Menino com deficiência é cuidado em um asilo, em Santa Catarina.
Dois
oficiais de Justiça levaram um adolescente deficiente mental, soropositivo,
cego, mudo e paralítico ao gabinete do pedagogo Rui da Luz, secretário de
Assistência Social de São José (SAS), na Grande Florianópolis. Eles cumpriam
ordens da juíza Ana Cristina Borba, da Vara da Infância e Juventude da cidade.
Os oficiais largaram o garoto no tapete do escritório, exigiram um recibo e
foram embora.
O
caso aconteceu no último dia 19, uma segunda-feira, mas só foi conhecido nesta
quinta (29), depois que uma denúncia anônima chegou aos jornais revelando
que o garoto fora despejado do abrigo onde passara toda sua vida.
Na manhã de ontem, com as primeiras
notícias, o secretário Luz transferiu PC (nome omitido conforme o Estatuto da
Criança e Adolescente) para uma clínica privada em Camboriú, assumindo o custo
de R$ 4.000 mensais, jogando na conta da Prefeitura de São José.
"Eu fiquei sem ação",
lembra o secretário Luz. "O caso de PC era conhecido, mas nós (da SAS)
nunca fomos informados de qualquer problema com ele durante 17 anos, até que
apareceram e jogaram a pessoa aqui, sem respeito por ela", disse Luz.
O secretário disse que a surpresa foi
maior porque "ninguém procurou nenhuma instituição antes, vieram direto
aqui no meu gabinete, imagine se a moda pega". Luz afirmou que PC ficou
até as 23h daquele dia no escritório, quando então obteve vaga provisória no
sistema de assistência municipal, numa clínica de idosos.
O caso do despejo de PC é só mais um
momento marcante em sua vida. Abandonado pela mãe soropositiva no Hospital
Regional de São José aos três meses, em 1995, ele testou soropositivo e logo
pegou meningite, com graves sequelas. Paralítico, mudo e cego, perdeu as
chances de adoção.
Foi aí que ele conheceu dona
Heleninha Pires, fundadora do Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids). Viúva e
sem filhos, há 30 anos ela corre os hospitais catarinenses apoiando doentes de
Aids e suas crianças: "Peguei o PC porque ninguém o queria", informou
dona Heleninha.
No "peguei"
está a raiz do processo judicial
Ela pegou PC em São José e o levou
para o Lar Recanto do Carinho, uma ONG criada por ela em Florianópolis.
Mas a tecnicalidade interfere na hora de ele ser recebido por uma
instituição. Como não tem família e é um cidadão de São José, é dessa cidade a
obrigação de cuidar dele.
Dona Heleninha não deu bola para
isso, lá em 1995. No Recanto do Carinho, PC cresceu com sua cama, seu quarto,
seus pertences: "A vida dele foi toda aqui", diz indignada, ao saber
do despejo dele e da remoção forçada para o gabinete do secretário.
PC só foi caminhar, com apoio, aos
quatro anos. Aos 12, dona Heleninha conseguiu uma vaga na Apae de
Florianópolis, da qual o tenista Guga Kuerten é um dos grandes apoiadores. Um
ônibus escolar levava o adolescente.
Nos últimos quatro anos, ele também
era cuidado por uma funcionária do Recanto do Carinho chamada Silene (ela não
quis ter o nome divulgado, temendo represálias). Silene se afeiçoou ao
menino, dividindo os cuidados com Heleninha. Quando fez 16 anos, em dezembro do
ano passado, PC atingiu idade para ser removido do Recanto, que só cuida de
jovens até 16.
O despejo
No ano passado, ainda,
uma nova direção assumiu o Recanto. Por razões administrativas desconhecidas (a
diretora Regina Lins recusou-se a falar com a reportagem do UOL), o Recanto encaminhou
à juíza Brigitte May, da vara de Infância de Florianópolis, um pedido
de recolocação de PC no sistema de assistência social - sem comunicar dona
Heleninha.
A juíza May oficiou à juíza Ana Borba
sobre a origem sãojosesiana de PC. Nenhuma das juízas quis dar entrevistas. As
duas, em segredo de Justiça, decidiram o caso. Por ter origem no hospital de
São José, ele deveria deixar de tratado em Florianópolis.
Foi assim que o garoto acabou
entregue no gabinete do secretário Luz. E abriu-se a questão: onde colocar um
deficiente com tantos problemas de saúde? "Se ele passou 17 anos em
Florianópolis, que é a capital, imagina onde ele ia conseguir coisa
melhor?", disse dona Heleninha. "Deveriam tê-lo deixado em paz."
A SAS de São José só conseguiu aquela
vaga numa clínica de idosos - onde o pessoal não estava preparado para
tratá-lo. Na quarta-feira (28), Silene foi visitá-lo e disse ter ficado
comovida com a situação do menino. Saiu dali e queixou-se ao tabloide
"Notícias do Dia" e à dona Heleninha.
Na manhã de quinta, com as primeiras
notícias, o secretário Luz transferiu PC para uma clínica privada em Camboriú,
assumindo o custo de R$ 4.000 mensais, jogando na conta da Prefeitura de São
José.
Na tarde de quinta, dona Heleninha
reagiu com um pedido à Justiça de guarda de PC: "Eu quero ele de volta ao
seu quarto, no Recanto. Uma pessoa como ele só reconhece quem lhe dá atenção e
carinho pela voz, pelo cheiro e pelo tato. Uma mudança brusca como esta está
além da compreensão dele, foi uma tremenda insensibilidade".
Não adiantou Silene pedir sigilo do
nome. As represálias contra ela vieram. Às 17h dessa quinta (29) ela estava
demitida. A direção do Recanto suspeitou (e acertou) que ela tinha feito a
denúncia à imprensa e reagiu com a demissão.
E PC? Está na clínica de Camboriú,
alheio ao próprio destino
Na tarde desta
sexta-feira (30), a Corregedoria Geral de Justiça divulgou uma Nota de
Esclarecimento sobre o Caso. Leia a seguir a íntegra da nota:
A Corregedoria Geral da
Justiça esclarece que a situação que envolve o adolescente P.C, portador de
múltiplas deficiências físicas e mentais, transferido nesta semana do Lar
Recanto do Carinho, em Florianópolis, para uma instituição acolhedora em
Balneário Camboriú, as expensas do município de São José, conclui nova etapa
deste processo de longa data, com a participação de variados atores –
principalmente das varas de infância e juventude das comarcas de Florianópolis
e São José.
O Lar Recanto do Carinho,
por inúmeras vezes, solicitou ao juízo que adotasse as providências no sentido
de transferir o garoto para um local apropriado para suas deficiências. A
prefeitura municipal de São José, desde logo, foi chamada à responsabilidade ,
inerente ao Executivo, de prestar o atendimento necessário ao seu pequeno
cidadão, por diversas vezes. Ao final, indicou a possibilidade do jovem ser
encaminhado a Orionópolis. Neste local, contudo, não há vagas – existe uma fila
de espera superior a 300 pessoas. Neste sentido, P.C foi conduzido até a
Secretaria de Ação Social daquele município para que dali chegasse até uma
instituição capaz de suprir suas demandas. A administração, contudo, fez seu
encaminhamento indevido a um asilo, fato que forçou nova determinação judicial
para que adequasse esta situação. Em menos de 24 horas, premido pela exigência
legal, o município finalmente acertou a transferência do jovem para uma
instituição particular em Balneário Camboriú, onde ele passará a dispor de
supervisão psiquiátrica e psicológica diária, serviço de terapia ocupacional e
enfermagem em tempo integral. A decisão judicial que autorizou a transferência
tomou por base a responsabilidade do município e a melhor atenção ao estado de
saúde do adolescente. Renan Antunes de Oliveira Do UOL, em Florianópolis.
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Marcos Imperial