
Após uma década, Lula explica o porquê do silêncio
sobre o “mensalão” Via Correio do Brasil Trechos de uma longa entrevista do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao sociólogo Emir Sader, transformada em livro a ser lançado
ainda este mês, vazaram no sábado, dia 4, para a mídia alternativa e revelam o
porquê de o líder mais influente do Partido dos Trabalhadores manter silêncio
sobre o escândalo do “mensalão”, quebrado apenas no diálogo com o intelectual
carioca. Tratou-se de uma estratégia para seguir adiante, apesar do pesado
ataque da mídia conservadora, ao longo da última década. “Tentaram usar o
episódio do ‘mensalão’ para acabar com o PT e, obviamente, acabar com meu
governo. Na época, tinha gente que dizia: “O PT morreu, o PT acabou”.
Passaram-se seis anos e quem acabou foram eles.
O DEM nem sei se existe mais. O
PSDB está tentando ressuscitar o jovem Fernando Henrique Cardoso porque não
criou lideranças, não promoveu lideranças. Isso deve aumentar a bronca que eles
têm da gente – que, aliás, não é recíproca”, ressalta. Na entrevista,
reproduzida no livro Governos pós-liberais no Brasil: Lula e Dilma, a ser
lançado no próximo dia 18, o ex-presidente também reafirma a necessidade de uma
constituinte, para levar a cabo a reforma política essencial para a
consolidação da democracia no país.
Segundo afirmou a Emir Sader, “a eleição
está ficando uma coisa muito complicada pro Brasil”. “Eu tentei, quando presidente,
falar de uma Constituinte exclusiva, que é o caminho: eleger pessoas que só vão
fazer a reforma política, que vão lá [para o Congresso], mudam o jogo e depois
vão embora. E daí se convocam eleições para o Congresso. O que não dá é pra
continuar assim.
Às vezes tenho a impressão que partido político é um negócio,
quando, na verdade, deveria ser um item extremamente importante para a
sociedade”, afirmou. Leia a seguir alguns trechos da entrevista. Qual o balanço
que o senhor faz dos anos de governo do PT e aliados? Lula – Esses anos, se não
foram os melhores, fazem parte do melhor período que este país viveu em muitos
e muitos anos.
Se formos analisar as carências que ainda existem, as
necessidades vitais de um povo na maioria das vezes esquecido pelos
governantes, vamos perceber que ainda falta muito a fazer para garantir a esse
povo a total conquista da cidadania. Mas, se analisarmos o que foi feito, vamos
perceber que outros países não conseguiram, em trinta anos, fazer o que nos
conseguimos fazer em dez anos. Quebramos tabus e conceitos preestabelecidos por
alguns economistas, por alguns sociólogos, por alguns historiadores.
Algumas
verdades foram por água abaixo. Primeiro, provamos que era plenamente possível
crescer distribuindo renda, que não era preciso esperar crescer para
distribuir. Segundo, provamos que era possível aumentar salário sem inflação.
Nos últimos 10 anos, os trabalhadores organizados tiveram aumento real: o
salário mínimo aumentou quase 74% e a inflação esteve controlada. Terceiro,
durante essa década aumentamos o nosso comércio exterior e o nosso mercado
interno sem que isso resultasse em conflito.
Diziam antes que não era possível
crescer concomitantemente mercado externo e mercado interno. Esses foram alguns
tabus que nós quebramos. E, ao mesmo tempo, fizemos uma coisa que eu considero
extremamente importante: provamos que pouco dinheiro na mão de muitos é
distribuição de renda e que muito dinheiro na mão de poucos é concentração de
renda. Quando começou o governo, o senhor devia ter uma ideia do que ele seria.
O que mudou daquela ideia inicial, o que se realizou e o que não se realizou, e
por quê? Lula – Tínhamos um programa e parecia que ele não estava andando.
Eu
lembro que o ministro Luiz Furlan, cada vez que tinha audiência, dizia: “Já
estamos no governo há tantos dias, faltam só tantos dias para acabar e nós
precisamos definir o que nós queremos que tenha acontecido no final do mandato.
Qual é a fotografia que nós queremos”. E eu falava: “Furlan, a fotografia está
sendo tirada”.
Não é possível ficar com pressa de obter resultados. Nós temos
que provar, no final de um mandato, se nós fomos capazes de fazer aquilo que
nos propusemos a fazer. Se a gente for trabalhar em função das manchetes dos
jornais, a gente parece que faz tudo e termina não fazendo nada. Então é o
seguinte: eu plantei um pé de jabuticaba. Se esse pé nascer saudável, vai ter
sempre alguém dizendo: “Mas, Lula, não está dando jabuticaba, está demorando”.
Se for cortar o pé e plantar outra coisa, eu nunca vou ter jabuticaba. Então,
eu tenho que acreditar que, se eu adubar corretamente, aquele pé vai dar
jabuticaba de qualidade. E eu citava esses exemplos no governo… Soja tem que
esperar 120 dias, o feijão tem que esperar 90 dias. Não adianta ficar
repisando, “faz uma semana que eu plantei e não nasceu”. Tem que ter paciência.
Eu acho que eu fui o presidente que mais pronunciei a palavra “paciência”,
“paciência”… Senão você fica louco.
Tem gente na política que levanta de manhã,
lê o jornal e quer dar resposta ao jornal. E daí não faz outra coisa. Eu não
fui eleito para ficar o tempo todo dando resposta a jornal. Eu fui eleito para
governar um país. E isso me deu tranquilidade suficiente para ver que o
programa de governo ia ser cumprido. Quando o senhor perdeu a paciência? Lula –
Obviamente que nós tivemos problemas no começo. Você acha que é simples um
metalúrgico sentar naquela cadeira na qual sentaram tantas outras
personalidades, que via pela televisão, que achava que era mais importante do
que eu… E o mesmo em relação a dormir no quarto em que dormiu tanta gente
importante ou que, pelo menos a voz da opinião publica, são importantes. E eu
ficava pensando: “Será que é verdade que eu estou aqui?”. No começo tinha muita
ansiedade. “Será que nós vamos dar conta de fazer isso? Será que vai ser
possível?”, eu me perguntava. Eu acho que nós fizemos. Com erro e com muita
tensão, mas fizemos. Tivemos tropeços, é lógico. Muitos tropeços. O ano de 2005
foi muito complicado. Quando saiu a denúncia [do “mensalão”], foi uma situação
muito delicada. Se não tivéssemos cuidado, não iríamos discutir mais nada do
futuro, só aquilo que a imprensa queria que a gente discutisse.
Um dia, eu
cheguei em casa e disse: “Marisa, a partir de hoje, se a gente quiser governar
este país, a gente não vai ver televisão, a gente não vai ver revista, a gente
não vai ler jornal”. Eu passei a ter meia hora de conversa por dia com a
assessoria de imprensa, para ver qual era o noticiário, mas eu não aceitava
levantar de manhã, ligar a televisão e já ficar contaminado. Então eu acho que
isso foi um dado muito importante. Eu tinha uma equipe e criamos uma sala de
situação, da qual participavam Dilma, Ciro [Gomes], Gilberto [Carvalho] e
Márcio [Thomaz Bastos]. E era muito engraçado: eu chegava ao Palácio e eles
estavam todos nervosos. E eu estava tranquilo e falava: “Vocês estão vendo?
Vocês leem jornal… Vocês estão nervosos por quê?”.
Vocês nasceram radicais…
Lula – O PT era muito rígido, e foi essa rigidez que lhe permitiu chegar aonde
chegou. Só que, quando um partido cresce muito, entra gente de todas as
espécies. Ou seja, quando você define que vai criar um partido democrático e de
massa, pode entrar no partido um cordeiro e pode entrar uma onça, mas o partido
chega ao poder. Então, a nossa chegada ao poder foi vista por eles não como uma
alternância de poder benéfica à democracia, não como uma coisa normal: houve
uma disputa, ganhou quem ganhou, leva quem ganhou, governa quem ganhou e fim de
papo. Não é isso? Eles não viram assim. Quer dizer, eu era um indesejado que
cheguei lá. Sabe aquele cara que é convidado para uma festa, e o anfitrião nem
tinha convidado direito. Fala assim: “Se você quiser, passa lá”.
E você passa e
o cara fala: “Esse cara acreditou?”. Então, nós passamos na festa, e o que é
mais grave, acertamos. E depois, tentaram usar o episódio do “mensalão” para
acabar com o PT e, obviamente, acabar com o meu governo. Na época, tinha gente
que dizia: “O PT morreu, o PT acabou”. Passaram-se seis anos e quem acabou
foram eles. O DEM nem sei se existe mais. O PSDB está tentando ressuscitar o
jovem Fernando Henrique Cardoso porque não criou lideranças, não promoveu
lideranças. Isso deve aumentar a bronca que eles têm da gente – que, aliás, não
é recíproca.
O senhor não tem raiva da oposição? Lula – Eu não tenho raiva
deles e não guardo mágoas. O que eu guardo é o seguinte: eles nunca ganharam
tanto dinheiro na vida como ganharam no meu governo. Nem as emissoras de
televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais, quase todos quebrados
quando assumi o governo. As empresas e os bancos também nunca ganharam tanto,
mas os trabalhadores também ganharam. Agora, obviamente que eu tenho clareza
que o trabalhador só pode ganhar se a empresa for bem. Eu não conheço, na
história da humanidade, um momento em que a empresa vai mal e que os
trabalhadores conseguem conquistar alguma coisa a não ser o desemprego. O
Brasil mudou nesses dez anos.
E o senhor, também mudou? Lula – Uma das coisas
boas da velhice é você tirar proveito do que a vida te ensina, em vez de ficar
lamentando que está velho. A vida me ensinou muito. Criar um partido nas
condições que nos criamos foi muito difícil. Agora que o partido é grande, tudo
fica fácil, mas eu viajava esse país para fazer assembleia com três pessoas,
com quatro pessoas, com cinco pessoas. Saia daqui de São Paulo para o Acre pra
fazer reunião com dez pessoas, para convencer o Chico Mendes a entrar no PT,
para convencer o João Maia – aquele que recebeu dinheiro para votar na eleição
do Fernando Henrique Cardoso e era advogado da Contag – para entrar no PT.
Era
muito difícil fazer caravana, viajar ao Nordeste, pegar ônibus, ficar uma
semana andando, fazendo comício ao meio-dia, com um sol desgraçado, explicando
o que era o PT para que as pessoas quisessem se filiar. Por quê? Lula – A
eleição está ficando uma coisa muito complicada pro Brasil. No mundo inteiro.
No Brasil, se o PT não reagir a isso, poucos partidos estarão dispostos a
reagir. Então o PT precisa reagir e tentar colocar em discussão a reforma
política. Eu tentei, quando presidente, falar de uma Constituinte exclusiva,
que é o caminho: eleger pessoas que só vão fazer a reforma política, que vão lá
[para o Congresso], mudam o jogo e depois vão embora. E daí se convocam
eleições para o Congresso.
O que não dá é pra continuar assim. Às vezes tenho a
impressão que partido político é um negócio, quando, na verdade, deveria ser um
item extremamente importante para a sociedade. A sociedade tem que acreditar no
partido, tem que participar dos partidos. O PT não mudou necessariamente para
melhor? Lula – O PT mudou porque aprendeu a convivência democrática da
diversidade; mas, em muitos momentos, o PT cometeu os mesmos desvios que
criticava como coisas totalmente equivocadas nos outros partidos políticos. E
esse é o jogo eleitoral que está colocado: se o político não tiver dinheiro,
não pode ser candidato, não tem como se eleger. Se não tiver dinheiro para
pagar a televisão, ele não faz uma campanha. Enquanto você é pequeno, ninguém
questiona isso. Você começa a ser questionado quando vira alternativa de poder.
Então, o PT precisa saber disso. O PT, quanto mais forte ele for, mais sério
ele tem que ser.
Eu não quero ter nenhum preconceito contra ninguém, mas eu
acho que o PT precisa voltar a acreditar em valores que a gente acreditava e
que foram banalizados por conta da disputa eleitoral. É o tipo de legado que a
gente tem que deixar para nossos filhos, nossos netos. E provar que é possível
fazer política com seriedade. Você pode fazer o jogo político, pode fazer
aliança política, pode fazer coalizão política, mas não precisa estabelecer uma
relação promíscua para fazer política. O PT precisa voltar urgentemente a ter
isso como uma tarefa dele e como exercício prático da democracia. Não tem de
voltar a ser sectário como era no começo. Eu lembro que companheiros meus
perderam seu emprego numa metalúrgica, montaram um bar, mas quiseram entrar no
sindicato e não puderam. “Você não pode entrar porque é patrão”, diziam. O
coitado do cara tinha só um bar! A coitada da minha sogra, a mãe do marido da
Marisa, a mãe do primeiro marido da Marisa [eu sou o único cara que tive três
sogras na vida e uma que não era minha sogra; era sogra da minha mulher, por
conta do ex-marido dela, que eu adotei como sogra], a coitada tinha um
fusquinha 1966 que era herança do marido.
E ela ganhava acho que R$600,00 –
naquele tempo era como se fosse um salário mínimo de hoje – de aposentadoria,
mas gostava de andar bem-vestida. Ela chegava a reunião do PT e o pessoal
falava: “Já veio a burguesa do Lula”. Tinha um candidato a vereador que queria
dinheiro para a campanha e eu falei: “Olha, eu não vou pedir dinheiro para a
campanha. Se você quiser, eu te apresento algumas pessoas”. Daí ele disse:
“Não, mas eu não quero conversar com empresário”. Falei: “Então você quer que
um favelado dê dinheiro para a tua campanha?”.
Eu já fiz campanha de cofrinho.
Eu já fiz campanha de macacão em palanque. Na campanha de 1982, a gente ia ao
palanque, antes que eu falasse, fazia propaganda das camisas, dos botons, de
tudo que a gente vendia. E a gente vendia na hora e arrecadava o dinheiro para
pagar as despesas daquele comício”.http://limpinhoecheiroso.com/2013/05/05/apos-uma-decada-lula-explica-o-porque-do-silencio-sobre-o-mensalao/
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Marcos Imperial