Mídia Ninja
Marcelo Buzzeto, professor e membro do setor de relações
internacionais do MST, explica que os ataques de Israel em Gaza fizeram com que
os movimentos de libertação e as mobilizações populares crescessem por toda a
Palestina.
07/08/2014
José Coutinho Junior, José Francisco Neto e Maura Silva de São Paulo (SP).
Há um mês, três soldados israelenses foram sequestrados e
mortos. O governo de Israel acusou, sem provas, o Hamas –partido político que
controla a Faixa de Gaza. Foi o suficiente para que a operação “Margem
Protetora” fosse colocada em curso pelo exército israelense.
Com ataques indiscriminados a hospitais, escolas, igrejas e
até áreas protegidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), impedidos de
entrar em Israel e com a fronteira do Egito fechada, os moradores de Gaza estão
vivendo em um verdadeiro campo de concentração a céu aberto.
Até o momento, cerca de 1.800 palestinos foram mortos, a
maioria civis. Esse número tende a aumentar, já que os feridos ultrapassam os 9
mil, e os hospitais que ainda restam sofrem com a falta de água, luz e
medicamentos.
Há sete anos a Faixa de Gaza está submetida a um bloqueio
terrestre, aéreo e naval, que dilacerou a economia do território e aumentou as
taxas de pobreza e de insegurança alimentar. Mesmo assim, Israel segue impune
com sua prática genocida, acabando com o que resta do território.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Marcelo Buzzeto,
membro do setor de relações internacionais do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e doutor em ciências políticas analisou a origem do
conflito e a atual posição do Brasil nesse cenário.
“Não existe nenhum convênio de cooperação entre o governo
brasileiro com partidos políticos palestinos. Existe uma relação com a ANP
(Autoridade Nacional da Palestina), mas o governo brasileiro não explicita essa
relação porque não quer criar problema com o lobby sionista que existe dentro
do PT”, enfatiza ele.
Brasil de Fato – Qual a origem dos ataques de Israel à
Palestina?
Marcelo Buzzeto – Para entender o que está acontecendo hoje é preciso entender que a
criação do Estado de Israel, em 1948, é a origem do conflito atual. Quando
Israel foi criado, nos braços do movimento sionista, que é um movimento
nacionalista, judaico, conservador, antidemocrático e racista, não houve um
referendo direcionado à população palestina. Na divisão da ONU, 56% do
território tornou-se o Estado de Israel, 42% ficou para a Palestina e 2% para
Jerusalém, que seria uma cidade neutra, sendo Jerusalém Oriental a capital do
Estado palestino. Mas nesses 50 anos o movimento sionista construiu uma
economia, uma sociedade, um modo de vida e criou um exército dentro da
Palestina.
Por que os ataques à Gaza?
Israel usou como pretexto para iniciar essa nova operação
militar o sequestro, desaparecimento e morte de três jovens soldados que davam
proteção ilegal aos assentamentos de judeus sionistas na cidade velha de
Hebron. Esses jovens já haviam cometido violências contra palestinos, mas isso
a mídia não mostrou. Os palestinos divulgaram imagens desses soldados
participando de prisões, torturas e humilhações. Não se pode negar que eles
eram parte direta nos conflitos. Israel, então, culpou o Hamas, que negou
autoria dos assassinatos.
Duas semanas após a morte desses jovens, cerca de 600 prisões
foram realizadas pelo exército israelense na Cisjordânia antes do início dos
bombardeios à Gaza.
Parte da população israelense é contra os ataques, não?
Até mesmo entre as forças armadas de Israel e o governo há
contradições. Existem declarações de oficiais israelenses criticando a operação
por terra em Gaza. Um movimento de soldados israelense se nega a combater em
território palestino. Dentro do governo, alguns sustentam a ideia de que foi o
Hamas o autor dos sequestros, em contrapartida, alguns setores declaram que
nenhuma investigação comprova que o partido realizou a operação.
E sobre os diretos dos palestinos firmados nos acordos de
Oslo?
A avaliação de muitos que estão acompanhando o conflito é que
houve um fracasso dos acordos de Oslo – acordo firmado na cidade de Oslo na
Noruega em 1993, entre Palestina e Israel com o objetivo de estabelecer a paz
na região. O fracasso dos acordos obriga os palestinos a procurarem outros
caminhos para conquistar seus direitos, o que levou a criação da Unidade
Nacional Palestina. Forças dentro da OLP, principalmente a esquerda Palestina,
como a Frente Popular pela Libertação da Palestina e a Frente Democrática pela
Libertação da Palestina, vem conversando com o Hamas e o Fatah no sentido de
combater Israel. Desde então, houve uma tentativa nos últimos anos de criar uma
coalizão nacional desde o Fatah, que governa a Cisjordânia e é o partido que
comanda a OLP, ao Hamas, que governa Gaza desde 2005. Essas conversas entre o
Fatah e o Hamas no sentido de construir um governo fizeram com que Israel
tentasse criar uma situação para impedir essa união.
Os ataques estão se concentrando em Gaza, mas nos últimos
dias têm se espalhando por outras regiões, inclusive pela Cisjordânia. Você
acredita que pode acontecer na Cisjordânia o que está ocorrendo em Gaza? E de
que maneira o povo de mobiliza nessas áreas?
A resistência palestina atua de diferentes maneiras. Ali na
Cisjordânia existe um movimento de libertação nacional, que combina diversas
formas de luta e de organização. Em Gaza, a situação difere da Cisjordânia e
dos territórios ocupados em 1948. Por exemplo, os palestinos que vivem em
território israelense se mobilizam, fazem manifestações. Mas é mais difícil
para eles se organizarem, há mais repressão. As organizações palestinas que
estão lutando em Gaza são aquelas que na Cisjordânia estão mobilizando suas
bases para um enfrentamento contra o exército de Israel. A unidade política e
militar que existe em Gaza está influenciando os palestinos na Cisjordânia e os
de Jerusalém contra Israel e contra os setores da Autoridade Palestina. Há
também um sentimento de indignação por parte dos palestinos em relação ao seu
próprio governo. Existe uma rebelião popular na Palestina, que tem como alvo
principal o governo e o exército de Israel, mas que também tem duras críticas à
Autoridade Palestina. É um movimento que está denunciando o governo palestino
como um gerente da ocupação.
Qual a posição da Autoridade Nacional da Palestina (ANP) em
relação à ofensiva em Gaza?
A ANP está cada vez mais parecida com um administrador da
ocupação colonial israelense. Eu penso que o que está acontecendo hoje em Gaza
e na Cisjordânia pode mudar a luta de classes e política na Palestina,
enfraquecendo a ANP, que quer sempre negociar com Israel. O Egito propôs
recentemente uma negociação, e a ANP logo se dispôs. Mas não é isso que a população
quer. A população quer o cessar-fogo, mas não abre mão de algumas de suas
reivindicações. Se a ANP não se juntar ao povo na luta contra Israel, eles
também vão cair. É de causar indignação o silêncio em relação aos ataques à
Gaza e a falta de iniciativa dos embaixadores palestinos no mundo inteiro
diante dos massacres. A resistência palestina em Gaza atende o seu próprio povo
e não faz nenhum acordo com Israel enquanto não se garantir o fim do bloqueio.
Os palestinos querem um porto, um aeroporto e o direito de construir um
exército. Eles se prepararam para a possibilidade de um dia Israel voltar
atacar Gaza por terra. É por isso que a quantidade soldados mortos está
assustando o governo israelense. Já morreram quase 100 e um deles foi
capturado. Vale lembrar que em 2009 o Hamas capturou um soldado israelense em
Gaza, e em 2011 ele foi trocado pela libertação de 1027 presos políticos
palestinos. Israel está numa operação difícil do ponto de vista político e
militar.
O que pode ser feito do ponto de vista internacional para
impedir os ataques de Israel em Gaza?
Israel é uma potência. Mas a campanha de boicote ainda é a
melhor alternativa. Alguns países já romperam acordos econômicos e sociais com
Israel, mas ainda não é o suficiente. Vários países da América Latina
convocaram os seus embaixadores para pedir explicações.
E dentro da Palestina?
Dentro da Palestina, os movimentos de libertação estão
crescendo na Cisjordânia. Temos uma situação favorável de fortalecimento da
mobilização popular, seja através de movimentos, sindicatos ou outras
organizações. E isso chegará a Gaza. Hoje, o que a maioria dos palestinos quer
é um Estado único onde todos possam conviver. A separação é a origem do
conflito. Uma série de intelectuais progressistas israelenses e palestinos
corrobora a ideia de um Estado único.
Como você avalia, até o momento, o posicionamento do governo
brasileiro em relação aos ataques?
Embora a postura de condenação brasileira tenha sido um
avanço, ainda é uma posição tímida. O governo brasileiro é contraditório. Eu
não confio que condene e leve Israel para os tribunais internacionais. A base
de sustentação do governo brasileiro é pró-Israel. O Brasil diz que foi um
ataque desproporcional, mas politicamente não rompe nenhum acordo econômico com
o governo israelense. Israel nunca ganhou tanto dinheiro com o Brasil como
agora. O Lula, que é visto como alguém que aproximou o Brasil do mundo árabe,
também aproximou o país de Israel.
Em entrevista, Dilma foi perguntada se o que está acontecendo
em Gaza é um genocídio, ela respondeu que é um massacre. Sabemos que o que
acontece ali é uma limpeza étnica, mas a Dilma preserva Israel. Ela não quer
condenar o governo israelense por práticas genocidas, pois o nível de
influência da comunidade sionista no Brasil é imenso. Parte considerável do
governo do Rio Grande do Sul é formada por sionistas. Existe um complexo
industrial sendo construído em Poá, e o protagonista principal desse acordo é o
governador Tarso Genro, ex-ministro da justiça do governo Lula. Quem faz a
agenda do Lula é uma sionista, uma senhora chamada Clara Ant, conhecida no
Brasil como a maior apoiadora do governo de Israel. Quem quiser fazer uma
reunião com o Lula, tem que passar por ela.
O PT tem relação com o partido trabalhista israelense, mas
não tem nenhuma relação com partidos políticos palestinos. Também não tem
relações com o partido comunista de Israel, que é o único partido
anti-sionista. Não existe nenhum convênio de cooperação com partidos políticos
palestinos. Existe uma relação com a ANP, mas o governo brasileiro não
explicita essa relação porque não quer criar problema com o lobby sionista que
existe dentro do PT. E quando há alguma cooperação, os aliados de Israel no
Brasil criam entraves. Um exemplo foi quando o governo brasileiro aprovou no
Ministério da Pesca uma verba para ajudar os pescadores palestinos de Gaza. Mas
o dinheiro não chega. Primeiro porque Israel bloqueia todas as transações
financeiras em Gaza, e segundo porque à época, o Ministério da Pesca foi
entregue para o Marcelo Crivella, pastor da Igreja Universal e aliado de
Israel.
A Palestina recebe apoio dos países da Liga Árabe?
Existe uma divisão muito grande entre os países árabes que
dificulta a luta do povo palestino. A revolução palestina é parte da revolução
que deve acontecer no mundo árabe. Mas vários desses países são aliados do
sionismo e do imperialismo. As monarquias árabes têm relações econômicas com os
EUA, Israel e a União Europeia. Por isso, não existe a perspectiva de montar
uma coalizão contra Israel. Se os países árabes se unem à resistência interna
palestina, Israel já era.
De uma maneira prática como fazer com que a população
brasileira entenda o que de fato está acontecendo em Gaza?
Israel nos ajuda a explicar de maneira fácil o conflito.
Quando o povo brasileiro vê o bombardeio de casas de civis, escolas e igrejas,
ele consegue entender que ali tem um genocídio acontecendo. São crianças,
mulheres, idosos. As mortes do lado israelense são de soldados.
O que os movimentos sociais brasileiros podem fazer para
demonstrar apoio à luta do povo palestino?
Os movimentos devem fortalecer a campanha pela liberação dos
presos políticos palestinos, apoiar o boicote contra Israel, BDS, investigar e
denunciar os acordos políticos e econômicos brasileiros com o governo
Israelense. Temos que mostrar como essas empresas que atuam no Brasil financiam
a ocupação ilegal, e denunciar as violações de direitos humanos cometidas por
Israel. As grandes mobilizações de apoio, que acontecem no mundo inteiro, têm
que continuar até que cessem os bombardeios e o bloqueio à Gaza por mar, ar e
terra. Os movimentos também podem pressionar os países árabes pelo apoio ao
povo palestino e esperar que a ANP se junte ao seu povo contra Israel e não o
contrário, como vem acontecendo.
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