Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/IL).
"Os jovens, dedos rápidos em seus celulares, tomaram as ruas ao redor do mundo"
Parece mais fácil explicar esses protestos quando ocorrem em
países não democráticos, como no Egito e na Tunísia, em 2011, ou em países onde
a crise econômica aumentou o número de jovens desempregados para marcas
assustadoras, como na Espanha e na Grécia, do que quando eles surgem em países
com governos democráticos populares - como o Brasil, onde atualmente gozamos
das menores taxas de desemprego da nossa história e de uma expansão sem
precedentes dos direitos econômicos e sociais.
Muitos analistas atribuem os recentes protestos a uma rejeição
da política. Eu acho que é precisamente o oposto: Eles refletem um esforço para
aumentar o alcance da democracia, para incentivar as pessoas a participar mais
plenamente.
Eu só posso falar com autoridade sobre o meu país, o Brasil,
onde acho que as manifestações são em grande parte o resultado de sucessos
sociais, econômicas e políticas. Na última década, o Brasil dobrou o número de
estudantes universitários, muitos de famílias pobres. Nós reduzimos
drasticamente a pobreza e a desigualdade. Estas são conquistas importantes, mas
é completamente natural que os jovens, especialmente aqueles que estão obtendo
coisas que seus pais nunca tiveram, desejem mais.
Esses jovens não viveram a repressão da ditadura militar nas
décadas de 1960 e 1970. Eles não convivem com a inflação dos anos 1980, quando
a primeira coisa que fazíamos quando recebíamos nossos salários era correr para
o supermercado e comprar tudo o possível antes de os preços subirem novamente
no dia seguinte. Lembram-se muito pouco da década de 1990, quando a estagnação
e o desemprego deprimiu nosso país. Eles querem mais.
É compreensível que assim seja. Eles querem que a qualidade dos
serviços públicos melhore. Milhões de brasileiros, incluindo os da classe média
emergente, compraram seus primeiros carros e começaram a viajar de avião.
Agora, o transporte público deve ser eficiente, tornando a vida nas grandes
cidades menos difícil.
As preocupações dos jovens não são apenas materiais. Eles querem
maior acesso ao lazer e a atividades culturais. Mas, acima de tudo, eles exigem
instituições políticas que mais limpas e mais transparentes, sem as distorções
do sistema político e eleitoral anacrônico do Brasil, que recentemente se
mostraram incapazes de gerir a reforma. A legitimidade dessas demandas não pode
ser negada, mesmo que seja impossível atendê-las rapidamente. É preciso
primeiro encontrar recursos, estabelecer metas e definir prazos.
A democracia não é um compromisso de silêncio. Uma sociedade
democrática é sempre em fluxo, debater e definir as suas prioridades e
desafios, em constante desejo por novas conquistas. Apenas em uma democracia um
índio pode ser eleito presidente da Bolívia, e um afro-americano pode ser
eleito presidente dos Estados Unidos. Apenas em uma democracia poderia,
primeiro, um metalúrgico e umam depois, um mulher serem eleitos presidentes do
Brasil.
A história mostra que, quando os partidos políticos são
silenciados e as soluções são procuradas pela força, os resultados são
desastrosos: guerras, ditaduras e perseguição das minorias. Sem partidos
políticos não pode haver uma verdadeira democracia. Mas as pessoas simplesmente
não querem votar a cada quatro anos. Eles querem interação diária com os
governos locais e nacionais, e querem participar da definição de políticas
públicas, oferecendo opiniões sobre as decisões que os afetam a cada dia.
Em suma, eles querem ser ouvidos. Isso cria um enorme desafio
para os líderes políticos. Exige as melhores formas de engajamento, através da
mídia social, nos espaços de trabalho e nos campi, reforçando a interação com
grupos de trabalhadores e líderes da comunidade, mas também com os chamados
setores desorganizados, cujos desejos e necessidades não devem ser menos
respeitado por falta de organização.
Tem-se dito, e com razão, que enquanto a sociedade entrou na era
digital, a política permaneceu analógica. Se as instituições democráticas
utilizassem as novas tecnologias de comunicação como instrumentos de diálogo, e
não para mera propaganda, eles iriam respirar ar fresco em suas operações. E
seria mais eficaz trazê-los em sintonia com todas as partes da sociedade.
Mesmo o Partido dos Trabalhadores, que ajudei a fundar e que tem
contribuído muito para modernizar e democratizar a política no Brasil, precisa
de profunda renovação. É preciso recuperar suas ligações diárias com os
movimentos sociais e oferecer novas soluções para novos problemas, e fazer as
duas coisas sem tratar os jovens de forma paternalista.
A boa notícia é que os jovens não estão conformistas, apáticos
ou indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que pensam que odeiam a política
estão começando a participar. Quando eu tinha a idade deles, nunca imaginei que
me tornaria um militante político. No entanto, acabamos criando um partido político
quando descobrimos que o Congresso Nacional praticamente não tinha
representantes da classe trabalhadora. Através da política conseguimos
restaurar a democracia, consolidar a estabilidade econômica e criar milhões de
empregos.
É evidente que ainda há muito a fazer. É uma boa notícia que os
nossos jovens querem lutar para garantir que a mudança social continue em um
ritmo mais intenso.
A outra boa notícia é que a presidente Dilma Rousseff propôs um
plebiscito para realizar as reformas políticas que são tão necessárias. Ela
também propôs um compromisso nacional para a educação, saúde e transporte
público, em que o governo federal iria fornecer apoio técnico e financeiro
substancial para estados e municípios.
Ao conversar com jovens líderes no Brasil e em outros lugares,
eu gostaria de dizer-lhes o seguinte: Mesmo quando você está desanimado com
tudo e com todos, não desista da política. Participe! Se você não encontrar em
outros o político que você procura, você pode achá-la em si mesmo.
Luiz Inácio Lula da Silva é
ex-presidente do Brasil, que agora trabalha em iniciativas globais com o
Instituto Lula. Postado por Marcos Imperial.
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