Ainda sobre a "fogueira de vaidades" que crepita no Supremo...
"Não há dúvida de que com o telejulgamento ganhamos em espetáculo
(estética), mas corre-se sempre o risco de se perder em segurança, porque o
poder dos holofotes pode fazer da prudência, do equilíbrio e da sensatez
estrelas que brilham pela ausência."
"O STF, na sua nova função de telejulgador
populista, está lavando a alma do povo brasileiro (disse um órgão midiático). E
também nos proporciona (como toda televisão) tele-entretenimento, com
acalorados 'bate-bocas', entrecortados por suaves e inteligentes telemensagens
de Ayres Britto do tipo 'o voto minerva me enerva' ".
"Na medida em que a Justiça começa a se comunicar
diretamente com a opinião pública, valendo-se da mídia, ganham notoriedade
tanto os rasteiros anseios populares de justiça (cadeia para todo mundo, prisão
preventiva imediata, recolhimento sem demora dos passaportes dos condenados,
fim dos recursos, ignorem a justiça internacional) como a preocupação de se
usar uma retórica populista, bem mais compreensível pelo 'povão' ('réus
bandidos', 'políticos bandoleiros', 'a pena não pode ficar barata', 'Vossa
Excelência advoga para o réu' etc.)."
"(...) no campo do direito penal, a convicção de
que a voz do povo é a voz de Deus constitui um risco incomensurável. As balizas
da justiça, quando deixadas sob o comando do povo ou da pura emoção, ficam totalmente
cegas (a história de Jesus Cristo que o diga)." Portal do CNJ.
MENSALÃO E A TELEMIDIATIZAÇÃO DA JUSTIÇA
LUIZ FLÁVIO GOMES
Sejam
todos bem-vindos ao mundo do espetáculo judicial telemidiático. Como funciona a
Justiça telemidiatizada? Não quero valorar, apenas descrever.
Se
o STF flertava - já há algum tempo - com sua incondicionada adesão à era do
populismo penal midiático, típico da sociedade do espetáculo (Debord), agora
não existe mais dúvida. Sejam todos bem-vindos ao mundo do espetáculo judicial
telemidiático. Como funciona a Justiça telemidiatizada? Não quero valorar,
apenas descrever.
Em
primeiro lugar, já não podemos falar em processo, e sim em teleprocesso. Não
temos mais juízes, sim, telejuízes. Não mais sessões, sim, telesessões. Não
mais votos, sim, televotos. Não mais o público, sim, teleaudiência. Se no campo
das democracias populistas latinoamericanas o que prepondera é o
telepresidente, na era da Justiça telemidiatizada o que temos é o telerelator,
telerevisor etc.
Não
há dúvida que com o telejulgamento ganhamos em espetáculo (estética), mas corre-se
sempre o risco de se perder em segurança, porque o poder dos holofotes pode
fazer da prudência, do equilíbrio e da sensatez estrelas que brilham pela
ausência.
A
Justiça se tornou muito mais percebida. Agora conta com teleaudiência, com
rating. Para usar um bordão famoso, nunca na história deste país os ministros
se tornaram conhecidos pelos seus nomes, que estão se transformando em marcas
(estrelas midiáticas) e, dessa forma, começam a ter um alto valor
político-mercadológico.
A
espetacularização da Justiça populista não é uma vara mágica que resolva seus
conhecidos problemas, ao contrário, a telejustiça é muito mais morosa e, tal
como uma telenovela, gasta um semestre para desenvolver o enredo de um
teleprocesso (prejudicando o andamento de centenas de outros).
O
STF, na sua nova função de telejulgador populista, está lavando a alma do povo
brasileiro (disse um órgão midiático). E também nos proporciona (como toda
televisão) tele-entretenimento, com acalorados "bate-bocas",
entrecortados por suaves e inteligentes telemensagens de Ayres Britto do tipo
"o voto minerva me enerva".
A
Justiça telemidiatizada não soluciona o problema do pão da população, mas pode
contribuir muito para a fermentação do circo. Por quê? Porque não se pode
esquecer que a liturgia do populismo penal evoca, antes de tudo, a expressão de
uma festa (alegria, júbilo, satisfação), visto que, como dizia Nietzsche, o
sofrimento do inimigo ou do desviado (do devedor), que perturbou a ordem social
ou institucional, sobretudo quando veiculado por meio de algo aproximado da
vingança, traz em seu bojo um incomensurável prazer.
O
STF acaba de sucumbir definitivamente às racionalidades da sociedade do
espetáculo. Resta saber se ainda vão remanescer lampejos de serenidade para
impedir que princípios jurídicos clássicos como o da legalidade, proibição de
retroatividade da lei penal mais severa etc., não se tornem meros tigres de
papel.
Na
medida em que a Justiça começa a se comunicar diretamente com a opinião
pública, valendo-se da mídia, ganham notoriedade tanto os rasteiros anseios
populares de justiça (cadeia para todo mundo, prisão preventiva imediata,
recolhimento sem demora dos passaportes dos condenados, fim dos recursos,
ignorem a justiça internacional) como a preocupação de se usar uma retórica populista,
bem mais compreensível pelo "povão" ("réus bandidos",
"políticos bandoleiros", "a pena não pode ficar barata",
"Vossa Excelência advoga para o réu" etc.).
Frenesi
generalizado, porque agora o paradigma é outro, é o emotivo, o voluntarista, o
performático. O telejuiz deixa de ser um terceiro equidistante para se
transformar num ator midiático, daí a lógica dos reiterados pedidos - entre
eles - de réplica e tréplica, que denotam perfil de parte (falando com o seu
público).
O
maior temor, nesse contexto, é o de que esses novos personagens da telejustiça
deixem de cumprir o sagrado papel democrático de balança contramajoritária. Não
poucas vezes, como sublinha com frequência o Ministro Gilmar Mendes, para fazer
justiça o juiz tem que decidir contra a vontade da maioria. Mas como contrariar
a maioria quando a telejustiça assume a lógica das democracias populistas de
opinião?
São
novos megadesafios para os novos super-telejuízes, que ainda devem recordar
que, no campo do direito penal, a convicção de que a voz do povo é a voz de
Deus constitui um risco incomensurável. As balizas da justiça, quando deixadas
sob o comando do povo ou da pura emoção, ficam totalmente cegas (a história de
Jesus Cristo que o diga).
Aos
tradicionais quatro "pês" que habitam nossas cadeias (pobre, preto,
prostituta e policiais), a telejustiça está agregando uma quinta categoria,
constituída dos políticos e seus satélites orbitais (banqueiros, bicheiros,
construtores, dirigentes petistas, tucanos privatistas etc.). Não há como não
reconhecer que os teleprocessos são altamente politizados. Mas nem por isso
devem revigorar nossa memória, como bem sublinhou Tarso Genro, sobre a
hipotética ou real manchete de um jornal soviético, da era stalinista, que
dizia: "Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov".
Será que a era da telejustiça protagonizada por super-telejuízes será capaz de
nos proporcionar um mundo melhor e mais justo?
LUIZ
FLÁVIO GOMES (@professorLFG), 55, doutor em direito penal, fundou a rede de
ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e
advogado (1999 a 2001). Siga-me:
www.professorlfg.com.br Brasil 247. Via http://abraabocacidadao.blogspot.com.br
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