“Xingá-la significa ofender a instituição; quando
o xingamento é transmitido em rede mundial, adquire uma pungência hedionda; no
limite, o que a torcida fez na tarde desta quinta-feira foi informar ao planeta
que o Brasil está deixando de ter uma noção qualquer de civilidade”, disse o
colunista Josias de Souza.
247 – O colunista Josias de Souza censurou o comportamento da
torcida brasileira na abertura da Copa do Mundo ao xingar a presidente Dilma
Rousseff. Segundo ele, foi uma prova em âmbito mundial de que o Brasil está
deixando de ter uma noção qualquer de civilidade. Leia:
Quando Ronaldo
disse estar “envergonhado” com os desacertos da organização da Copa, Dilma
Rousseff reagiu à moda de Nelson Rodrigues: “Tenho certeza que nosso país fará
a Copa das Copas. Tenho certeza da nossa capacidade, tenho certeza do que fizemos.
Tenho orgulho das nossas realizações. Não temos por que nos envergonhar. Não
temos complexo de vira-latas.”
Nesta
quinta-feira, Dilma submeteu seu orgulho a teste na tribuna de honra do
Itaquerão. Dali, assistiu à partida inaugural da Copa do Mundo. Dessa vez,
tentou blindar-se no silêncio. Absteve-se de discursar. Não funcionou. Como
queria a presidente, a torcida exorcizou o vira-latismo. Mas, desamarrando suas
inibições, incorporou um pitbull.
Ao entoar o
hino nacional, ao ovacionar os jogadores, a arquibancada tomou-se de um
patriotismo inatural. Contudo, rosnou com agressividade inaudita ao dirigir-se
a Dilma. Fez isso uma, duas, três, quatro vezes. Diferentemente do envelope de
uma carta ou do e-mail, a vaia não tem nome e endereço. Pode soar inespecífica.
Como no instante em que o serviço de som anunciou os nomes de Dilma e de Joseph
Blatter.
Até aí,
poder-se-ia alegar que o destinatário da hostilidade era o cacique da Fifa, não
Dilma. A coreografia estimulava a versão. Blatter levantou-se. Dilma manteve-se
sentada. O diabo é que o torcedor, salivando de raiva, tratou de dar nome aos
bois. Foi assim no coro entoado nas pegadas da cerimônia de abertura da Copa.
“Ei, Dilma,
vai tomar no c…'', rosnava um pedaço da multidão. “Ei, Fifa, vai tomar no c…”,
gania outra ala. Quando Dilma foi exibida no telão do estádio vibrando com o
segundo gol do Brasil, arrostou, solitariamente, uma segunda onda de
xingamentos.
Após a
comemoração do terceiro gol, ela ouviu um derradeiro urro: ‘Ei, Dilma, etc…”
O que fizeram
com Dilma Rousseff no Itaquerão foi indesculpável. Vamos e venhamos: ela não
era nem culpada de estar ali. Com as vaias da Copa das Confederações ainda não
cicatrizadas, Dilma teria ficado no Palácio da Alvorada se pudesse. Foi ao
alçapão do Corinthians porque o protocolo a escalou.
Vaiar
autoridade em estádio é parte do espetáculo. Numa arena futebolística, dizia o
mesmo Nelson Rodrigues, vaia-se até minuto de silêncio. Porém, ao evoluir do
apupo para o palavrão, a classe média presente ao Itaquerão exorbitou. Mais do
que uma pose momentânea, o presidente da República é uma faixa. Xingá-la
significa ofender a instituição.
Quando o
xingamento é transmitido em rede mundial, adquire uma pungência hedionda. No
limite, o que a torcida fez na tarde desta quinta-feira foi informar ao planeta
que o Brasil está deixando de ter uma noção qualquer de civilidade.
Quando o
fenômeno atinge uma platéia como a do Itaquerão, com grana para pagar os
ingressos escorchantes da Fifa, a deterioração roça as fronteiras do paroxismo.
Evaporam-se os últimos vestígios de institucionalidade.
A sociedade
tem os seus abismos, que convém não mexer nem açular. Dilma não se deu conta
disso. E vive a cutucar os demônios que o brasileiro traz enterrados na alma.
Fez isso pela penúltima vez no pronunciamento levado ao ar na noite da véspera.
Muita gente achava que ela merecia uma reprimenda sonora. Mas a humilhação do
xingamento transpassou a figura da presidente, atingindo a própria Presidência.
Quem deseja
impor a Dilma um castigo que vá além da vaia, tem à disposição um instrumento
bem mais eficaz do que a língua. Basta acionar, no silêncio solitário da cabine
de votação, o dedo indicador. O gesto é simples. Mas a pata de um pitbull não é
capaz de executá-lo.
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Marcos Imperial