Trabalho de militares brasileiros no Haiti é excepcional e admirável,
diz Edmont Mulet.
As Nações Unidas precisam do Brasil em mais
missões internacionais de paz e outros países. A afirmação é do
secretário-geral assistente de Operações de Paz da ONU, Edmond Mulet, em
entrevista exclusiva à BBC Brasil no Rio de Janeiro durante as comemorações dos
dez anos da Minustah, missão de paz no Haiti liderada pelas forças brasileiras.
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Nascido na Guatemala, o diplomata participou do
seminário "Minustah e o Brasil: Dez anos pela paz no Haiti", na
Escola de Guerra Naval da Marinha, na Urca. Para ele, que já atuou duas vezes
como chefe da Minustah, o trabalho dos militares brasileiros é
"excepcional e admirável".
Para Mulet, é imprescindível que esta
participação continue e se expanda. Prova desta confiança foi a indicação do
general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, que esteve à frente das
tropas no Haiti, para chefiar a Monusco, missão da ONU na República Democrática
do Congo.O Brasil já participou de várias missões de paz ao longo dos anos,
seja com observadores militares ou de outras maneiras, mas enviou tropas a
apenas quatro: a missão de Suez, em 1956, do Timor Leste, em 1999, e atualmente
a Unifil, no Líbano, e a Minustah, no Haiti.
Na entrevista, o diplomata, baseado em Nova York,
que supervisiona 16 missões de paz da ONU ao redor do mundo falou sobre o
trabalho de Santos Cruz, que completa um ano na África, e comentou ainda uma
potencial expansão da atuação brasileira no Líbano e a inédita permissão do uso
da força aos "capacetes azuis" atuando no Congo.
Confira os principais trechos:
BBC Brasil – O Brasil já participou de várias
missões internacionais de paz nas últimas décadas e enviou tropas em quatro
ocasiões. Agora que a Minustah completa dez anos, como o senhor avalia esta
participação?
Edmond Mulet – Eu posso dizer, com toda certeza,
que as tropas brasileiras atuam com profissionalismo, qualidade, e com um nível
de comprometimento excepcional e admirável. Tendo servido duas vezes como chefe
da missão no Haiti, fui testemunha deste trabalho, e posso dizer que a atuação
deles faz uma grande diferença.
E sabendo que eventualmente a Minustah vai
começar a ser reduzida e um dia será encerrada, a ONU está tentando motivar o
Brasil a olhar além do Haiti, e analisar outras possibilidades em outras partes
do mundo.
Em nome do Departamento de Operações de Missões
de Paz, posso dizer que as Nações Unidas precisam do Brasil. Eu espero que os
líderes políticos e militares do Brasil levem em consideração esta atuação além
do Haiti, para que contribuam levando a paz e a estabilidade a outros lugares.
BBC Brasil – O que ainda é necessário fazer no
Haiti antes que a Minustah possa ser encerrada e a ONU deixe o país?
Mulet – A ONU sempre terá uma presença no Haiti.
Não necessariamente com uma missão de paz, com componentes militares e
policiais, mas os programas de desenvolvimento e ajuda internacional
continuarão lá, com certeza.
É preciso lembrar que uma missão de paz deveria
ter curta duração e que os objetivos são atuar em situações de instabilidade e
insegurança. E podemos dizer que no Haiti estas metas foram alcançadas. A
capacidade da polícia nacional haitiana é excelente e dentro de dois anos eles
devem atingir o número de 15 mil homens.
Sobre o que está pendente, acho que os haitianos
precisam começar, sozinhos, a lidar com assuntos como o cumprimento da lei, do
Estado de Direito, e o combate à impunidade. É necessário investir em
infraestrutura, em desenvolvimento.
O Estado precisa ser reestruturado, as
instituições ainda são muito frágeis. É necessário instaurar sistemas de
registro civil, registro de propriedades de terra. É preciso convidar
investidores internacionais a analisarem oportunidades para gerar renda e
empregos.
O seminário "Minustah e o Brasil: Dez anos pela paz no Haiti"
aconteceu no Rio de Janeiro.
O país tem um potencial de turismo enorme, com
praias lindas e 1.700 quilômetros de costa, a uma hora apenas de distância dos
Estados Unidos.
BBC Brasil – Em termos de moradia e segurança,
dois assuntos cruciais, já que o terremoto deixou muitos sem casa e vitimou
grande parte das forças policiais, o senhor acha que o país realmente já está
em condições de caminhar sem a ajuda da ONU?
Mulet – Se você comparar os níveis de violência,
em termos de sequestros, homicídios e outros crimes, com outros países do
Caribe e América Central, o Haiti é provavelmente neste momento uma das nações
mais seguras da região. Acho que os níveis de segurança e estabilidade no Haiti
são aceitáveis agora.
BBC Brasil – O Brasil avalia enviar tropas
terrestres à Unifil, missão de paz que monitora a costa do Líbano desde 1978, e
onde o país mantém uma fragata com mais de 200 marinheiros e fuzileiros navais
desde 2011. Houve algum avanço nas negociações?
Mulet – O Brasil tem contribuído com sua
embarcação e um almirante brasileiro é o chefe do componente marítimo da
Unifil. Eles têm feito um ótimo trabalho e espero que continuem. Quanto às
tropas terrestres, há países como a Espanha, que estão reconfigurando seus
contingentes na missão.
Eles buscam reduzir o número de homens presentes
no Líbano, mas convidando países latino-americanos a enviarem tropas para
atuarem dentro de seus batalhões. Ainda não há confirmação oficial de que o
Brasil vá enviar tropas terrestres nem de que tenha aceito qualquer convite da
Espanha para ter soldados "embedados" nos batalhões espanhóis.
BBC Brasil – Os países emergentes tendem a ter um
papel cada vez mais forte em missões de paz da ONU?
Mulet – Sem dúvida. Países como Camboja, Mongólia
e Vietnã, que nunca haviam participado de missões de paz, enviaram recentemente
seus primeiros observadores militares. Muitas nações da Ásia Central e da
Europa Oriental também começam a participar.
Mas também é preciso dizer que os países da Otan,
que estiveram no Oriente Médio nos últimos anos, começam a fazer a transição de
poder no Afeganistão e com isso poderão voltar a contribuir com as missões de
paz da ONU, não só necessariamente com tropas, mas com expertise e
equipamentos.
A Holanda, por exemplo, contribuiu com quatro
helicópteros de ataque, uma unidade de inteligência e forças especiais para nossa
missão no Mali. A Alemanha e os países nórdicos, como Islândia, Dinamarca e
Suécia estão contribuindo com aeronaves, e nossa mais nova missão, que será
estabelecida no dia 15 de setembro, na República Centro-Africana, também
contará com contribuições de muitos países europeus, alguns com tropas.
BBC Brasil – O trabalho dos "capacetes
azuis", como são conhecidos os soldados das missões de paz da ONU, sempre
foi marcado pela contenção, mas no Congo, pela primeira vez, uma missão da ONU
conta com uma brigada de intervenção, com autorização para o combate direto.
Como isto pode afetar a visão do mundo sobre as missões de paz?
Mulet – Esta foi uma decisão tomada pelo Conselho
de Segurança das Nações Unidas, e temos que enxergá-la como parte de um esforço
político maior na região. Eu não creio que este seja um modelo a ser replicado
em outros países, em outros contextos.
Os 11 países que assinaram o acordo para a
atuação da missão de paz na região dos Grandes Lagos aceitaram esta proposta,
que na verdade foi sugerida por eles. Esta possibilidade do uso da força é uma
ferramenta, um instrumento, para se atingirem os objetivos políticos mais
abrangentes da região.
Cada missão de paz é completamente diferente e
temos que nos adaptar com flexibilidade aos desafios e riscos de cada lugar
onde atuamos.
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Marcos Imperial