quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Semana da Consciência Negra #blogmundofoz


 Por DANIEL PEARL.
O debate sobre racismo na obra de Monteiro Lobato me levou ao exercício de fazer a seguinte pergunta a todos os meus amigos: qual é a imagem que vem à cabeça quando você pensa em serviço doméstico? A resposta é sempre certeira: mulher, negra e pobre.

Em Crônica de uma morte anunciada, Garcia Márquez narra a história de uma empregada doméstica que presta favores sexuais para o filho de seu patrão e que percebe que sua filha adolescente também será artigo de cama, mesa e banho dos donos da casa. Tia Nastácia não passou por isso. Talvez por ser idosa ou talvez porque Lobato não contou o que acontecia quando o marido da Dona Benta era vivo.

Eu, que cresci lendo Lobato, nunca me dei conta que havia recebido uma educação postada no preconceito racial, de gênero e de classe sendo construído e sedimentado na imagem de uma empregada doméstica: Tia Nastácia é uma velha negra, trabalhadeira e pouco inteligente que serve a todos no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Nunca teve família, mas se dedicou a cuidar dos filhos da Dona Benta e, agora, enche de comida e carinhos os netos da proprietária do sítio (em Caçadas de Pedrinho o escritor paulista chega a chamar a personagem de macaca de carvão).

Seja no universo literário, seja no mundo real, uma reflexão sobre a situação do trabalho doméstico no Brasil é fundamental para entender a condição social e histórica da mulher, sobretudo da mulher negra, em nosso país.

Em 2008, segundo dados do Seade e do Dieese (http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/mulheres-negras-de-baixa-escolaridade-sao-maioria-no-emprego-domestico-em-sao-paulo/), as trabalhadoras domésticas representavam 15,8% do total da ocupação feminina no Brasil (as mulheres representam mais de 95% dos trabalhadores domésticos) correspondendo, em termos numéricos, a 6,2 milhões de mulheres, em sua maioria negras (de cada 100 trabalhadoras negras, 22 atuam como empregadas domésticas). Com relação à escolaridade, 61% das domésticas não concluíram o ensino fundamental e 20,9% não terminaram o ensino médio. 100% são pobres, com uma renda média de 600 reais por mês. Apenas 36,2% possuíam carteira de trabalho assinada e somente 41,4% das domésticas eram contribuintes da Previdência Social.

Os números acima mostram claramente que o trabalho doméstico no Brasil (e a quase ausência de direitos dos seus profissionais) é uma ferida, ainda exposta e sangrando, provocada pelos mais de 300 anos de escravidão negra no país e pela histórica condição feminina de subserviência. 

Em muitos lares das grandes e modernas cidades brasileiras (sobretudo dos bairros nobres onde as mensalistas que dormem no emprego são maioria), a relação dos sobrados e mocambos continua acontecendo e, por essa razão, um debate amplo e franco sobre a igualdade de gênero e étnico-racial no Brasil tem que necessariamente colocar o dedo nessa ferida (que vai doer muito em amplos setores de nossa classe média).

A Tia Nastácia nunca teve casa, nem família, nem amores, nem nada que fosse dela. Era um artigo de cozinha que a criançada adorava porque lhes saciava a gula (fosse jovem, talvez tivesse sido convencida a saciar outras vontades). Ela não tinha direitos, não tinha desejos (que não fossem adivinhar os desejos dos seus senhores), não tinha perspectivas de transformação em sua vida. Mas para a elite nacional conservadora daquela época (e de hoje) ela tinha as qualidades mais apreciadas em uma empregada doméstica: ser mulher, ser negra, ser pobre e aceitar com alegria sua condição de subserviência.Pé daqui

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Marcos Imperial

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