"Um
plebiscito também significa o aprofundamento da democracia. Vocês,
manifestantes, querem promover uma ruptura no ritmo com o qual o Brasil vem
mudando? Querem uma bebida mais forte? Tudo bem, vamos perguntar ao povo se ele
concorda."
"Os
protestos de rua conquistaram algumas vitórias, mas a um preço talvez
excessivo: introduzimos o vírus da truculência na política brasileira. É
alarmante que tanta gente ache “lindo” ver o povo destruindo pontes, ônibus,
monumentos, lojas, restaurantes, rodoviárias, patrimônio público. E tudo pra
quê? Por um mundo melhor?"
"Acabaram-se
as tertúlias no programa da Ana Maria Braga, acabou-se o mito da faxineira da
ética, da gestora séria e competente. Dilma se viu obrigada a fazer política. A
ir para a TV. A convocar movimentos sociais, governadores e prefeitos. A ouvir
as centrais sindicais. Agora não pode mais parar. Dilma tem de achar uma outra
Dilma para si, para gerenciar o país, e tem que mergulhar de vez na agenda
política. Participar mais do debate, ajudando a aprovar suas reformas no
Congresso, a defender seu governo nos meios de comunicação."
"Por
isso é tão necessário desenvolver uma estratégia de comunicação mais agressiva,
mais jovem e mais dinâmica. O povo quer falar contigo, Dilma. Não apenas
através de um plebiscito onde diremos sim ou não. Não através da Globo News.
Quer falar contigo diretamente, olho no olho. Mas não pela TV, que tem um lado
só. Tem que ser pela internet, onde podemos interagir. Talvez aí, nesse diálogo
direto, veremos emergir uma surpreendente criatividade."
Dilma
e a revolução dos coxinhas.
Dessa
vez eles chegaram bem perto. A estratégia foi genial. Usaram um grupinho
político da USP que tinha uma proposta simpática, a defesa do passe livre, e,
com ajuda da brutalidade da polícia paulista, transformaram um protesto local
no maior delírio coletivo das últimas décadas.
Ainda
vai demorar para sabermos a extensão da influência dos grupos “anonymous” na
organização virtual das manifestações. Mas as névoas estão começando a se
dissipar. Depois do apoio dos Clubes Militares aos “protestos de rua”, as
coisas vão ficando mais claras.
É
um fenômeno que vem se repetindo nos últimos anos, e cada vez emerge mais
forte. As novas investidas da direita têm se dado através da
juventude da classe média. Pega-se uma bandeira ou candidato simpáticos,
untados com antigovernismo, agressividade política, cobertura midiática
favorável, um bocado de esquerdismo utópico e infantil, e pronto, eis uma causa
capaz de reunir milhares de jovens. A estratégia de usar a juventude, e
símbolos da esquerda, para lançar uma candidatura conservadora, é um excelente
cavalo de Troia para dividir e confundir o eleitorado progressista. Em 2008,
fizeram com Gabeira, símbolo de rebeldia, nas eleições municipais do Rio de
Janeiro. Começou como queridinho dos jovens e terminou, como agora, com apoio
do Clube Militar. Dois anos depois, Gabeira seria o candidato-fantoche do PSDB
no estado do Rio, disputando uma eleição apenas para dar palanque a José Serra,
e hoje o ex-guerrilheiro assina uma coluna udenista no Estadão.
Eu
estive no protesto de Brasília. Observei os jovens segurando cartazes
artesanais, individuais, com todo o tipo de platitude, como: “tanta coisa pra
protestar que não cabe num cartaz”.
No
dia seguinte, olhando a capa do Correio Braziliense, todavia, algo me chamou a
atenção. A presença de uma faixa gigantesca. Tão grande que os próprios
manifestantes deviam ter dificuldade de assimilar o conteúdo. Só dava para ser
lida do alto do helicóptero da Rede Globo. A frase dizia: Prisão já para os
Mensaleiros.
Num
movimento não organizado por partidos, sindicatos ou movimentos sociais, a
característica principal dos cartazes era a sua simplicidade. Aquela faixa era
coisa de profissional. Deve ter custado uma fortuna, muito longe da realidade
dos jovens manifestantes, apesar da minha impressão, ao observar seus rostos,
que nenhum deles jamais perdeu uma noite de sono por causa de uma dívida. No
Rio, também logo se viram faixas descomunais pedindo prisão de mensaleiros. A
oposição, como se vê, pensou bem rápido e faturou em cima das manifestações.
As
madames organizadas que fracassaram em levar adiante seus protestos contra “tudo
o que está aí” assistiram, emocionadas, seus filhos assumindo seu lugar.
As
pesquisas apontam que os protestos vistos nos últimos dias foram protagonizados
principalmente por jovens universitários de classe média, que logo se viram
acompanhados por elementos do chamado “lúmpem”, ou seja, camadas desorganizadas
dos estratos mais pobres. Os elementos radicais de ambos os grupos praticaram
um assombroso vandalismo, fazendo com que os protestos fossem os mais violentos
de que se tem notícia em nossa história recente.
A
insistência da mídia em falar que apenas “uma pequena minoria” praticou
vandalismo tornou-se ridícula. Se os dez mil manifestantes de Brasília se
pusessem a depredar o Itamaraty, aí não era manifestação, nem sequer
vandalismo, e sim um ato de guerra civil antinacional, e eu mesmo iria à
capital lutar em defesa do meu país, distribuindo uns tabefes nos
irresponsáveis.
Congresso
e Executivo tentam dar uma resposta política às manifestações, porque é
tradição nacional procurar uma saída pacífica e conciliadora. Mas não podemos
nos cegar para aemergência de um perigoso neofascismo playboy. No Rio, já vimos
isso durante a candidatura de Marcelo Freixo, com o surgimento de uma legião de
jovens absolutamente sectários, com a mesma visão messiânica, voluntarista e
impaciente da política.
Mas
a coisa é pior. Freixo ao menos tinha um programa, e pertencia a um
partido. As manifestações de hoje não têm agenda, não têm foco, apenas um
sentimento em comum: a impaciência, que na verdade reflete o voluntarismo
arrogante de uma classe, historicamente favorável a soluções de
força. “Queremos mudanças já! Agora! Não temos paciência para o jogo
democrático! Não temos paciência para esperar as eleições do ano que vem e
eleger novos deputados estaduais, novos governadores e um novo presidente!”
O rechaço
à representatividade política, por sua vez, tão edulcorado pelos pós-modernos,
é na verdade um rechaço à democracia. Porque a democracia não é um governo
dos melhores e sim da maioria. O representante político não chega lá por
concurso público. Não é o mais ético. Ele ganha uma eleição porque soube
articular melhor, se organizar junto a um grupo, arrumar dinheiro para
campanha. Os jovens voluntaristas não aceitam que seus representantes políticos
sejam eleitos pela massa ignara, que não sabe diferenciar corruptos de
não-corruptos, que vota em evangélicos, em fisiológicos, em
petistas. Querem ganhar no grito.
As
madames, revoltadas com o súbito aumento no custo das empregadas domésticas,
indignadas com a invasão de pobres nos aeroportos, devem ter cortado a mesada
dos filhos, que saíram às ruas em protesto contra essa situação. O passe livre
significa que a patroa não precisará mais pagar a passagem de sua empregada
doméstica. A legislação brasileira obriga o empregador a pagar o transporte do
funcionário. Seu passe já é livre. Pessoas com mais de 60 anos não pagam
passagem. Estudantes pagam meia em muitas cidades. E o autônomo tem se
beneficiado, por sua vez, de uma forte disparada no preço dos serviços que
presta. Os vinte centavos a mais na passagem, conforme os próprios
manifestantes admitiram, nunca foram o cerne dos protestos.
A
questão da mobilidade urbana deve ser monitorada de perto pelos cidadãos. Se os
protestos fossem, especificamente, para melhorar a qualidade do transporte
público, maravilha. Mas botar 300 mil pessoas na rua, sem agenda, protestando
por protestar, é algo sinistro. Um alemão com quem conversei longamente em
Brasília, falou assim mesmo: “It’s scaring”. É assustador. Eles – alemães – já
viram esse filme antes e não guardam boas lembranças.
É
a revolução dos “coxinhas” ou “almofadinhas”, apoiados por neohippies de
butique, desmiolados, indignados úteis, adolescentes ingênuos, e toda espécie
de malucos e idiotas políticos, que agora ganharam a companhia dos apopléticos
dos clubes militares e das madames cansadas do Leblon.
Enquanto
isso, Joaquim Barbosa, candidato preferido dos manifestantes, dá longas
entrevistas à Globo News, defendendo o voto distrital e a possibilidade do povo
“revogar” seu voto através de um “recall”. Detalhe: o voto distrital é o sonho
da direita, porque seria a maneira mais rápida de matar o sindicalismo e, por
consequência, todos os partidos de esquerda.
A
proposta de Dilma Rousseff de fazer um plebiscito popular para decidirmos se
devemos ou não eleger uma constituinte, para levar adiante a reforma política,
deu o foco que o Brasil precisava. As acusações da oposição partidária de que
seria um golpe apenas confirmam a sua inapetência política. A verdadeira
oposição, aquela que hoje se encarna no cidadão Joaquim Barbosa, que tem se
mostrado muito mais astuto e articulado que um Aécio Neves, apoia o plebiscito,
porque entende que ele consiste, na verdade, numa jogada de risco para a
presidenta. E uma oportunidade de ouro para a oposição ao PT. Uma Constituinte
poderia introduzir, por exemplo, o voto distrital tão sonhado por Joaquim
Barbosa.
Mas um
plebiscito também significa o aprofundamento da democracia. Vocês,
manifestantes, querem promover uma ruptura no ritmo com o qual o Brasil vem
mudando? Querem uma bebida mais forte? Tudo bem, vamos perguntar ao povo se ele
concorda.
A
eleição de uma Constituinte para discutir a reforma política, por sua vez, é um
gesto de deferência à rejeição vista nos protestos contra a classe política
tradicional. É uma chance dos manifestantes provarem que seus protestos são
consequentes e irem às ruas fazerem campanha para seus representantes
preferidos. É uma oportunidade e tanto para sonháticos, barbosianos, éticos
midiáticos, e independentes de todo o tipo.
Eu
nem sei se defendo este plebiscito, essa constituinte, essa reforma política. O
que eu sei é que se está oferecendo ao povo a oportunidade de decidir, e uma
bandeira branca aos manifestantes. OK, vocês venceram, vamos consultar o povo.
Agora deixemos o Brasil trabalhar e funcionar, porque sem estabilidade
econômica e política todo mundo sai perdendo, a começar pelo mais pobre.
Os
protestos de rua conquistaram algumas vitórias, mas a um preço talvez
excessivo: introduzimos o vírus da truculência na política brasileira. É
alarmante que tanta gente ache “lindo” ver o povo destruindo pontes, ônibus,
monumentos, lojas, restaurantes, rodoviárias, patrimônio público. E tudo pra
quê? Por um mundo melhor?
A
coisa perdeu todo o sentido porque é chocantemente absurdo ver um jovem
socialista marchando ao lado de um defensor da ditadura. De um defensor do
aborto ombreando com um que prega o contrário. O nível de esquizofrenia dos
protestos, aliado à condescendência da mídia, atingiu um ponto crítico.
Quanto
ao governo, a grande lição é o fracasso retumbante de sua política de
comunicação, e a derrota na batalha pelo coração da classe média. Acabaram-se
as tertúlias no programa da Ana Maria Braga, acabou-se o mito da faxineira da
ética, da gestora séria e competente. Dilma se viu obrigada a fazer política. A
ir para a TV. A convocar movimentos sociais, governadores e prefeitos. A ouvir
as centrais sindicais. Agora não pode mais parar. Dilma tem de achar uma outra
Dilma para si, para gerenciar o país, e tem que mergulhar de vez na agenda
política. Participar mais do debate, ajudando a aprovar suas reformas no
Congresso, a defender seu governo nos meios de comunicação.
No
meio da crise, com protestos correndo soltos em todo país, e ninguém sabendo
direito onde aquilo ia dar, o blog da Dilma, uma ferramenta extraordinária para
apagar incêndios, permaneceu parado. Twitter da Dilma, parado. Facebook da
Dilma, idem. Um garoto do subúrbio carioca faz um trabalho melhor de
comunicação para a presidenta, com o perfil Dilma Bolada, do que todo o pesadostaff da
Presidência da República e da SECOM.
A
comunicação da presidenta é dominada pelo pensamento publicitário, pela mídia
1.0, onde tudo é pensado em termos de milhões de reais. Qual o custo em
atualizar um blog, em escrever uns tuitezinhos por dia? Nenhum. Mas a
presidência, sequestrada pela lógica pesada da SECOM, prefere torrar milhões
para fazer um novo pronunciamento na TV. Por que não fazer um tweetcam semanal
com jovens e internautas? Porque não inovar na comunicação, interagir
diretamente com a população, sem intermediação de Globo, Veja, Folha, Estadão?
Cristina Kirchner, Obama, Chávez, todo mundo tá fazendo (ou fez) isso, prezada
Helena Chagas!
Há
um lado positivo em tudo isso, que é a aceleração da História. Assim como uma
manifestação pode começar pela esquerda e terminar pela direita, como é o que
aconteceu, ela pode tender à esquerda novamente. Mesmo uma guinada à esquerda,
porém, só seria positiva se viesse no bojo de um forte apoio do povo e dos estratos
mais progressistas da classe média. Um neochavismo sem base popular, sem
comunicação, turbulento, isolacionista e mal ajambrado, apenas abriria espaço
para uma vitória conservadora em 2014.
Por
isso é tão necessário desenvolver uma estratégia de comunicação mais agressiva,
mais jovem e mais dinâmica. O povo quer falar contigo, Dilma. Não
apenas através de um plebiscito onde diremos sim ou não. Não através da
GloboNews. Quer falar contigo diretamente, olho no olho. Mas não pela TV, que tem
um lado só. Tem que ser pela internet, onde podemos interagir. Talvez aí, nesse
diálogo direto, veremos emergir uma surpreendente criatividade. Postado por Marcos Imperial, via O Cafezinho.
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