Precisamos voltar ao assunto. Repisá-lo de novo e novamente. Daniel Menezes escreveu aqui na Carta dois belos textos nos quais extraí, com argúcia, o que está subjacente a campanha do “Lula, trata-se no SUS”: ou seja, ódio de classe e ressentimento. Mas porque, então, continuar com o assunto, perguntaria o prezado leitor.
Ora, porque quando se trata de campanhas de ódio e ressentimento, mesmo que veladas e indiretas, devemos combatê-las com empenho e insistência para não permitir que se ampliem. Um grande filósofo social, Theodor Adorno, não cansava de repetir: “não permitam que Auschwitz e a barbárie se repitam”. E a pré-condição de toda barbárie, o seu alimento mais nutritivo, é o ódio e o ressentimento.
Se, por um instante de insensatez, Lula aderisse a tal campanha seria pura demagogia – e, certamente, ele seria acusado de populista e demagogo pelos mesmos que hoje pedem que se trate no SUS.
Seu salário lhe permite pagar um médico e se tratar com profissionais com os quais ele mantém uma relação de familiaridade e confiança. Por que então, ele deveria abrir mão de tais “privilégios” e tirar assim uma vaga no SUS de pessoas que de fato não possuem outra alternativa? Essa pergunta é suficiente para desconfiarmos da ideia de justiça que anima os integrantes da dita campanha.
Há outras contradições e paradoxos nesse movimento que um breve exame faz saltar de imediato à vista sem muito esforço. Por exemplo, deseja se fazer crer que a razão da existência de toda essa campanha é política, de oposição política e crítica a Lula e ao PT.
Seria uma reação as incongruências do discurso do PT e de Lula quando confrontado com sua prática real e efetiva; se o PT e Lula se dizem éticos apontam, com o dedo em riste e a indignação dos santos, o “mensalão” e os escândalos do PT, se se dizem populares, ligados as camadas sociais mais humildes mostram e denunciam, com revolta, os privilégios de classe média alta de que usufruem, como o uso do Hospital Sírio-Libanês. Trata-se de destruir a imagem de ambos apontando suas contradições e assim minar a pretensa ligação destes com as “massas”.
Talvez, haja um pouco de verdade nisso tudo, um fundo político, que é mais anti-petismo e anti-lulismo do que um projeto ideológico positivo e oposto. A questão a se perguntar é o que anima o anti-petismo e o anti-lulismo, se é mais uma divergência ideológica ou, na verdade, ódio de classe e ressentimento.
Penso que, em última instância, não é a oposição política que anima esse movimento – ou o anti-petismo. O oportunismo político mistura-se com o ressentimento que o fazem se aproveitar da doença do ex-presidente e do SUS para destilar sentimentos e opiniões ressentidas, microfascistas e preconceituosas. O SUS é uma desculpa, um ardil psicológico de disfarce para não confrontar os próprios sentimentos de ódio e não se ver no espelho como se realmente é.
Na base dessa “campanha” vigem sentimentos nada agradáveis e positivos. A motivação da campanha não é tanta política quanto é de ódio, de preconceitos, inveja, mágoa e ressentimento.
Sentimentos aflorados que visam desqualificar e destruir a imagem deste operário, barbudo e sem ensino superior. O fato de Lula poder ser tratado num dos hospitais mais caros e conceituados do país faz lembrar a classe média tradicional o tanto de pessoas que, graças as políticas sociais e econômicas do governo Lula, puderam ingressar na classe média.
E, assim, frequentar os seus espaços, usufruir de seu poder de compra, serviços e bens. Essa ferida deixada por Lula no narcisismo de nossas classes médias tradicionais incomoda, machuca, e levará ainda muito tempo até cicatrizar. É por isso que Lula é imperdoável.
Dizem ainda que tal campanha é, no fundo de sua superficialidade, uma reivindicação de justiça, ou melhor, um ato de vingança com a finalidade de que Lula sinta na pele o que é o SUS, que experimente as condições vexatórias as quais milhões de brasileiros tem de enfrentar diariamente.
Porém, não é uma lição de igualdade que querem ensinar, nem uma denúncia ou um protesto político contra o estado do SUS e a favor da dignidade, mas antes uma tentativa de rebaixar Lula, de colocá-lo em seu devido “lugar”. O Sírio-Libanês não é o seu lugar.
O seu destino de classe e seu lugar legítimo são o SUS. Além do mais, se de fato trata-se de um protesto político contra a situação da saúde pública, em que Lula se tratar no SUS ajuda este com mais recursos e investimentos em sua estrutura, em melhorias nos salários dos médicos e de todos os demais profissionais envolvidos e nas condições de trabalho?
Pergunte-se mais: quantos usuários reais do SUS encorpam essa campanha? Tenho certeza que apenas uma pequena parcela. De onde veio essa súbita preocupação com o SUS pelas classes médias e altas do país? Será que, finalmente, num momento iluminado de sensibilidade social e autocrítica, elas reverteram o que, segundo o sociólogo Adalberto Cardoso, é uma tendência das camadas sociais dominantes brasileiras?
Isto é, a indiferença em relação ao destino individual e coletivo dos mais pobres, presente na sociabilidade brasileira desde o dia-a-dia das fazendas escravagistas à cotidianidade urbana das grandes cidades. Ora, ora, a preocupação social com o SUS esconde, na verdade, uma forma de vingança e de reparação contra o algoz que lhe feriu o narcisismo de classe. Eis, a covardia moral de nossas classes abastadas, médias tradicionais e de todos os ressentidos que procuram forjar ardis pra travestir seu ódio e ressentimentos em algo pretensamente nobre e justo.
Como se pode perceber, não são poucas as contradições e as debilidades que descreditam a legitimidade e a pertinência pretendidas pelo “Lula, trata-se no SUS”.
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Marcos Imperial