Foto Clélia Smith.
Texto Moacir Farias, historiador e pesquisador cultural.
Dizem que crescemos e os brinquedos apenas mudam de
tamanho. Ou que os bem idosos voltam à idade infantil, carente de cuidados.
Quando mestre Sérvulo pede pra brincar de novo, a brincadeira é
coisa séria. É questão de preservação da memória dos mais antigos. E brincar de
quebra-cabeça não ajuda, não. Quando se fala em mestre Sérvulo, o coração, a
mente e o corpo ainda estão tinindo, mesmo aos 84 anos. Ele só quer perpetuar o
folclore: o congo, o BAMBELÔ e o
fandango de São Gonçalo do Amarante. Apesar de ainda escapulir aqui e acolá
para uma farra, o nome hoje mais importante da cultura popular de São Gonçalo
escapou de sérios problemas de saúde. E quando ele morrer será enterrado também
os grupos comandados por ele.
Mestre Sérvulo é discípulo de uma linhagem de
artistas populares riquíssimos à história cultural potiguar. O Cabocolinho de Ceará-mirim,
o Fandango e a Chegança de Canguaretama, a dança do Maneiro Pau de Portalegre e
outras manifestações legítimas se juntam a uma gama preciosa e cada vez mais
rara de folguedos remanescentes no Estado potiguar. Se o folclorista Deífilo
Gurgel disse que o Rio Grande do Norte detém o folclore mais rico do Brasil,
São Gonçalo é a cidade mais pungente nesse sentido. E se a romanceira Militana
Salustino morreu assistida por uma pensão vitalícia da prefeitura e com a
comenda máxima da cultura popular entregue pelo então presidente Lula, Sérvulo
Teixeira pede apenas para brincar.
"Nunca mais me chamaram para nada. Minha
brincadeira está esquecida. E é só chamar que eu vou. Hoje o Congo e o Bambelô
tão comigo. Mas faz tempo que ninguém se apresenta. E outra: num tem quem fique
à frente. Boto meu sobrinho pra mestre do Congo, mas ele não sabe e é muito
disperso. Quando eu morrer num tem quem tome conta".
Sérvulo vive modestamente, como é de praxe a vida
dos mestres do folclore potiguar. Recebe um salário mínimo pelo Funrural, pelo
tempo de serviço na agricultura. Pelos mais de 70 anos dedicados ao folclore,
apenas o reconhecimento de um ou outro estudioso. E talvez padeça do mesmo fim
do irmão, Lucas, mestre do Congo de Saiote de São Gonçalo, que morreu à míngua.
CONGO SEM SAIA - Sérvulo aprendeu
com os primeiros mestres de que se tem notícia em São Gonçalo. Já aos 13 anos,
estava enturmado com Pedro Guajiru, mestre do Boi de Reis e conhecedor nato das
tradições populares. Sérvulo tentou montar um grupo de Chegança, na comunidade
da Sombra, mas não vingou por falta de gente. Depois conheceu João Menino, a
quem Deífilo Gurgel disse ter visto um "alumbramento" ou classificou
como das apresentações mais bonitas que já viu em vida. Com João Menino,
Sérvulo aprendeu as cantorias e passos do Congo de Saiote. Mas haveria um
divisor de água na apresentação no Mercado da Cidade Alta, onde hoje funciona o
Banco do Brasil, a convite do então prefeito Djalma Maranhão.
“A gente em cima do palco, se ajuntou estudante pra
ver a gente”. E você sabe que estudante é tudo sem vergonha, né?
Eles tudo rente ao palanque. Aí nós lá se
apresentando e quando viram que João Mãozinha tava sem cueca, tiraram o coro
dele". Pouco depois do episódio, mestre João Menino morreria. "O
Congo de Saiote passou um a dois anos parado, aí eu assumi e num quis mais esse
negócio de saiote não. Doutor Deífilo aconselhou eu permanecer, mas num quis
não. Muitos, principalmente os meninos, não queriam vestir. E já pensou homem
ir brincar de saia?". Sérvulo desvirtuou, de certa forma, a tradição e
passou a brincar o Congo com calçola. E nisso se vão quatro décadas.
FANDANGO - O Fandango, Sérvulo
aprendeu com outro ícone da cultura popular São-Gonçalense: mestre Atanásio
Salustino, pai de Dona Militana. Hoje, o Fandango de São Gonçalo é o folguedo
mais ameaçado. Está parado há anos. E só quem conhece as jornadas que dão ritmo
à dança é mestre Sérvulo e João Viana, ambos já idosos e de saúde comprometida.
O grupo Bambelô da Alegria é cria do próprio mestre Sérvulo, que aprendeu com
Antônio Basílio, que brincava informalmente pelos redores do distrito de Santo
Antônio do Barreiro, onde Sérvulo mora hoje. "Ele nunca formou grupo. Aí
tive a ideia de juntar e começar a brincar. Já faz 24 anos", lembra o
mestre, orgulhoso. Postado por Marcos Imperial.
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