil hectares em terras há 11 anos. As 29 famílias que se instalaram no assentamento, colhem hoje frutos de um sonho que nem eles imaginavam que daria certo.
“Aqui não houve necessidade de barricadas ou acampamentos em rodovias. Tudo foi muito pacífico e nosso assentamento serve de exemplo para a região Potengi”, afirmou o presidente do Assentamento União, Jorge Soares.
Cerca de R$ 5 mil foram utilizados para a construção de cada imóvel no início do processo. Os lotes de terra foram distribuídos aos assentados com o objetivo de que eles criassem caprinos, o que não deu muito certo. Dos 29 proprietários, hoje cerca de cinco mantem pequenas criações. Foi preciso mudar o foco da produção.
Com milho, feijão e mandioca, eles conseguem sobreviver e analisam a possibilidade de ampliar a produção para o mercado. Em casas bem estruturadas e com água encanada e energia elétrica, eles são um exemplo de que nem sempre, as medidas dos mentores do MST no Brasil, que defendem a invasão de terras e interdição de rodovias, são garantias de um pedaço de terra.
Às margens da RN-203, em São Paulo do Potengi, a única produção visível é de coentro. A criação de animais se restringe a magras galinhas que comem restos de comida que escorrem pela lama formada na frente dos barracos. É neste cenário que cerca de 90 pessoas sobrevivem, à espera de um lote de terra produtiva. E ela está na frente deles, numa mistura de realidade e utopia. “É tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. Mas eu creio em Deus que aquela terra será nossa”, lamenta Francisca Luzinete, de 45 anos. Aproximadamente trinta barracos foram erguidos no local há um ano atrás.
No Rio Grande do Norte, o Incra já assentou mais de 10 mil famílias em 55 projetos de assentamentos criados de 2003 a 2010. Apesar dos avanços, inúmeros acampamentos podem ser vistos às margens das rodovias que cortam o estado. Há quem necessite, de fato, de um lote de terra para produzir.
Há, porém, aqueles que tem casas na cidades e meios diversos de sobrevivência. Mas, como não é proibido, se inscrevem no Movimento e montam barracos, para engrossar os índices de Sem Terras em busca da sonhada Reforma Agrária. No acampamento em São Paulo do Potengi, quase 100% dos acampados possuem moradia na cidade. Muitos trouxeram para o barraco, estrutura de antena parabólica e TV a cabo. As estruturas de papelão e saco plástico ostentam realidades paradoxais.
São vidas e sobrevidas. Necessitados e oportunistas dividem a mesma margem de estrada, o mesmo esgoto a céu aberto, o mesmo sonho de serem, um dia, proprietários rurais. É assim, que a menina Jardilene diz ser feliz enquanto caminha em direção à escola cuja distância nem ela conhece.
Movimento teve apogeu nos anos 90
Permanente e imprevisível. Radicais e organizados. Estas frases foram ditas por estudiosos do Movimento Sem Terra para descrever o grupo e as pessoas a ele integradas. Elas resumem o perfil de um dos movimentos mais longos e organizados do Brasil. Concebido no final da década de 70, no Paraná, o Movimento se expandiu e articulou milhares de pessoas em 22 estados brasileiros.
A imprevisibilidade dos integrantes foi constatada, inúmeras vezes, nas invasões de terra que marcaram a história do MST no país. Em um dos atos mais radicais, os Sem Terra impediram que um comboio do Batalhão de Infantaria da Selva cruzasse a rodovia Pará 150, em 16 de novembro de 1995.
O apogeu das ações do MST ocorreu, porém, um ano depois. Em 1996, 19 integrantes do Movimento foram mortos pela Polícia Militar em um dos confrontos mais violentos envolvendo integrantes do Movimento. A batalha ocorreu em Eldorado de Carajás, no estado do Pará.
A ação policial teve repercussão internacional e fortaleceu ainda mais a organização que assustava os grandes proprietários rurais. Os Sem Terra saíram como vítimas da repressão militar comandada pelo governo.
Por aproximadamente 15 anos, o MST foi apoiado por instituições estrangeiras. Além disso, em 1996, mesmo ano do massacre de Eldorado de Carajás, a filha do ex-presidente francês François Mitterrand, Danielle Mitterrand, apadrinhou a associação entre o MST e o Exército Zapatista de Libertação Nacional, do México.
À época, fazendo menção ao fato ocorrido em Carajás, o diretor de uma das financiadoras do Movimento no Brasil, a Christian Aid, Domingos Armani, afirmou que o massacre era resultado da falta de reforma agrária.
Um dos defensores ferrenhos do Movimento chegou à presidência da República em 2003. Lula tinha como ideal, fortalecer a Reforma Agrária no país e erradicar, definitivamente, os confrontos por terra. Ao longo de dois governos, foram gastos bilhões de reais com desapropriações de terras, implantação de programas de desenvolvimento social e manutenção das famílias assentadas no campo.
Entrevista: Mário Moacir - superintendente do Incra-RN
“Não existia o diálogo que agora já existe”
Como está delineada a questão da Reforma Agrária no Rio Grande do Norte, atualmente?
A Reforma Agrária, num modo geral, está bem melhor do que em governos anteriores. Especialmente no tocante à política pública que vem sendo desenvolvida pelo Governo Federal. Como também os recursos que chegam aos assentados que não chegavam de forma satisfatória.
Os assentamentos no Rio Grande do Norte são autossustentáveis?
Alguns são autossustentáveis, inclusive pelas peculiaridades do nosso clima. Até os grandes fazendeiros tem dificuldades. A Maisa, a Nolen, faliram. A vantagem dos assentamentos é que eles não falem. Eles estão lá com a certeza de que não haverá falência. O Governo Federal está investindo na autossustentabilidade dessas famílias.
Existem famílias que têm moradia fixa na cidade e se inscrevem em programas de Reforma Agrária?
Sim. Não há proibição. A Lei de 1964 (Estatuto da Terra) diz que quem não pode ter acesso à Reforma Agrária são os funcionários públicos municipais, estaduais e federais. Então, não impede que uma pessoa que tenha uma casa na cidade se inscreva para a Reforma Agrária. Ele pode ter uma casa na cidade e ser um agricultor. E essa casa servir de um amparo para os finais de semana ou para alguém da família. O que é proibido é não ter perfil, não ser agricultor.
No Rio Grande do Norte, a questão das desapropriações são feitas amigavelmente ou ainda ocorrem choques?
Antigamente, no início das desapropriações nos anos 90, quando regulamentaram a Lei de Desapropriação, algumas propriedades já em abandono, que não pegavam mais financiamento por parte do proprietário eram de fácil negociação. Alguns proprietários vinham ao Incra oferecer. Hoje, pela escassez de terras no nosso estado, principalmente as de boa qualidade, a concepção de desapropriação mudou. Em Mossoró, por exemplo, não existem mais áreas aptas a serem desapropriadas.
Quanto é investido anualmente nestes programas?
Os investimentos iniciais são relativos, ocorrem de acordo com o desenvolvimento do assentamento. Brasília está analisando o aumento disso e uma melhor moradia onde está se fazendo casas pelos próprios assentados. O parcelamento do imóvel é pago pelo Incra, a parte de infraestrutura básica e inicial.
Quantas famílias existem hoje cadastradas no programa?
Existem cerca de 20 mil famílias assentadas pelo Incra e uma população estimada de 90 mil pessoas. A população de famílias acampadas chega a 13 mil em 50 acampamentos espalhados pelo Estado.
Onde se concentram os acampamentos?
Principalmente na região Oeste. Na região de Mossoró, onde nós temos dificuldades de desapropriar terras. Como não existem mais áreas nós vamos ter que fazer um grande levantamento para reassentamento e retomada de parcelas para assentamento dessas famílias. Na região do Mato Grande, no Potengi, no Seridó, em todo o estado existem acampamentos.
Quais são as condições mínimas que o Incra analisa antes de desapropriar uma terra?
É uma coisa bem básica. Precisa ter acesso para escoar a produção, tem que ter os solos capazes para que as famílias venham a produzir, além de um solo com capacidade de pastagem, manancial de água natural ou artificial. Basicamente é isso que é exigido para a desapropriação de um imóvel desde que ele esteja legal.
O tamanho dos lotes doados é variável?
Depende da área e do município. Às vezes se tem uma área de melhor qualidade e a tendência é diminuir o tamanho do lote e aumentar o número de famílias. Quando se tem um lote que é mais para a pecuária ou os solos não são de uma qualidade superior, este lote é ampliado e o número de famílias reduzido. Então há essa compensação entre uma melhor área dependendo da região.
O Movimento dos Sem-Terra perdeu suas características iniciais nos últimos dez anos?
O movimento não perdeu as características. O que não existia em outros governos era o diálogo que agora existe com os movimentos sociais. Esses movimentos entram no Incra hoje em dia como não entravam no passado. Eles tem acesso ao gabinete da superintendência, assim como em outros setores. Nós sentamos para discutir e encaminhar as pautas. Antigamente não se tinha esse diálogo com movimentos sociais, principalmente com o MST. Então não é que eles enfraqueceram, é que o diálogo aumentou.
Reivindicações tiveram apoio de setores da sociedade
Amparados pela Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra, as ações do Movimento dos Sem-Terra passaram a ser “abençoadas” por bispos que se ligaram intimamente à causa. Os bispos Tomás Balduíno e Pedro Casaldáliga, se tornaram líderes do MST. A partir do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a Comissão se integrou à organização Pax Christi, com sede na Bélgica.
A ONG belga participou ativamente de sequestros realizados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ao longo dos anos, a questão da Reforma Agrária foi amplamente discutida pela Igreja Católica através das Campanhas da Fraternidade realizadas anualmente.
Apadrinhados pelo sociólogo pernambucano Paulo Freire, a organização e o engajamento político dos integrantes eram as “armas” que, além da enxada e da flâmula vermelha, faziam parte das marchas em todo território nacional. Até hoje, a presença de Paulo Freire se faz sentir nas escolas montadas improvisadamente nos acampamentos.
Em São Paulo do Potengi, a Escola Itinerante do MST Chico Bento, traz em seu letreiro menção ao sociólogo com a inscrição: Ciranda Infantil Paulo Freire. O método defendido pelo pedagogo é seguido como um conjunto de leis nos acampamentos.
A Teologia da Libertação, difundida pelo teólogo Leonardo Boff, é utilizada no culto à “Mãe Terra”. Há, intrinsecamente, um desejo de extirpar do Brasil as heranças da civilização ocidental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá queridos leitores, bem vindo a pagina do Blog Imperial. Seu comentário é de extrema importância para nosso crescimento.
Marcos Imperial