Condenado, sem passaporte e prestes a ser sentenciado a uma das
mais duras penas da história judicial brasileira, José Dirceu não tem
alternativa a não ser exibir, com orgulho, as algemas preparadas por Joaquim
Barbosa, assim como fez quando foi preso pelo regime militar; leia o texto
inédito do poeta Lula Miranda, exclusivo para o 247 Por Lula Miranda
Foi o que teria dito a José Dirceu, em Setembro de 1969, um dos
presos políticos naquele histórico momento de resistência à ditadura militar em
que 15 prisioneiros do regime de exceção e arbítrio, que se instaurara no
Brasil, foram libertados em troca do embaixador americano – na fotografia
aparecem 13, apenas uma mulher. Exceção e arbítrio. Palavras malditas.
Palavras-emblema de tempos sombrios. Segundo relato de Flavio Tavares, hoje
jornalista e escritor, ele teria sussurrado aos companheiros na ocasião: “Vamos
mostrar as algemas”.
Fez isso num insight “de momento” ao notar que os presos
que estavam ali perfilados, alguns agachados, como um time de futebol campeão,
numa forçada pose para uma foto que viria a se tornar histórica, escondiam as
algemas. E por que escondiam as algemas aqueles jovens? Talvez por vergonha.
Talvez porque estivessem preocupados em como aquela imagem poderia machucar
ainda mais seus familiares e parentes mais próximos. Ou talvez, simplesmente,
porque já estavam por demais combalidos e abalados moral e emocionalmente para
se preocuparem com aquele peculiar adereço do arbítrio. Não se sabe ao certo,
tampouco importa. Mas, insistiu Tavares, naquele “insight” que, ao contrário,em
vez de esconder, as exibisse. Mostre as algemas, Zé! Exorto-lhe nos dias que
correm hoje.
Dias de incipiente e vilipendiada democracia. Na foto, podem
verificar, percebe-se nitidamente o Zé Dirceu exibindo, intrépido, as malditas
algemas. Eu que não fui amigo daquele jovem idealista algemado de outrora,
tampouco conheci o suposto homem “todo-poderoso” do governo; logo eu que o
combati na disputa política, até com palavras duras, eu que nunca o vi mais
magro, ouso lhe fazer a mesma súplica: Mostre as algemas, José Dirceu!
Não
tenha vergonha de nada; tenha orgulho. Você ainda será, por vias transversas,
um preso político. Sim, orgulho! Em que pese a maledicência covarde daqueles
que, assim como naqueles dias sombrios de 1969, hoje lhe apontam o dedo, xingam
e condenam. São os mesmos – “imortais”, “eternos” porta-bandeiras da (falsa?)
moral. Ora se são! Mostre as algemas, Zé! Exiba a todos, daqui e para o resto
do mundo! Mostre a todos o que se faz aqui no Brasil a homens como você, que
prestaram valorosos serviços à pátria; que lutaram com destemor contra a
ditadura; que ajudaram a eleger o Lula; que empenharam a sua vida e juventude
no afã de mudar um pouco a feia face desse país tão injusto com seus filhos,
ajudando a implantar políticas públicas que tiraram milhões da miséria e do
desalento. Mostre a p* dessas algemas, cara! Para o bem e para o mal. Para o
orgulho dos amigos e regozijo dos inimigos. Confesso que esperava que o
julgamento do STF fosse “emblemático”, justo. Não “justo” pelo mesmo metro,
critério ou “premissas” com que a imprensa insuflou e ensandeceu as galerias.
Mas justo “de verdade”: que fossem condenados os culpados, aqueles que tivessem
suas culpas efetivamente comprovadas. Sim, que fosse uma firme sinalização rumo
ao fim da impunidade no Brasil. Mas não foi isso exatamente o que se viu.
Não
foi isso que testemunhamos. Houve erro e exagero. Do Supremo. Da mídia grande
em geral. Uma caricatura. Entre erros e acertos, a injustiça foi soberana. Os
ministros demonstraram-se, desgraçadamente, um tanto tíbios, vaidosos e
suscetíveis à pressão e clamor da turba, de modo irresponsável manipulada e
insuflada pela opinião publicada. Você foi condenado sem provas. Isso é fato,
irretorquível. Foi condenado sem provas, repito. Foi condenado com base em
suposições e suspeitas, com bases em capciosos “artifícios” jurídicos, tais
como a hoje célebre “teoria do domínio do fato”. Uma excrescência, uma espécie
de “licença poética” do golpismo – com o perdão dos poetas, por aqui aproximar
as palavras “poética” e “golpismo”. Eu poderia “achar” que você era culpado. O
meu vizinho poderia achar que você era culpado. O taxista poderia achar. Todo
mundo poderia “achar” que Zé Dirceu era culpado. Mas um juiz, seja do Supremo
ou de 1ª instância, não pode, em absoluto, “achar” que você ou qualquer outro é
culpado. Isso é uma ignomínia – como você tem se cansado de dizer, reiteradas
vezes, em suas manifestações.
Não nos cansemos de, indignados, exclamar: uma
excrescência, uma ignomínia! Zé,mostre as algemas! Elas são o espúrio troféu
que lhe ofertam os verdugos! Nunca pensei em sair do meu país, Zé, agora já
penso com carinho e desconforto nessa possibilidade. Como posso viver num país
em que minhas garantias fundamentais de cidadão não são respeitadas?! Que país
é esse?! Que Justiça é essa?! Quebrou-se a pedra fundamental de toda nossa
estruturação jurídica: a presunção da inocência. Em seu lugar colocaram a
presunção da culpa. Parece piada, de mau gosto, decerto, mas não é. Como já disse
antes, repito: não se é permitido fazer graça com a desgraça alheia.
E sua vida
foi desgraçada, Zé. Mostre as algemas! Veja bem, se você – insisto, reitero –
um homem que tantos serviços prestou ao país, um homem respeitado por
intelectuais, políticos e autoridades do mundo todo foi enxovalhado dessa
maneira, submetido à execração pública pela mídia. Desonrado, chamado de
“quadrilheiro”, “mensaleiro”, “ladrão”, o que fariam com um “poeta marginal”
como eu? Um homem qualquer, sem galardão algum, sem cânone, sem mérito.
Parafraseando certa atriz de cenho angelical, “namoradinha” desse mesmo Brasil:
tenho medo.
Não sei que monstro o STF e a grande imprensa estão ajudando a
criar. Mas uma coisa eu lhe asseguro: é assustador. Para aqueles que, sem
questionar, acham justa a sua condenação e prisão eu pergunto; para os
“inocentes úteis” que aceitam sem titubear esses consensos forjados e essas
verdades absolutas que a grande mídia sopra, todos os dias, em nossas
consciências nos telejornais e nas manchetes dos jornais estampadas nas bancas;
faço-lhes a pergunta que não quer calar: porque criminalizam e prendem somente
os petistas e mais alguns “mequetrefes” da chamada “base aliada” do governo
Lula? Por que essas práticas de sempre na política, hipocrisia à parte, agora
“ilícitas” e “criminosas”, só são permitidas aos “de sempre”? Por que os
sessenta e tantos investigados no chamado “mensalão mineiro” [não é tucano?!]
não foram acusados/denunciados? E não serão jamais – pois para estes o crime é
eleitoral; é caixa 2, já prescreveu [“Dois pesos, dois mensalões” – by Jânio de
Fritas]. Já quando são petistas os agentes da ação... é corrupção; é “golpe”;
são “práticas espúrias”, “criminosas” de um partido, digo de uma “quadrilha”,
em “sua sanha de se perpetuar ad eternum no poder”.
Não, essas palavras não
vieram da tribuna do Senado ou da Câmara dos Deputados, não saíram da boca de
algum político da oposição, mas – pasmem! – foram proferidas por ministros do
Supremo. Por ministros do Supremo, repito! Juízes na Ação Penal nº 470. Vejam a
que ponto chegamos!!! Mostre as algemas, Zé! Mostre as algemas! Essas tais
“práticas ilícitas” ou “criminosas” não deviam ser permitidas a ninguém - não é
mesmo? A Justiça não deveria ser igual para todos?! Qual a resposta a esse
singelo por quê? Por que só os petistas são condenados, execrados e presos? A
resposta também é simples: para que o poder permaneça nas mãos dos "de
sempre", nas mãos dos eternos “donos do poder”.
As chamadas “regras do
jogo”, até as bastardas, servem apenas para a parte podre das nossas elites;
quando é para os “do lado de cá” aí deixa de ser “regra do jogo”, passa a ser
crime; “práticas espúrias”; “compra de voto”. Faço um singelo convite a todos:
vamos pensar o país, no qual a gente vive, um pouco além da hipocrisia, do
partidarismo, do "falso moralismo" e dos "manchetismos
grandiloquentes" de uma imprensa que serve aos interesses de determinada
classe social e ideologia. Mais temperança e equilíbrio aos juízes Supremos e
nem tão supremos assim, o chamado “cidadão comum”. Não podemos nos dobrar a
esse estado de coisas. Não podemos nos calar e assim sermos cúmplices e
testemunhos silentes dos erros dos tribunais.
Repito: o Supremo exagerou; a
mídia exagerou. Quadrilha?! Onde? Compra de votos?! Penas de reclusão superiores
a 30 anos! Há aí um nítido erro na tipificação dos crimes, nas condenações e
exagero na dosimetria das penas. O que é uma pena. Pois isso poderá até
favorecer aos condenados, pois essas condenações injustas e essas penas
exageradas certamente serão revistas algum dia, por esse ou por outro tribunal.
Espero, sinceramente, que sejam revistas por esse mesmo colegiado, pois ali
também estão homens de valor. E que essa vergonha, esse grave equívoco não se
perpetue. Nesse momento, só me resta dizer... Mostre, com orgulho, as algemas,
José Dirceu! Lula Miranda é poeta, cronista e Economista. Foi um dos nomes da
poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da
chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório
da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda. Escrito por Jussara Seixas do Blog da Dilma.
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Marcos Imperial