Porto Alegre – Com a temperatura
acima de 35 graus, beirando os 40, uma inundação em dois estados, conflito
racista em Humaitá (AM), onde os madeireiros incentivaram a destruição do
patrimônio público, após a morte de um cacique e três moradores da cidade; a
construção de várias estações de transbordos no distrito de Miritituba(PA),
onde o agronegócio vai escoar cerca de 20 milhões de toneladas de soja; mais a
liberação da exploração de ouro na Volta Grande do Xingu, a l7 quilômetros onde
está sendo erguida a Usina Hidrelétrica do mesmo nome; além da proposta
indecente das empresas de agrotóxicos junto com a Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), para criar a Comissão Técnica de Agrotóxicos (CNTagro), espécie
de irmã siamesa da CNTbio, àquela que só aprova a liberação dos transgênicos,
assim terminamos 2013, e entramos no próximo ano encarando a temporada
ultraconservadora rural, social e ambiental.
Ficou grande, mas é para argumentar bem. A capital
gaúcha, local onde sempre passam as frentes frias vindas da Península Antártica
está imersa no forno, transformando a bela Porto dos Casais dos açorianos, em
autêntico inferno tropical. O conflito de Humaitá que a Rede Globo, por
intermédio dos repórteres da afiliada no Amazonas identificou como uma revolta
da população pelo sumiço de três moradores, e tendo como fato anterior, a morte
do cacique Ivan Tenharim, “encontrado morto na Transamazônica, vítima de
atropelamento por estar bêbado”. Posteriormente, a nota do Conselho Missionário
Indigenista registra o seguinte:
“- O cacique Ivan Tenharim era um incansável
opositor contra a pilhagem praticada por madeireiros na terra indígena, junto
com os órgãos públicos, e contribuiu para o fechamento de serrarias ilegais na
região”.
A BR-230, conhecida como Transamazônica, que corta
o norte do país desde Imperatriz, no Maranhão até o Acre, foi uma obra da
ditadura militar, juntamente com a Perimetral Norte, que cortaria o Amapá, até
a fronteira com a Guiana, e acaba na terra indígena dos Oiampi, povo que
conheci em 1979. Tinha uma guarita vigiada pelos índios no final da estrada,
que foi abandonada, porque ligava o fim do mundo ao paraíso, ou seja, o nada a
lugar algum. Os tenharins moram na terra onde sempre viveram, junto com seus
vizinhos parintintins e muras, na Terra Indígena Tenharim Marmelos. A estrada
construída, a custa da destruição de várias aldeias, como no caso dos Araras,
na região de Altamira, simplesmente corta o território ao meio. Idêntico caso
dos Waimiri-atroari na Roraima, com a BR-374.
Revolta racista
O cacique morto foi encontrado com hematomas no
corpo e ferimentos na cabeça. Não houve investigação policial. Lógico que a
revolta da população de Humaitá, incrementada pelos madeireiros, com tons
racistas, de expulsão total dos índios da região – certamente para ficar com
suas terras – serviu de mote para uma nota da Confederação da Agricultura, onde
a senadora Kátia Abreu, dispara a artilharia do ultraconservadorismo rural
brasileiro.
“- A revolta que motivou duas mil pessoas a atearem
fogo na sede da FUNAI é mais uma prova irrefutável da necessidade de mudanças
imediatas na condução da política indigenista”, diz a nota da CNA.
Os moradores encapuçados de Humaitá queimaram a
Casa de Saúde do Índio, vários carros e motos, além de um barco, que abastecia
as aldeias do interior. Ou seja, acabaram com a infraestrutura da FUNAI e
deixaram cerca de 180 tenharins que estavam na cidade encurralados, tanto que
foram levados para o 54º Batalhão de Infantaria de Selva. No dia 29 a
juíza federal de plantão, Marília Gurgel determinou as autoridades de segurança
a proteção à terra indígena que foi invadida várias vezes, e determinou a volta
dos índios às comunidades. Além disso, enviou cópia do processo para a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos.
Não queriam discutir os impactos
Voltando um pouco na mesma estrada, agora no
entroncamento da BR-163 – Cuiabá-Santarém, no distritito de Miritituba,
município de Itaituba (PA), um grupo de multinacionais, entre elas, Cargill e
Bunge, começou a construção de várias estações de transbordo fluvial. A soja,
ao invés de rodar 2,3 mil quilômetros até Santos ou Paranaguá, para engordar as
vacas europeias ou porcos e galinhas chinesas, percorrerá um trecho da BR-163,
recém-licitada para a Odebrecht, até o referido distrito, cerca de 900
quilômetros – contando de Nova Mutum, passando por Lucas do Rio Verde, Sorriso,
Sinop, e atravessando o nortão do MT até o Pará.
Negócio lógico. Uma barcaça de soja equivale a 800
caminhões lotados. Mas as empresas chegam num distrito com menos de quatro mil
habitantes, a mais adiantada é a Bunge, que pretende exportar até cinco milhões
de toneladas de soja- via rio Tapajós até vila do Conde, em Barcarena, região
metropolitana de Belém. Vão construindo sem ainda ter as licenças necessárias.
Não queriam nem discutir os impactos. A região não tem água encanada, coleta de
lixo, rede de esgoto. Itaituba com 98 mil habitantes tem um lixão recebe 950
toneladas por mês. Depois de muita discussão com os representantes da
prefeitura local, chegaram a um acordo e pagar R$12 milhões em 15 prestações,
para ter a licença municipal de instalação.
600 mil viagens por ano
No acordo consta a construção da infraestrutura de
água, esgoto e lixo, a compra de 10 transformadores para as escolas, uma sede
para o corpo de bombeiros, uma ambulância. A previsão da agência Reuters, que
esteve na região, é para um movimento de 300 mil caminhões por ano, somente na
ida, ou seja, 600 mil viagens. Levando soja na estrada que ainda não está
asfaltada, mas são somente 150 km, no clima amazônico, com temporada de chuva e
seca definida. Minha conclusão: vão misturar ferro no asfalto para não desmanchar.
A previsão das empresas, e são 15 que se instalarão
na região, é de movimentar seis milhões de toneladas em 2015, mas a expectativa
é para escoar por esta rota até 20 milhões de toneladas. A expansão da soja na
Amazônia tem uma grande responsável: a Cargill, multinacional americana, que
ainda é controlada pela família, desde a sua fundação, e que instalou um porto
graneleiro em Santarém há 10 anos, com capacidade para movimentar 1,3 milhão de
toneladas. Na época, a produção de soja na região estava iniciando. Hoje,
contanto os municípios vizinhos soma 55 mil hectares. Segundo a Associação da
Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), dos quase 25 milhões de hectares de soja
plantados no Brasil, 2,1 milhões estão no bioma Amazônia. O Pará tem 337 propriedades
que plantam soja em 16 municípios, além de contar com 107 mil fazendas e 19
milhões de cabeças de bovinos.
Na trilha do ouro
Então a primeira rota de escoamento começou via
Porto Velho, usada pelo Grupo Amaggi, que leva de barcaça até Itacoatiara no
Amazonas. Dali, de navio para o Atlântico. O pobre distrito de Miritituba é um
atalho. Também porque via rio Amazonas – se encontra com o Tapajós em Santarém
–existe um empecilho na foz do Amazonas – só passam navios com no máximo 47 mil
toneladas de capacidade. Por Barcarena, onde a Bunge, que está investindo R$500
milhões no projeto, podem passar navios de 70 mil toneladas. Eles já
projetaram, como novas dragagens, navios com capacidade para 120 mil toneladas.
A Bunge e o grupo Amaggi, do senador Blairo Maggi criaram a empresa Navegações
Unidas Tapajós Ltda., com investimentos previstos de R$300 milhões, com a
compra de 90 barcaças e cinco empurradores.
Seguindo ainda pela Transamazônica até a região de
Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica na Volta Grande do Xingu. O
Grupo Forbes & Manhattan, um banco de capital fechado, que capta dinheiro
nas bolsas do Canadá e em outras partes do mundo, conseguiu licença ambiental
do governo do Pará, via SEMA, para investir US$1,1 bilhão na mesma região e
recolher 4.684 quilos de ouro por ano, em 11 anos pretendem remexer 37,8
milhões de toneladas de terras, com o consequente tratamento com cianureto,
para identificar as migalhas do metal. Cerca de dois mil garimpeiros trabalham
na região, todos ilegalmente.
Existem comunidades com 40 anos. Já estão sendo
expulsos. O grupo canadense pretende usar dinamite, a 17 km da usina, mas isso
é um detalhe, não há o menor risco. O pior mesmo é o veneno que vai ficar na
região.
Bilhões para alguns e miséria para outros
Para terminar esse sumário quase trágico, do ponto
de vista social e ambiental, uma notícia animadora na terra da senadora Kátia
Abreu, o estado do Tocantins, que ela pretende governar, depois de 2014. Osmar
Zogbi é um daqueles ricos brasileiros, que vendeu seus negócios e está à
procura de uma nova atividade.
Vendeu o banco Zogbi para o Bradesco e a sua parte
na Ripasa, uma empresa de celulose e papel, para o grupo Votorantim. Criou a
Eco Florestas- gosto de ver é o marketing ambiental deles –considerado o maior
projeto florestal independente.
Comprou 120 mil hectares de terra, 42 mil já
ocupados com eucalipto, mas o plano é atingir 180 mil hectares e 100 mil com o
monocultivo. O objetivo maior é uma indústria de celulose com capacidade para
1,5 milhão de toneladas por ano – necessita de 150 mil hectares de eucalipto.
Zogbi investiu R$500 milhões, junto com seus sócios, ex-acionistas da Ripasa,
além do grupo Safra e a BR Partners, entre outros.
Por isso, dá para entender a fúria da CNA contra os
índios que estão atrapalhando os bilhões que serão investidos no campo, onde de
um jeito ou outro, sobra umas migalhas para eles. Quanto ao povo brasileiro,
que vive nas regiões afetadas, certamente serão deslocados para as capitais e
suas regiões metropolitanas.
Vamos ver dois exemplos: o Pará tem uma população
de 7,5 milhões de habitantes, sendo 1,4 milhão considerados economicamente como
vivendo abaixo da linha da pobreza, assim como outros 16 milhões de
brasileiros. Mas a média nacional é de 8,42%, de pobres nesta situação,
comparados com uma população de 190 milhões de habitantes – dados de 2010. A
média do Pará é de 18,65 % da população em condições de extrema pobreza.
O Mato Grosso, maior produtor de soja, milho e
algodão do país, com uma população de pouco mais de dois milhões de habitantes,
têm 394.821 famílias no Cadastro Único do governo federal, quer dizer, recebem
assistência de algum programa. Onde vai parar os mais de US$30 bilhões da
exportação de soja, ou os mais de US$6 bilhões da exportação de carne de boi.
Outra questão, para discutir em 2014: qual o limite da expansão da pecuária e
da soja na Amazônia? Ou não tem limite? Ou transformaremos a Amazônia numa
imensa fazenda de boi e soja, para o deleite da elite rural ultraconservadora
desse país? Créditos da foto: Arquivo.
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Marcos Imperial