Um propinoduto criado para desviar
milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi montado durante os
governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos
operavam por meio de empresas de fachada.
Por Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas, da
IstoÉ
Ao
assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a
multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário propinoduto mantido
há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em São Paulo para desviar
dinheiro das obras do Metrô e dos trens metropolitanos. Em troca de imunidade
civil e criminal para si e seus executivos, a empresa revelou como ela e outras
companhias se articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações
públicas na área de transporte sobre trilhos. Para vencerem concorrências, com
preços superfaturados, para manutenção, aquisição de trens, construção de linhas
férreas e metrôs durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os
executivos da multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e
corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de
alto escalão. O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições
pelas administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo
de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência foi
tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse. Pelo contrário. Desde
que foram feitas as primeras investigações, tanto na Europa quanto no Brasil,
as empresas envolvidas continuaram a vencer licitações e a assinar contratos
com o governo do PSDB em São Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou
pagamentos a personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom –
que compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em
contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu 15
inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível detalhar
como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e que teria
drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para abastecer o
propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na Europa.
As
provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são contundentes.
Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008
por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da
denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao
Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos
cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que
participavam da tramoia. Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em
sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para
simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o
que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a
empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série
3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À época, a
Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de
pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8
milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados
na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos
e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação,
os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o
Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem
subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
A
MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse
caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à
diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao
ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam
envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator
“conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em
subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio
Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo,
Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente
de manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de
pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os
lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE
deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e
repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram
repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos
aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se
repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da
Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e
Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as
denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
Além de subcontratar
empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro
público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São
Paulo fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente do
esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina
circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma
dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da
Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através
de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no Uruguai,
Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo
o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom,
uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para
implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma comissão de 5% para os
lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de
7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho. “A
Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com
(as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma
o delator. As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da
propina eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam
participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens,
TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento
que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados por
empresa na licitação.
Os depoimentos obtidos
por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no
Exterior. Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e
bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por
suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma prática de
pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o
Brasil. Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos
promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE) nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No período em que as
propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente com Covas.
Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro,
Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha
eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de
1995 a abril de 1997. Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da
Suíça, eles identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria
sido abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão
depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não
respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que
era conhecido como “o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem
negado a sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.
Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade
está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a
canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante
anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de
transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB
estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a
manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo.
Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma,
modernização e serviço de manutenção de trens, além de concorrências para
aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de
sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também superfaturada.
Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame
previamente acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez
dos negócios que os acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões nos
escritórios das empresas e referendados por correspondência eletrônica. No
início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas
sedes das companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal
executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília. Apenas
em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos.
Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir
à companhia e a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e
condenado. A imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando
um participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com
as investigações. Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode
chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem
sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a
multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de preços
em licitações.
Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas
importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom,
faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de
impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com
um processo de improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”,
diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de
corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo partido
numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos – no caso,
funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a
existência de depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram
em pelo menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração
profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo.
No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera
rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres
públicos.
Montagem sobre foto de: Carol
Guedes/Folhapress (abre); FOTOS: RICARDO STUCKERT; Folhapress; EVELSON DE
FREITAS/AE. Postado
por Marcos Imperial, via IstoÉ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá queridos leitores, bem vindo a pagina do Blog Imperial. Seu comentário é de extrema importância para nosso crescimento.
Marcos Imperial