A farsa do mensalão está fazendo água, apavorando
a mídia com a possibilidade de uma histórica e talvez definitiva derrota
política. Ela perdeu várias batalhas recentes na opinião pública, mas até o
momento tinha orgulho de manter ao menos um grande trunfo: o mensalão é visto
pela maioria dos brasileiros como um sujo escândalo de corrupção, que merece
terminar em duras condenações. (No Tijolaço).
Esse é um tipo de
manipulação relativamente fácil de fazer, desde que se não tenha escrúpulos em
manipular a tendência natural da população de achar que “todo político é
corrupto” e que todos, portanto, são culpados, até prova em contrário.
A mídia explorou também o preconceito de classe
das elites dirigentes e dos estamentos superiores contra o PT. Estamento é um
termo sociológico muito usado por Raymundo Faoro para designar a elite do
serviço público. Aliás, não consigo esquecer o fato de Roberto Gurgel, então
procurador-geral da República, ter iniciado a sua acusação lembrando a justa
denúncia de Faoro contra o histórico patrimonialismo brasileiro. Mas Gurgel
inverteu a teoria de Faoro. Em seu clássico Os Donos do Poder, Faoro explica
como o advento da república e a institucionalização progressiva das atividades
públicas fez emergir uma nova elite: os estamentos, ou seja, a burocracia. Era
o coronelismo político que tentava manter seu prestígio e poder mediante a
ocupação dos cargos públicos. O patrimonialismo mais nocivo, portanto, era
aquele praticado pelos servidores, em especial aqueles não filtrados pelo voto.
Juízes, promotores, auditores, militares, passavam a usar seu poder, que
deveria ser republicano, em prol das elites. Faoro prevê a radicalização desse
tipo de patrimonialismo, e com isso, previu, de certa maneira, o golpe militar
de 64, que nada mais foi que um golpe patrimonial de servidores públicos,
liderados por militares. O engajamento ideológico, quase histérico, de Gurgel –
e antes dele, de Antônio Fernando de Souza – no esforço para condenar, mesmo
sem provas, os réus da Ação Penal 470, inscreve-se, portanto, na tradição
patrimonial brasileira de usar um cargo público em tese não-político, para
defender uma posição ideológica e política que interessa a determinados grupos
de poder.
Por isso a mídia apostou tão alto contra os
embargos infringentes. Ela já intuía que o jogo estava virando. As críticas à
Ação Penal 470 emergem de todo o lado, e não apenas de setores identificados
ideologicamente com o PT.
Semana passada, li uma nota dizendo que Ricardo
Lewandowski, na quarta-feira à noite, após o voto de Celso de Mello, foi
recebido com uma salva de palmas num restaurante em Brasília. Ele mesmo admitiu
que estava estupefato, porque, até então, só apanhava.
A entrevista de Ives Gandra publicada hoje na
Folha (e já comentada aqui), por sua vez, cai como uma bomba atômica no colo da
grande mídia, porque Gandra é um ícone, um semideus, do conservadorismo e do
antipetismo, em matéria penal, constitucional ou jurídica. Gandra é um
clássico.
Vejam o título da entrevista de Gandra à Folha,
publicada hoje com destaque:
ScreenHunter_2587 Sep. 22 10.57
Isso é um escândalo!
Um escândalo ainda maior que o mensalão em si,
porque se o mesmo correspondeu a um grave crime de caixa 2, a Ação Penal 470,
ao condenar, sem provas, uma das maiores lideranças da resistência democrática,
integrou uma tentativa de golpe político. Com apoio, engajado ou pusilânime, de
boa parte dos ministros do STF!
Conforme publicamos aqui, respeitado
constitucionalista e agora membro do Conselho do Ministério Público, o Dr. Luiz
Moreira, vai bem mais longe e acusa duramente a Ação Penal 470 de ser uma “peça
de ficção”.
A sociedade brasileira está começando a reagir,
portanto, com dureza, a mais essa tentativa espúria de setores da elite, aos
quais seria até um elogio chamar de “conservadores”, visto que eles se
mostraram abaixo até do conservadorismo, de atropelar o Estado Democrático de
Direito para derrotar seus adversários políticos.
Alguns jornais, como a Folha, já identificaram
esse movimento de virada e estão tentando se descolar do golpismo exagerado da
Globo.
A Folha de hoje dá várias matérias que podem ser
consideradas “meia-culpas”. Além da entrevista com Ives Gandra, há um artigo de
Fabio Wanderley Reis, no qual o cientista político de 75 anos, doutor por
Harvard, faz uma denúncia gravíssima. Segundo ele, “o velho viés da Justiça
respalda a hipótese de lhe ser mais fácil julgar severamente um partido com o
perfil do PT do que outros”. E arremata: “Se a severidade, que alguns temem ter
sido comprometida pelos embargos infringentes, vier a resultar em que se
transformem em jurisprudência efetiva os padrões rigorosos exibidos até agora,
teremos avançado por linhas tortas”.
Ou seja, com sua linguagem acadêmica, Reis
também denuncia severamente a manipulação da Justiça em detrimento de alguns
partidos.
E não termina aí. A Ombudsman da Folha, Suzana
Singer, tenta descolar o jornal do clima de derrotismo sombrio no qual mergulharam
a maioria dos grandes jornais. Singer apela, contudo, para uma falsa simetria e
termina com um orientalismo de R$ 1,99 ao afirmar que a verdade está “em algum
lugar no meio do caminho”.
Nem sempre, Suzana.
Salomão ensinava que fazer justiça não é cortar
o bebê pela metade. Por: Miguel do Rosário.
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Marcos Imperial