O leitor não é bobo. Mas a mídia estabelecida o
trata como se fosse, e sua perda de influência deriva, em grande parte, desse
erro de avaliação. Nos dezesseis anos que compreendem as gestões de FHC e
Lula, o Brasil avançou consideravelmente. A grande imprensa, infelizmente, não
conseguiu acompanhar este avanço.
O que o caso Marcos
Valério conta sobre a mídia brasileira.
Por PAULO NOGUEIRA,
O leitor não é bobo. Mas a mídia
estabelecida o trata como se fosse, e sua perda de influência deriva, em grande
parte, desse erro de avaliação
Na condição de
jornalista independente e apartidário, pronto a reconhecer méritos e defeitos
de FHC ou de Lula ou de quem mais for, não posso deixar de comentar o episódio
Marcos Valério e Lula. Minha experiência em redação pode eventualmente ajudar o
leitor a entender melhor o que vê publicado.
Na essência, este caso
explica uma coisa: por que o poder de influência da grande imprensa se esvaiu
tanto nos últimos anos. Note: não faz tanto tempo assim, Roberto Marinho era
tido como a pessoa mais poderosa do país, capaz de eleger ou não quem quisesse.
Sucessivos presidentes machucavam as costas para se curvar a Roberto Marinho e
obter seu apoio, tido como fundamental.
Pela terceira vez
seguida, a Globo não foi capaz de eleger seu preferido para a eleição presidencial.
Todo o empenho de jornalistas em postos importantes da casa – de Kamel a
Merval, de Noblat a Míriam Leitão, de Bonner a Waack, isso para não falar de
colunistas como Jabor e entrevistados frequentes como Demétrio Magnoli – foi
insuficiente para convencer os eleitores a votarem como a Globo desejava que
votassem.
Isso é um dado
importante e objetivo: esforço não faltou. Faltou foi poder de persuasão.
Faltou foi influência. Faltou foi um conjunto de argumentos que fizessem
sentido. Não apenas para a Globo, evidentemente, mas para a grande imprensa
como um todo.
Donos e editores já
deveriam há muito tempo ter parado para tentar entender por que sua voz não
está sendo ouvida. Você pode fingir que o problema está neles, nos eleitores. Ou
pode enfrentar os fatos corajosamente e ver que correções deve fazer em sua
trajetória. Alguém já disse e repito aqui: maus editores fazem mais estragos
para a imprensa estabelecida do que a internet.
E então chegamos a
Marcos Valério. A notícia que parece incendiar os comentaristas políticos é a
seguinte: Marcos Valério afirma que Lula era o
chefe do mensalão. Mais precisamente: Marcos Valério teria afirmado.
Foi capa da Veja.
Segundo Noblat, a Veja gravou uma fita com a acusação de Marcos Valério.
Vamos considerar o
cenário mais favorável a quem é contra Lula: Marcos Valério de fato falou, e a
fita existe.
Ainda assim: uma
acusação de Marcos Valério tem valor de prova para que se publique e se
repercuta com tanto calor? É legítimo publicar o que quer que Marcos Valério
diga – sem evidências que as sustentem? Se as há, se existe algo além da
palavra duvidosa ainda que gravada de Marcos Valério, retiro tudo o que disse
acima sobre o episódio. (Leio agora que a revista decidiu não publicar a
suposta fita.)
Em países em que a
sociedade é mais avançada, você precisa de muito mais do que as palavras de
alguém para publicar acusações graves – ou terá que enfrentar a Justiça. Foi o
caso célebre de Paulo Francis. Francis teve o azar de chamar diretores da Petrobras
de corruptos em solo americano. Os acusados puderam processá-lo na Justiça
americana. Onde as provas? Os amigos dizem que Francis morreu por conta do
desgaste emocional deste caso, e acredito. Se o processo corresse na Justiça
brasileira, não daria em nada, evidentemente.
Um dia o jornalismo
brasileiro terá também que fazer uma autocrítica em relação ao caso Collor. Não
que se tratasse de um caçador de marajás. Mas o que mais pesou em sua queda
foram palavras – a famosa entrevista de Pedro Collor. Estava certo publicar o
que Pedro Collor afirmara como se fosse verdade indiscutível?
Na época, quando
conversava com outros jornalistas sobre a capa de Pedro Collor, a pergunta que
eu fazia era a seguinte: imagine que o irmão do presidente americano bate na redação
do New York Times e conta histórias horríveis. O Times publicaria?
O público não deve
entender como alguém que segundo Pedro Collor cometeu tantos crimes acabou
sendo absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e está aí, militando na política.
Não havia provas, segundo o STF. Mas então qual a sustentação da entrevista de
Pedro Collor? Palavras? É pouco.
No presente caso, pelo
pouco que li, vi a velha cena tão comum nos últimos dez anos. Uma acusação –
ainda que partida de Marcos Valério, ainda que sem provas — vai tomando ares de
extrema gravidade na grande imprensa. Alguém dá, e depois vem a repercussão
previsível. Leio que Merval chegou a falar em cadeia.
O público não me
parece tão convencido assim da importância do assunto. Observei que no site da
Folha e do Estado o tema não é sequer o mais lido do dia. Ocupava, quando
verifiquei, uma modesta quinta posição. Russomano – já nem lembro por que –
despertava muito mais interesse no leitor.
O leitor não é bobo.
Mas a mídia estabelecida o trata como se fosse, e sua perda de influência
deriva, em grande parte, desse erro de avaliação. Nos dezesseis anos que
compreendem as gestões de FHC e Lula, o Brasil avançou consideravelmente. A
grande imprensa, infelizmente, não conseguiu acompanhar este avanço. (artigo publicado
originalmente no Diário do Centro do Mundo). Brasil 247.
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Marcos Imperial