Texto de Lenilton Lima e Séphora Bezerra.
O Pastoril é um auto que tem origem na Lapinha, com raízes dos dramas litúrgicos representados inicialmente nas Igrejas Portuguesas e de características puramente religiosas; é um bailado que integra o ciclo das festas natalinas do Nordeste, teve início na Idade Média e era clássico em Portugal onde recebia a denominação de Auto do Presépio. Tinha, contudo, um sentido apologético, de ensino e defesa da verdade religiosa e da encarnação da divindade.
Segundo os estudos de Mário de Andrade, celebrar Noites de Festa (refere-se aqui as festividades do Natal) é um verdadeiro tempo de "brinquedos" das danças dramáticas iniciadas com a representação do Pastoril da Noite de Festa do Natal e terminadas com a celebração dos Caboclinhos no Carnaval.
Historicamente as representações natalícias do Pastoril e seus dramas chegaram o Brasil pelas mãos dos jesuítas e registros apontam que no Século XVI lá na Província de Pernambuco como local que primeiro apresentou essa manifestação com as dramatizações natalinas, depois apareceram no Século XIX registros de Bailes Pastoris na Bahia e no restante do nordeste brasileiro.
Outra observação feita por Mário de Andrade é que os Pastoris nunca tiveram uma evolução nacional, permaneceram na suas terras de origem: o nordeste brasileiro. Para ele "se o presépio é usança nacional, o Pastoril não se estendeu para o centro-sul do País" (pag.350, Danças Dramáticas do Brasil).
O Auto no Brasil mantém a tradição portuguesa e continua se apresentando apenas nas igrejas para anunciar a chegada do menino Jesus. Continua fazendo parte dos festejos de Reis que retrata as andanças dos três reis do oriente na entre dos presentes ao menino Jesus que tem inicio no dia 24 de dezembro e se estendo até o dia de 06 de janeiro.
A teatralidade é a grande característica do Pastoril religioso, porém são os elementos sociais profanos que vão pouco a pouco tomando importância desmesurada, que destrói a finalidade religiosa primitiva do teatro e que nos faz rir. Na realidade é por sua beleza que cai nas graças populares, sai dos pátios das igrejas e ao fazer rir, cai na profanidade e ganha característica próprias brasileiras.
Enquanto na Lapinha é composta por meninas moças com vestes comportadas e uma única presença masculina do pastor, quando o Pastoril tem um figurino mais ousado, com saias acima do joelho e um palhaço que faz gestos maliciosos com sua macaxeira (bengala), canta e faz loas (poesias comum aos autos brasileiros) com segundas intenções.
Estudiosos do pastoril apontam o final do século XIX como à passagem do Pastoril religioso para o Pastoril profano, momento em que os antigos presépios, lapinhas e pastoris sagrados tiveram que conviver com esse bailado profano. Entretanto, o surgimento dessa característica mais popular não implicou a eliminação dos autos natalinos, sendo estes encontrados ainda em sua forma sagrada em alguns estados brasileiros da região nordeste ou brincados somente durante o ciclo natalino.
O bailado em sua forma religiosa ou profana apresenta dois cordões de pastoras que se vestem de azul e encarnado (vermelho) e entre os dois cordões está a Diana que é a mediadora das rivalidades existentes nos cordões de pastoras. As cores, segundo Mário de Andrade representam a luta entre cristãos e mouros, e ainda, a Virgem Maria e Nosso Senhor. Segundo relatos das mestras de Pastoril de Caraúbas em Maxaranguape/RN, o palhaço entrava em cena depois da quarta musica e com a chegada dele, a brincadeira ganha a irreverência do humor malicioso do Veio (nome do palhaço).
Nas décadas passadas, o Pastoril de Contradanças era motivo de disputas: os rapazes escolhiam seus cordões e competiam financiando suas pastoras preferidas para dançarem para seu agrado. Nessas disputas alguns homens gastavam o dinheiro da feira e os mais ricos até seus bens mais valiosos, essas competições algumas vezes acabavam em brigas e até em morte. Devido às muitas confusões hoje não se faz mais o Pastoril de Contradanças.
Os Pastoris junto com os Bois de Reis são considerados os mais populares espetáculos no nordeste brasileiro.
No Rio Grande do Norte durante muitas décadas junto aos grupos de Bois de Reis foram as principais atrações das festas. Em alguns municípios do Rio Grande do Norte, os Pastoris estão ativos sejam em suas representações de cunho religioso ou profano. Podemos encontrar essa brincadeira nos municípios de Natal (Praia de Ponta Negra e Bairro do Bom Pastor), São Gonçalo do Amarante, Ceará - Mirim, Maxaranguape, Pedro Velho, Nísia Floresta, Tibau do Sul, São Paulo do Potengi e em Parnamirim (Praia de Pirangi), entre outros, alternando-se em fases de apogeu e de declínio. Mas, é em São Gonçalo do Amarante, uma “Terra de Brincantes”, que o Pastoril ganhou forças ao longo dos anos, pois o solo fértil da região avolumou o que foi trazido pelas mãos das famílias portuguesas advindas de Pernambuco que fundaram o município. A paixão pelo auto, mesmo depois da “crise” proporcionada com a chegada da televisão ainda na década de 60, se estende até os dias de hoje. E momento em que alguns acreditavam no fim da brincadeira de mocinhas jamais foi esquecida. O maior exemplo disso é o Pastoril Dona Joaquina, de são Gonçalo do Amarante.
Em São Gonçalo do Amarante/RN tanto o Boi de Reis quanto o Pastoril é uma manifestação tão antiga quanto sua história, não sabemos ao certo porque são recordações de memória dos mais antigos e alguns documentos - cadernos - de gente que amava e que cuidava para que não fossem esquecidos.
O Pastoril Dona Joaquina é composto por jovens de 13 a 23 anos, netas e bisnetas das integrantes do tradicional Pastoril Estrela do Norte, de São Gonçalo do Amarante e jovens músicos que formam a orquestra do grupo. As pastorinhas, meninas filhas de tradições, as mais genuínas de São Gonçalo do Amarante, trabalham e se dedicam pelo folclore de seu município e do Estado do Rio Grande do Norte. Os jovens músicos que acompanham o Pastoril Dona Joaquina também merecem destaque por onde passam, pois, muitos deles dedicam e se aprofundam para conhecer a sabedoria dos velhos mestres e assim preservar a música de nossos ancestrais e os saberes que vieram de fora.
Coordenado pela professora Séphora Bezerra que se orgulha de parte do grupo, as mais velhas, já estarem na universidade ou se preparando para entrar na academia e por uma diretoria formada pelas mães das meninas e antigas mestras da brincadeira. O Grupo tem em seu elenco as netas das antigas brincantes e apaixonadas (os) pelo auto, fazendo do Pastoril Dona Joaquina umas das referencias da cultura popular de nosso Estado. No ano de 2011 e foi responsável por uma homenagem ao Rio Grande do Norte no 47º Festival Nacional de Olímpia/SP, evento que além do Pastoril Dona Joaquina contou com a presença de alguns grupos potiguares e palestrantes e que elevou a imagem do nosso Estado divulgando nosso folclore e toda sua plenitude.
O folclore e os saberes populares ganham força cada vez que nos emocionamos com essas manifestações que transmitem através dos anos uma extraordinária maneira de viver pelas jornadas apresentadas e em seus jogos cênicos, quer sejam os Bois de Reis ou Pastoris. O grande destaque sempre será a força de suas cores, a harmonia dos brincantes, a graça de um palhaço, a certeza de que viverão para sempre.
Fotografias: Lenilton Lima
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Marcos Imperial