Maior especialista contemporâneo em movimentos sociais nascidos na
internet, o sociólogo espanhol diz que a condução da crise no Brasil mostra que
há esperanças de se reconectar instituições e cidadãos.
Por Daniela Mendes, via http://www.istoe.com.br
PROTESTOS NA AMÉRICA LATINA. “Há
um movimento estudantil forte no Chile, embriões surgindo na Colômbia,
no México e no Uruguai”, diz Castells.
O sociólogo espanhol Manuel Castells, 68 anos,
estava no Brasil participando de uma série de conferências quando os protestos
pela redução das tarifas de ônibus começaram, ainda tímidos, em São Paulo. Um
dos maiores especialistas da atualidade em movimentos sociais na era da
internet, nem ele podia imaginar que o País todo seria tomado por uma onda de
passeatas que se transformaria na mais importante manifestação política da
sociedade brasileira em 20 anos. “Se querem mudanças, não bastam somente as
críticas na internet. É preciso tornar-se visível, desafiar a ordem
estabelecida e forçar um diálogo”, afirma o sociólogo. Castells analisou outros
movimentos semelhantes, como a Primavera Árabe, o Occupy, nos Estados Unidos,
os Indignados, na Espanha, e agora também acompanha a defesa da Praça Taksim,
na Turquia. Com extenso e respeitado trabalho sobre o papel das novas
tecnologias de informação e comunicação, o sociólogo diz que a grande força
desses movimentos é a ausência de líderes e enxerga um esgotamento do modelo
atual de representatividade. Autor de 23 livros, ele lança em breve “Redes de
Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet” (Zahar
Editora). Castells foi professor da Universiade de Berkeley, na Califórnia, por
24 anos. Atualmente, vive em Barcelona, na Espanha, de onde falou à ISTOÉ por
e-mail, e é professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul
da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
“As críticas de José Serra (às iniciativas de Dilma) são típicas da
incompreensão dos políticos sobre o direito das pessoas de decidir”
“A
grande força desses movimentos é que eles são espontâneos, livres, uma
celebração da liberdade. O Occupy deixou novos valores para os
americanos”
Fotos: Marcelo Justo/Folhapress; EPITáCIO PESSOA/AE;
Stan HONDA/afp.
ISTOÉ -
O
sr. estava no Brasil quando ocorreram os primeiros protestos em São Paulo.
Podia imaginar que eles tomariam essa proporção?
MANUEL CASTELLS -
Ninguém
podia. Mas o que eu imaginava, e pesquisei durante vários anos, é que a crise
de legitimidade política e a capacidade de se comunicar através da internet e
de dispositivos móveis levam à possibilidade de que surjam movimentos sociais
espontâneos a qualquer momento e em qualquer lugar. Porque razões para
indignação existem em todos os lugares.
ISTOÉ -
O
Brasil reduziu muito a desigualdade social nos últimos anos e tem pleno
emprego. Como explicar tamanho descontentamento?
MANUEL CASTELLS -
A
juventude em São Paulo foi explícita: “Não é só sobre centavos, é sobre os
nossos direitos.” É um grito de “basta!” contra a corrupção, arrogância, e às
vezes a brutalidade dos políticos e sua polícia.
ISTOÉ -
Faz
sentido continuar nas ruas se os problemas da saúde e da educação não podem ser
resolvidos rapidamente, como o das passagens de ônibus?
MANUEL CASTELLS -
Em
primeiro lugar, o movimento quer transporte gratuito, pois afirma que o direito
à mobilidade é um direito universal. Os problemas de transporte que tornam a
vida nas cidades uma desgraça são consequência da especulação imobiliária, que
constrói o município irracionalmente, e de planejamento local ruim, por causa
da subserviência dos prefeitos e suas equipes aos interesses do mercado
imobiliário, não dos cidadãos. Além disso, por causa da mobilização, a
presidenta Dilma Rousseff também está propondo novos investimentos em saúde e
educação. Como leva muito tempo para obter resultados, é hora de começar
rapidamente.
ISTOÉ -
A
presidenta Dilma agiu corretamente ao falar na tevê à nação, convocar reuniões
com governadores, prefeitos e manifestantes para propor um pacto?
MANUEL CASTELLS -
Com
certeza, ela é a primeira líder mundial que presta atenção, que ouve as
demandas de pessoas nas ruas. Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas
ela está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais. As declarações
de José Serra (o ex-governador tucano criticou as iniciativas anunciadas pela
presidenta) são típicas de falta de prestação de contas dos políticos e da
incompreensão deles sobre o direito das pessoas de decidir. Os cargos políticos
não são de propriedade de políticos. Eles são pagos pelos cidadãos que os
elegem. E os cidadãos vão se lembrar de quem disse o quê nesta crise quando a
eleição chegar.
ISTOÉ -
Como
comparar o movimento brasileiro com os que ocorreram no resto do mundo?
MANUEL CASTELLS -
Houve
milhões de pessoas protestando dessa forma durante semanas e meses em países de
todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de mil cidades foram
ocupadas entre setembro de 2011 e março de 2012. A diferença no Brasil é que
uma presidenta democrática como Dilma Rousseff e um punhado de políticos
verdadeiramente democráticos, como Marina Silva, estão aceitando o direito dos
cidadãos de se expressar fora dos canais burocráticos controlados. Esse é o
verdadeiro significado do movimento brasileiro: ele mostra que ainda há
esperança de se reconectar instituições e cidadãos, se houver boa vontade de
ambos os lados.
ISTOÉ -
O
que é determinante para o sucesso desses movimentos convocados pela internet?
MANUEL CASTELLS -
Que
as demandas ressoem para um grande número de pessoas, que não haja políticos
envolvidos e que não haja líderes manipulando. Pessoas que se sentem fortes
apoiam umas às outras como redes de indivíduos, não como massas que seguem
qualquer bandeira. Cada um é seu próprio movimento. A brutalidade policial
também ajuda a espalhar o movimento através de imagens na internet difundidas
por telefones celulares.
ISTOÉ -
Por
que tantos protestos acabam em saques e depredações? Como evitar que marginais
se aproveitem do movimento?
MANUEL CASTELLS -
Há
violência e vandalismo na sociedade. É impossível preveni-los, embora os
movimentos em toda parte tentem controlá-los porque eles sabem que a violência
é a força mais destrutiva de um movimento social. Às vezes, em alguns países,
provocadores apoiados pela polícia criam a violência para deslegitimar o
movimento.
ISTOÉ -
Como
a polícia deve agir?
MANUEL CASTELLS -
Intervir
de forma seletiva, com cuidado, profissionalmente, apenas contra os
provocadores e os grupos violentos. Nunca, nunca disparar armas letais, e se
conter para não bater indiscriminadamente em manifestantes pacíficos. A polícia
é uma das razões pelas quais as pessoas protestam.
ISTOÉ -
A
ausência de líderes enfraquece o movimento?
MANUEL CASTELLS -
Pelo contrário, este é o vigor do movimento. Todo
mundo é o seu próprio líder.
ISTOÉ -
Mas
isso não inviabiliza a negociação com a elite política?
MANUEL CASTELLS -
Não,
a prova disso é que a presidenta Dilma Rousseff se reuniu com alguns
representantes do movimento.
ISTOÉ -
Qual
é a grande força e a grande fraqueza desses movimentos?
MANUEL CASTELLS -
A
grande força é que eles são espontâneos, livres, festivos, é uma celebração da
liberdade. A fraqueza não é deles, a fraqueza são a estupidez e a arrogância da
classe política que é insensível às demandas autônomas de cidadãos.
ISTOÉ -
No
Brasil, partidos políticos foram banidos das manifestações e há quem enxergue
nisso o perigo de um golpe. Faz sentido essa preocupação?
MANUEL CASTELLS -
Não
há perigo de um golpe de Estado. Os corruptos e antidemocráticos já estão no
poder: eles são a classe política.
ISTOÉ -
Como
resolver a crise de representatividade da classe política?
MANUEL CASTELLS -
Com
reforma política, com uma Assembleia Constituinte e um referendo. A presidenta
Dilma Rousseff está absolutamente certa, mas, nesse sentido, ela será destruída
por sua própria base.
ISTOÉ -
Essas
manifestações articuladas através das redes sociais demandam uma nova forma de
participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado? Qual?
MANUEL CASTELLS -
Sim,
esta é a nova forma de participação política emergente em toda parte. Analisei
este mundo em meu livro mais recente.
ISTOÉ -
O
que há em comum entre os movimentos sociais contemporâneos?
MANUEL CASTELLS -
Redes
na internet, presença no espaço urbano, ausência de liderança, autonomia,
ausência de temor, além de abrangência de toda a sociedade e não apenas um
grupo. Em grande parte os movimentos são liderados pela juventude e estão à
procura de uma nova democracia.
ISTOÉ -
O
movimento Occupy, nos EUA, foi derrotado pela chegada do inverno. Que legado
deixou?
MANUEL CASTELLS -
Deixou
novos valores, uma nova consciência para a maioria dos americanos.
ISTOÉ -
Os
Indignados espanhóis conseguiram alguma vitória?
MANUEL CASTELLS -
Muitas
vitórias, especialmente em matéria de direito de hipoteca e despejos de
habitação e uma nova compreensão completa da democracia na maioria da
população.
ISTOÉ -
Que
paralelos o sr. vê entre o movimento turco e o brasileiro?
MANUEL CASTELLS -
São
muito similares. São igualmente poderosos, mas a Turquia tem um
primeiro-ministro fundamentalista islâmico semifascista e o Brasil, uma
presidenta verdadeiramente democrática. Isso faz toda a diferença.
ISTOÉ -
Acredita
que essa onda de protestos se espalhará para outros países da América Latina?
MANUEL CASTELLS -
Há
um movimento estudantil forte no Chile, e embriões surgindo na Colômbia, no
México e no Uruguai.
ISTOÉ -
Países
que controlam a internet, como a China, estão livres dessas manifestações?
MANUEL CASTELLS -
Não,
isso é um erro da imprensa ocidental. Há muitas manifestações na China, também
organizadas na internet, como a da cidade de Guangzhou (no sul do país), em
janeiro passado, pela liberdade de imprensa (o editorial de um jornal foi
censurado e isso motivou as primeiras manifestações pela liberdade de expressão
na China em décadas. Pelo menos 12 pessoas foram detidas, acusadas de
subversão).
ISTOÉ -
Como
o sr. vê o futuro?
MANUEL CASTELLS -
Eu
não gosto de falar sobre o futuro, mas acredito que ele será mais brilhante
agora porque as sociedades estão despertando através desses movimentos sociais
em rede.
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Marcos Imperial