A relação do diretor da sucursal de Veja com a quadrilha do bicheiro Carlos Cachoeira era bem mais profunda do que se pensava, revelam gravações da PF.
Leandro Fortes
Na quarta-feira, dia 14, o deputado Dr. Rosinha (PT/PR) irá ao
plenário da CPI do Cachoeira para fazer o que ninguém teve coragem até agora:
enfrentar a mídia. Com base em um documento preparado a partir de todo material
enviado à comissão pela Polícia Federal, o parlamentar vai apresentar um
requerimento de convocação do jornalista Policarpo Jr., diretor da revista Veja em
Brasília Não será um pedido qualquer. O parlamentar tem em mãos um quadro
completo das ligações escusas do jornalista e da semanal da Editora Abril com a
quadrilha do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Um relicário de quase uma centena de
interceptações telefônicas feitas pela PF nas operações Vegas (2009) e Monte
Carlo, realizada em 29 de fevereiro deste ano.
A conclusão é devastadora. Da
encomenda de um grampo ilegal contra um deputado federal à subordinação da
sucursal de Veja ao
esquema criminoso de Cachoeira, as informações repassadas à CPI revelam uma
ligação pessoal ostensiva entre o repórter e o bicheiro. A avaliação de mais de
100 páginas preparada para o deputado, à qual CartaCapital teve acesso, demonstra
como Cachoeira fornecia fotos, vídeos, grampos e informações privilegiadas do
mundo político e empresarial ao jornalista. O bicheiro usava, sem nenhum escrúpulo,
a relação íntima que mantinha com Policarpo Jr. para plantar notícias contra
inimigos. Em contrapartida, a revista protegia políticos ligados a ele e
deixava, simplesmente, de publicar denúncias que poderiam prejudicar os
interesses da quadrilha.
As interceptações da PF provam o que a revista nega desde o
primeiro momento em que teve seu nome ligado ao bicheiro. Não se trata
simplesmente do ecumênico trabalho jornalístico em busca da notícia que obriga
repórteres a se relacionarem com anjos e bandidos, gregos e troianos. É algo
muito mais profundo, uma ligação na qual os interesses “comerciais” do
contraventor estavam umbilicalmente ligados aos interesses políticos da
revista, a ponto de estimular uma cobertura seletiva e levar a publicação a
promover ostensivamente um político, o senador Demóstenes Torres, que colocou
seu mandato a serviço da bandidagem.
Cachoeira costumava escalar a dupla de arapongas Jairo Martins e
Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, para levantar informações e negociá-las com
a Veja. O
jornalista, por sua vez, mantinha encontros periódicos com o bicheiro e alguns
de seus capangas, a fim de confirmar, encomendar e reunir informações para
reportagens da revista. As informações da PF com histórico de textos publicados
pelo semanário demonstram que Policarpo Jr. tinha conhecimento do funcionamento
da quadrilha e usufruía dos métodos ilegais de captação de informações.
O objetivo básico dessa relação para a revista contra alvos
específicos. Em troca, Policarpo Jr. informava o grupo de Cachoeira sobre o que
seria publicado, uma sinergia viciante iniciada em 2004 e, ao longo dos últimos
oito anos, transformada numa relação de dependência mútua sem a qual esse
inédito esquema de crime organizado não teria se concretizado. Nem Cachoeira teria
o poder que chegou a ter nem Veja teria
as informações, quase nunca embasadas em provas reais, para produzir
escândalos.
Há um momento crucial em que a participação de Policarpo Jr. no
esquema criminoso tornou-se inquestionável, impossível de ser interpretada como
mera relação entre um jornalista e sua fonte. Em 26 de julho de 2011, uma
terça-feira, uma interceptação telefônica flagrou uma conversa entre o repórter
e o bicheiro. Sem mais delongas, o jornalista pede ao contraventor para
grampear um parlamentar da base governista.
Policarpo – É o
seguinte, não, eu queria te pedir uma dica, você pode falar?
Carlinhos – Pode
falar.
Policarpo – Como
é que eu levanto aí uma ligações do Jovair Arantes, deputado?
Carlinhos – Vamos ver,
uai. Pra quando, que dia?
Policarpo – De
imediato, com a turma da Conab.
Carlinhos – O
Neguinho.
Policarpo – Hã?
Carlinhos – Deixa eu
ver com ele, o Neguinho, vou falar para ele te procurar aí.
Em suma, o diretor da sucursal da Veja queria saber com quem o
deputado Jovair Arantes (PTB/GO) andava conversando ao telefone entre os
dirigentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério
da Agricultura. Para tal missão, segundo a íntegra do áudio, Cachoeira avisou
que iria destacar “Neguinho”, apelido do delegado da Polícia Federal Deuselino
Valadares, informante da quadrilha preso durante a Operação Monte Carlo. Ou
seja, Policarpo Jr. não apenas sabia das atividades de arapongagem clandestina
do bicheiro com fazia encomendas específicas para alimentar o noticiário da Veja.
Três dias depois, em 29 de julho de 2011, outro grampo detectou
uma conversa entre um certo “Paulo Abreu” e Jairo Martins. Como jamais apareceu
outra interceptação, “Paulo” deve ser Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta
Construções no Centro-Oeste. No áudio, o araponga avisa a Abreu que, naquela
semana, a revista da Abril iria sair com uma reportagem da Conab. Diz ainda que Veja iria
“bater” em seis diretores do órgão. Informação realmente de primeira: no mesmo
dia, a revista estampou uma entrevista com Oscar Jucá Neto, o Jucazinho, irmão
do senador Romero Jucá (PMDB/RR), então líder do governo no Senado.
Ex-diretor-financeiro da Conab, Jucá Neto havia sido demitido na
semana anterior por supostamente ter autorizado o pagamento de R$8 milhões a
uma empresa fantasma, segundo denúncia veiculada pela própria Veja. Na nova
edição da revista, Jucazinho destilou seu fel contra a Conab e acusou o então
ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB, de comandar um esquema de
corrupção na pasta. Rossi seria demitido um mês depois.
Só no meio da reportagem é possível compreender o interesse de
Policarpo Jr. no deputado Jovair Arantes, então líder do PTB na Câmara. O
parlamentar aparece como beneficiário do dinheiro de campanha doado pela
Caramuru, de Goiás, uma das maiores empresas de armazenagem de grãos do País. A
companhia estaria negociando o recebimento irregular de uma dívida de R$20
milhões por parte da Conab, em troca de distribuir R$5 milhões em propinas
entre os diretores do órgão, segundo Jucazinho.
A reportagem da revista não trouxe, porém, uma única prova para
sustentar as declarações do ex-diretor da Conab, muito menos para incluir
Arantes como das supostas negociações de propina com a Caramuru. Ao que parece,
ou a encomenda de Policarpo Jr. não foi entregue a tempo ou o delegado
Deuselino Valadares não fez o dever de casa. O deputado do PTB goiano acabou
envolvido na Operação Monte Carlo por outro caminho. Arantes foi flagrado em
grampos da PF quando negociava dinheiro de campanha com Cachoeira em troca de
apoio ao projeto de legalização do jogo no Brasil.
O marco inicial da relação do bicheiro e o jornalista, a quem
Cachoeira e alguns capangas chamavam eventualmente de “Poli”, “PJ” ou “Júnior”,
pode ser determinado em 22 de fevereiro de 2005. Naquela data, Policarpo Jr.
foi depor de forma voluntária ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e
defendeu Cachoeira. O depoimento serviu para vitimizar e inocentar o bicheiro
de suas ligações espúrias com o Congresso Nacional. À época, o contraventor alegou
ter sido chantageado pelo ex-deputado André Luiz (PMDB/RJ). O parlamentar teria
exigido propina para não incluí-lo no relatório final da CPI da Loterj, a
conturbada estatal de loterias do Rio de Janeiro.
Segundo Cachoeira, André Luiz havia pedido R$4 milhões, mas
queria um adiantamento de R$200 mil para pagar dívidas de campanha de um filho.
O bicheiro gravou a conversa, pegou um laudo do perito paulista Ricardo Molina
e deu para Policarpo Jr. produzir uma reportagem. A reportagem de Veja, intitulada
“Vende-se uma CPI”, foi publicada em 27 de outubro de 2004.
No depoimento que deu á Comissão de Ética da Câmara, Policarpo
Jr. afirmou ter sido procurado por Cachoeira porque este, segundo ele, tinha
interesse em conversar com um veículo “independente” e um jornalista de “boas
referências”.
A gratidão do bicheiro não tardaria a se manifestar. Em maio de
2005, por meio de um trabalho de arapongagem de Jairo Martins, viria à tona o
vídeo onde Maurício Marinho, então diretor dos Correios indicado pelo PTB,
recebia propina para facilitar licitações na estatal. A denúncia levaria o
deputado Roberto Jefferson a denunciar a existência do chamado “mensalão”.
Em 22 de março deste ano, em entrevista à mídia, o ex-prefeito de
Anápolis (GO) Ernani de Paula jogou
um pouco de luz nessa trama. Segundo ele, em 2003, Demóstenes Torres, senador
cassado recentemente, era cotado para assumir a Secretaria Nacional de
Segurança Pública do Ministério da Justiça. Para tal, precisaria migrar do DEM
para o PMDB, partido da base aliada. O movimento iria permitir ainda que a
ex-mulher de Ernani de Paula, suplente de Demóstenes, ganhasse um mandato no
Senado. O ex-prefeito diz ter convicção de que o flagrante a Marinho nos
Correios foi armado por Cachoeira e Demóstenes para atingir o então ministro
José Dirceu.
Hoje se sabe que os planos de Cachoeira dependiam da construção
da imagem de Demóstenes, proposto da quadrilha no Senado, como paladino da
moralidade pública. A partir desse personagem, falso como uma nota de R$3,00, o
bicheiro conseguiu agregar apoio na mídia. A participação de Veja foi
fundamental. “Não há dúvidas de que o mito de Demóstenes foi construído na Veja e
replicado pelo resto da mídia”, avalia Dr. Rosinha.
Aos poucos, foi possível à PF mapear, desde 2009, por meio da
Operação Vegas, como se construir a curiosa disputa entre Cachoeira e
Demóstenes pela atenção e a amizade de Policarpo Jr. Estrategicamente, a
revista cuidou de consolidar a relação com o bicheiro por meio de reportagens
laudatórias sobre o senador do DEM.
A mais marcante foi publicada em 4 de julho de 2007. Intitulada
“Os mosqueteiros da ética”, trazia uma série de parlamentares que supostamente
representariam a defesa de valores republicanos e democráticos no Congresso
contra as torpezas e a corrupção. Demóstenes era um dos destaques. O ex-senador
ainda iria brilhar em uma entrevista nas páginas amarelas da revista, na qual
foi vendido como o escolhido do povo brasileiro na luta contra a corrupção.
As informações passadas à CPI demonstram que Cachoeira e
Demóstenes eram consultados antes de as notícias serem publicadas, não se sabe
se com ou sem a autorização da redação de Veja em
São Paulo. Também atuavam para impedir a publicação de notícias consideradas
prejudiciais à quadrilha.
Em uma conversa gravada em 13 de maio de 2009, Demóstenes pede a
Cachoeira para convencer Policarpo Jr. a entrevistar o delegado Aredes Correia
Pires, então corregedor-geral de Segurança Pública de Goiás no governo de
Marconi Perilo, do PSDB. Pires havia sido subordinado do ex-senador do DEM na
Secretaria de Segurança Pública. “Ele [Policarpo]
é de confiança, você sabe que ele nunca furou com a gente”, insiste Demóstenes.
O bicheiro promete resolver o problema.
Em outro grampo, de 19 de maio de 2009, Demóstenes se desespera
com a possibilidade de Policarpo Jr., por ter desprezado o delegado, se voltar
contra a quadrilha. “Poli me ligou dizendo que vai estourar o diretor-geral aí
[corregedor-geral Aredes
Pires]”, choraminga o ex-senador a Cachoeira. Em seguida, pede para
o bicheiro conseguir “umas fotos” para calar a boca do jornalista. “Mas pelo
menos as fotos vê se consegue, senão [Policarpo]
acaba arrancando a cabeça do Aredes e fica a pior situação do mundo.” A PF não
identificou de quais fotos o ex-senador e o bicheiro falavam, mas a estratégia
deu certo. Veja nunca
publicou qualquer denúncia contra o delegado Pires, mas tarde apontado pela
Monte Carlo como informante da quadrilha.
Entre os dias 9 e 16 de maio de 2011, a PF flagrou outro
conjunto de conversas que revelam a articulação de Cachoeira e Cláudio Abreu
para evitar a publicação de reportagem sobre a suposta ligação da Delta com o
governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Obviamente, para
preservar a empreiteira de Fernando Cavendish. Como pode ser verificado na
interceptação de 9 de maio, Abreu conta a Cachoeira que Cavendish “já tem um
discurso” para resolver a crise e revela que estão todos satisfeitos com a
atuação de Demóstenes no Senado. O bicheiro avisa que vai encontrar o diretor
de Veja em
“20 minutinhos” no prédio da empreiteira para resolver a questão.
Em um grampo de 10 de maio de 2011, Cachoeira conversa com Abreu
sobre um almoço que teve com Policarpo Jr. para tratar de um suposto encontro,
em Itajubá (MG), de José Dirceu com Cavendish. O encontro teria sido
intermediado pelo ex-governador do DF José Roberto Arruda, defenestrado do
cargo por denúncias de corrupção.
Cachoeira diz a Abreu que a fonte é “furada” e garante que o
assunto vai morrer na revista. “O Policarpo confia muito em mim”, diz o
bicheiro. “Vou te mostrar a mensagem que ele passou pra mim antes, 10 horas da
manhã, pra eu me encontrar com ele aqui em Brasília.” A confiança de Policarpo
Jr., neste caso, mostrou-se mesmo inabalável. Nada saiu a respeito do suposto
encontro.
Em conversa interceptada em 16 de maio de 2011, Demóstenes
comemora aliviado o recuo de Policarpo Jr. em relação ao tem. “Morreu o
assunto, né? Tranquilo. Então, beleza, isso aí resolveu, então, 100%
resolvido”, diz Cachoeira. O bicheiro esclarece: “Foi a conversa que eu e o
Cláudio [Abreu]
tivemos lá com o Policarpo. Foi bom demais, valeu.”
Em outra conversa, ainda em 10 de maio de 2011, Cachoeira conta
a Abreu, em linguagem chula, como fez para convencer o jornalista a não
publicar nada contra a Delta. “Enfiei tudo no rabo do Pagot! Aquela hora,
Policarpo estava na minha frente.”
Em seguida, dá a dica definitiva ao diretor da Delta de como se
comportar nesses casos: “Você me fala, então, depois, porque por fora eu posso
ajudar demais plantando em cima dele [Policarpo],
igual plantei do Pagot naquela hora. Ele anotou tudo, viu? Uma beleza. Pagot tá
fodido com ele.”
E estava mesmo. Luiz Antônio Pagot, ex-diretor-geral do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, foi demitido dois meses
depois da conversa entre o bicheiro e o repórter. Exatos 26 dias após o almoço, Veja denunciaria
um suposto esquema de cobrança de propinas para beneficiar o Partido da
República (PR) nos contratos do Dnit.
A partir da Monte Carlo e das revelações nos diálogos entre
Cachoeira e Policarpo Jr. foi possível descobrir o que realmente ocorreu. Pagot
pode não ser um beato, mas sua queda tem mais a ver com o fato de ele ter
contrariado interesses da Delta e da quadrilha. O ex-diretor cometeu o erro de
criar problemas para a construtora em licitações. Em uma delas, por exemplo, a
Delta foi investigada pelo Dnit por ter subcontratado uma empresa para obras de
recuperação de um trecho de 18 quilômetros da BR116, no Ceará, sem autorização
pra tal. Em uma conversa captada pela PF em 20 de março de 2011, Cachoeira
revela a Demóstenes que Policarpo Jr. teria censurado uma entrevista feita em
setembro de 2010, véspera das eleições, por Diego Escosteguy, então repórter da
sucursal de Brasília. Na entrevista, Arruda, ex-governador cassado por
corrupção, envolvia figurões nacionais do DEM e do PSDB no esquema de propinas
no Distrito Federal. A entrevista só seria publicada em 18 de março de 2011,
mas pela concorrenteÉpoca,
para onde Escosteguy se transferira (clique aqui).
Ainda assim, o diretor de Veja tentou
dar uma rasteira no ex-subordinado. Na quinta-feira anterior à publicação da
entrevista emÉpoca,
Policarpo Jr. vazou diversos trechos da entrevista para o site da semanal da
Abril na internet. Uma tentativa pueril de atingir a concorrência e,
principalmente, de tentar camuflar a censura anterior. “O Policarpo ajudou
também, viu? Ia foder todo mundo. Mas você viu que ele ficou com medo e recuou.
Tenho certeza que recuou por causa de seu nome”, revelou o bicheiro, para a
satisfação do ex-senador do DEM.
Dono da situação, Cachoeira passou a pautar todo tipo de
reportagem, a fim de favorecer os negócios da Delta. Em um grampo de 29 de
junho de 2011, o bicheiro conversa sobre uma notícia encomendada a Veja por
Abreu. Tratava-se de uma reunião de 70 construtoras da Associação Nacional das
Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) para encaminhar a licitação de uma obra
na BR280, em Santa Catarina. A reunião, marcada para acontecer em Curitiba,
segundo Cachoeira, seria em 1º de julho de 2011.
O evento era um prato cheio. Naquela mesma semana, a sucursal de
Brasília preparava uma reportagem sobre supostos esquemas de corrupção no
Ministério dos Transportes. Os alvos eram o então titular da pasta, Alfredo
Nascimento, presidente do PR, e Pagot. Em uma conversa captada pela PF,
Cachoeira e Abreu combinam a infiltração de alguém da revista na reunião e a retirada
estratégica dos representantes da Delta do evento. O bicheiro e o diretor da
empreiteira mal conseguem se segurar de tanta excitação:
Carlinhos Cachoeira – Teve
com Policarpo?
Cláudio Abreu –
Cara, show de bola, achei que ele ia beijar minha boca.
Em seguida, traçam a estratégia de infiltração de um repórter,
de preferência Policarpo Jr.
Cláudio Abreu – Já
mandei o pessoal da Delta sair, né? Que nós não vamos participar da obra. Então
falei para eles ir (sic)
lá. Ele [Policarpo]
vai lá. Falou: “Tem jeito de entrar?”. Falei:”Tem, cara, você infiltra lá e
grava a conversa, o sorteio, vão sortear duas obras.” Ele tem de falar que é de
uma empreiteira. Talvez, dar caução.
Carlinhos Cachoeira – Ele
vai fazer o trem? Vai tá lá?
Cláudio Abreu –
falou que ia mandar gente.
No dia seguinte, 30de junho, Cachoeira apressa-se em ligar para
Demóstenes para contar sobre a reunião da Aneor, em Curitiba. “Passei um trem
para o Policarpo aí hoje, que ele vai bamburrar, viu?”, conta o bicheiro ao
ex-senador do DEM. “Só guarde para nós aí, que ele vai infiltrar lá.”
Demóstenes não se contém: “Show de bola, show de bola! Aí vai ser de derruba.”
Cachoeira dá os últimos detalhes e pede sigilo sobre a operação: “Não conta pra
ninguém, ele vai com filmadora e tudo.”
A reportagem “O mensalão do PR” gerou uma crise imediata na
cúpula do Ministério dos Transportes, mas não conseguiu derrubar o ministro
Alfredo Nascimento. Um dia depois, em 2 de julho de 2011, Cachoeira voltou a
conversar com Abreu para falar da repercussão.
Cláudio Abreu –
Rapaz, o [Policarpo]
Junior, o amigo nosso em Brasília, é mais forte que Aldrin 40 (agrotóxico inseticida).
Você chegou a ler a matéria dele hoje, não é?
Carlinhos Cachoeira – Não.
O que ele falou? Foi boa?
Cláudio Abreu –
“Agora, às 15 horas e 12 minutos, a presidente Dilma Rousseff convoca o
ministro dos Transportes e manda afastar todos os citados na reportagem da Veja.” Entra no
site do UOL que você vai ver. A matéria ficou boa pra caralho, ele citou a
reunião [da Aneor, em
Curitiba], cara.
Carlinhos Cachoeira – Você
é forte também, hein, Cláudio!
Cláudio Abreu – Você
que é forte, amigo. Ainda bem que sou seu amigo. Eu já mandei uma mensagem pra
ele [Policarpo],
manda uma pra ele. Ele tem um Viber [aplicativo
de mensagens para celular], manda um Viber pra ele. Eu botei assim:
“Sua matéria já deu repercussão, você é mais forte que Aldrin 40.” Ele
respondeu: “Já? Já teve repercussão?” Falei: “Veja o site do UOL.” Falou: “Vou
ver, abraço.”
Um dia após a saída de Nascimento dos Transportes, em 7 de julho
de 2011, Cachoeira falava como se fosse chefe de Policarpo Jr. Naquele dia, o
bicheiro iniciou um forte lobby para promover um apadrinhamento político
instalado no governo Perilo, o secretário estadual de Educação, Thiago Peixoto.
Em mais uma conversa interceptada pela PF, Cachoeira diz para Abreu: “Você está
com Policarpo Junior? Fala para ele fazer uma reportagem aí. O Thiago tá
fazendo uma revolução na educação aqui. Manda ele designar um repórter pra
cobrir.”
Havia um interesse comercial. Em uma conversa de 9 de junho de
2011, Cachoeira fala com um comparsa da quadrilha, Gleyb Ferreira da Cruz,
sobre um projeto de construção de escolas de baixo custo em Goiás. “Comenta com
ninguém não, mas o Thiago [Peixoto,
secretário de Educação] passou o modelo pra nós, tá? Vai alugar
várias escolas no estado, entendeu? E vamos construir, porque na hora que sair
[a licitação],
tá pronta, é só fornecer”, diz o bicheiro. Em dezembro do mesmo ano, a capa da Veja seria
inspirada em um projeto de educação “de qualidade e baixo custo” na China.
Não foi surpresa nenhuma para a PF e para CPI, portanto, quando
a 15 dias a mulher de Cachoeira, Andressa Mendonça, tentou chantagear o juiz
federal Alderico Rocha Santos com um dossiê, segundo ela produzido por Veja. Andressa
teria dito, contou o juiz: “O senhor conhece Policarpo Junior? O Carlos [Cachoeira] contratou o
Policarpo para fazer um dossiê contra o senhor. Se o senhor soltar o Carlos,
não vamos soltar o dossiê.”
O bicheiro continua preso e Andressa teve de pagar uma fiança de
R$100 mil para não acabar no xadrez (clique aqui).
Nota do Limpinho: O texto de
Leandro Fortes foi digitado da revista CartaCapital,
nº 710, de 15/8/2012, páginas 24 a 29. Este blog só retirou da matéria imprensa
da revista as imagens das conversas do bicheiro com seus capangas. As demais
que estão no post foram capturadas da internet. Via Limpinho e Cheiroso.
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