Keoma (1976) é uma ave rara, única obra-prima
da carreira de um diretor que sempre atuou mais como artesão do que como
artista criativo, Enzo G. Castellari. É paradoxal que lhe tenha cabido realizar
o último grande western italiano, provendo um admirável canto do cisne para o
ciclo (saiba mais sobre este interessantíssimo filão, bastante influenciado
pela efervescência revolucionária dos anos 60, aqui).
Afora esta moeda que caiu em pé, Castellari é
lembrado por um western apenas razoável (Vou, mato e volto, 1967) e pelo
fato de seu O expresso blindado da SS nazista (1978) ter
inspirado remotamente o Bastardos inglórios do Quentin
Tarantino --inclusive, The inglorius bastards havia sido o
título dessa fita italiana no mercado estadunidense.
A história é de um mestiço que luta na Guerra Civil
dos EUA e, ao voltar para casa, encontra a cidade assolada pela peste e subjugada
a veteranos do exército confederado. Os três meios-irmãos, que sempre o
hostilizaram, estão integrados na quadrilha.
Keoma (Franco Nero) cruza com uma mulher grávida
sendo atormentada por suspeita de estar com a peste (Olga Karlatos) e a salva.
O ato gratuito acaba o levando a confrontar todo o bando. Quando ela lhe indaga
o porquê de a estar ajudando, ele só responde que "todos têm o direito de
nascer".
O subtexto é riquíssimo:
·
a briga entre os quatro irmãos remete a Freud e
suas teorias sobre a horda primitiva;
·
o nascimento da criança num estábulo é um paralelo
bíblico, assim como a crucificação do herói;
·
a presença da velha índia nos momentos culminantes
do filme vem da mitologia grega, ela é um tipo de deusa do destino;
·
o herói errante em busca de um desígnio que
justifique sua vida também tem inspiração mitológica;
·
a peste se constituiu num elemento bíblico e
mitológico ao mesmo tempo, além de estabelecer uma ponte com o escritor Albert
Camus (A Peste, O Estrangeiro), cujas obras são uma óbvia
referência no delineamento do personagem principal;
·
finalmente, Castellari reverencia seus mitos
cinematográficos -- Keoma é filho de Shane, o herói protagonizado
por Alan Ladd em Os Brutos Também Amam, enquanto a presença de
Woody Strode no elenco constitui uma homenagem a John Ford, de quem era um dos
atores prediletos.
E não foi só Castellari quem se superou, atingindo
uma qualidade de que ninguém o suporia capaz. A dupla de compositores Guido e
Maurizio de Angelis fez uma trilha musical extraordinária, capaz de rivalizar
com as melhores de Ennio Morricone. O contraste do baixo com a soprano chega a
nos arrepiar, as letras se casam maravilhosamente com o filme.
Em suma: trata-se de um clássico ainda não reconhecido (embora muitos já o tenham como cult). Só lamento não o poder postar aqui legendado; a dublagem é um substituto dos mais insatisfatórios.
Em suma: trata-se de um clássico ainda não reconhecido (embora muitos já o tenham como cult). Só lamento não o poder postar aqui legendado; a dublagem é um substituto dos mais insatisfatórios.
Veja Keoma, na íntegra e dublado em português. Via http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/
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Marcos Imperial