Vitória de Tabaré Vázquez à sucessão de José
Pepe Mujica, no Uruguai, neste domingo coroa um ciclo de quase duas décadas em
que governos esquerdistas se impõem na América Latina; desde a seara aberta
pela revolução de Hugo Chávez, em 1999, política do continente vem sendo
dominada por personagens emblemáticos, como o operário Luiz Inácio Lula da
Silva e o indígena Evo Morales, assim como os ex-guerrilheiros Dilma Rousseff e
Daniel Ortega, além de pragmáticos, mas também populares, como Rafael Correa,
Michelle Bachelet e Ollanta Humala; estopim da mudança foi a ruína neoliberal
no continente e capacidade da maioria desses governos de ampliar a inclusão
social; no entanto, algumas experiências, como as de Cristina Kirchner, na
Argentina, e de Nicolas Maduro, na Venezuela, enfrentam seus limites.
247 - Neste domingo, mais uma vez, será noticiado algo que já se
tornou comum, na América Latina, há mais de uma década. Uma eleição
presidencial vencida por um político de esquerda. O palco, o pequeno Uruguai. O
personagem, o médico Tabaré Vázquez.
Com sua vitória, a política
uruguaia poderá completar quinze anos de transformações sociais, iniciadas pelo
próprio Tabaré, quando assumiu o poder pela primeira vez, em 2005. Cinco anos
depois, passou a faixa presidencial ao ex-guerrilheiro José Pepe Mujica, que conseguiu
atrair holofotes do mundo inteiro para o Uruguai com seu estilo franciscano –
ele vive na zona rural, usa um Fusca antigo e doa para a caridade 90% de seu
salário – e com a implantação de reformas nos costumes, como a legalização da
maconha e do aborto.
Agindo de maneira totalmente
fora das padrões, Mujica se tornou o político mais admirado do mundo pela
sisuda publicação britânica The Economist, a bíblia dos neoliberais. E agora
ele, um ex-guerrilheiro tupamaro que passou 14 anos de sua vida preso numa
solitária, devolverá a faixa a Tabaré Vázquez.
Ruína neoliberal
A ascensão de governos de
esquerda na América Latina é consequência direta do colapso das economias do
continente após as políticas neoliberais implantadas na década de 90. O Brasil,
como se sabe, recorreu três vezes ao Fundo Monetário Internacional. A
Argentina, que havia implantado à força a política que igualava o peso ao
dólar, viveu agudas crises políticas e econômicas – na mais grave, o
ex-presidente Fernando de la Rúa se viu forçado a fugir da Casa Rosada de
helicóptero.
Nos anos 90, vendas de ativos
de públicos, na era das privatizações, não foram suficientes para estancar o
endividamento interno e externo dos países latino-americanos, nem para gerar
bem-estar social.
Com o desemprego nas alturas,
as transformações começaram pela Venezuela, onde um militar, Hugo Chávez,
liderou uma bem-sucedida revolução. Depois, favorecido pela alta dos preços
internacionais do petróleo, conseguiu implantar políticas sociais que
garantiram à Venezuela o mais longo ciclo da esquerda no continente – iniciada
com Chávez, em 1999, a chamada Revolução Bolivariana perdura até hoje com
Nicolás Maduro, ainda que enfrente dificuldades crescentes.
O modelo lulista
No entanto, o fenômeno que
permitiu a expansão da esquerda na América Latina foi a vitória emblemática de
Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, em 2002. Primeiro trabalhador a presidir
a maior democracia do continente, Lula soube encontrar um modelo de
distribuição de renda em que todos ganharam.
Surfando no ciclo de alta das
commodities, implantou políticas macroeconômicas sensatas, expandiu o mercado
de capitais, o que permitiu que o Brasil gerasse uma nova safra de bilionários,
e ainda assim liderou um dos maiores processos de distribuição de renda na
história. Nada menos que 40 milhões de pessoas deixaram a miséria e se
incorporaram à classe média.
Não por acaso, Lula terminou
seu segundo mandato com 70% de aprovação popular e passou a faixa presidencial
à ex-guerrilheira Dilma Rousseff, reeleita para mais quatro anos em outubro
deste ano. Com Lula e Dilma, o Brasil se prepara para um ciclo de 16 anos de um
governo popular, que poderão ser 20 caso Lula decida ser candidato em 2018.
Chavismo ou lulismo
O sucesso da esquerda na
América Latina com dois grandes faróis, Chávez e Lula, abriu duas vertentes,
logo classificadas por historiadores como "carnívora" ou
"herbívora". No primeiro time, jogariam lideranças políticas mais
alinhadas com o chavismo, e menos apegadas a contratos e aos ritos
democráticos. O exemplo mais clássico, o de Evo Morales, o primeiro líder
indígena a governar a Bolívia.
Entre os
"herbívoros", destacam-se os políticos que seguem a cartilha lulista,
como Ollanta Humala, no Peru, e mesmo Michelle Bachelet, no Chile. São governos
pró-mercado, mas com intensos canais de diálogo com a sociedade e políticas de
inclusão social.
No meio do caminho, nem tão
carnívoro e nem tão herbívoro, o melhor exemplo é o do equatoriano Rafael
Correa, um economista com formação nos Estados Unidos, mas que se comporta como
o "enfant terrible" do continente. Foi ele, por exemplo, quem
concedeu a asilo diplomático a Julian Assange, fundador do Wikileaks, e um dos
maiores inimigos dos Estados Unidos.
Assim como ele, o também
ex-guerrilheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, implanta políticas sociais, sem
romper com o mercado. Seu modelo é Lula.
Os limites da esquerda
Independente das vertentes e
das políticas abraçadas pela esquerda latino-americana, muitos já se questionam
sobre a longevidade dos governos populares.
No Brasil, Dilma foi reeleita,
mas enfrentou uma eleição dificílima. Em outros países, crises econômicas e
políticas fustigam governos de esquerda.
Os dois países que representam,
hoje, os maiores riscos são justamente a Venezuela e Argentina. O primeiro,
atingido diretamente pela queda nos preços do petróleo, já enfrenta crises de
abastecimento e terá dificuldades para manter uma política de distribuição de
renda. Na Argentina, a alta inflação, que se soma à baixa credibilidade
internacional do País, dificulta a atração de investimentos.
Crises localizadas, no entanto,
não representam o desejo de uma restauração neoliberal. Na Venezuela, o
político Henrique Capriles, principal opositor de Maduro, tem dito que seu
modelo, num eventual governo, será o de Lula – assim como também prometem os
principais opositores argentinos.
Neste ambiente de profundas
transformações, em que, segundo a Comissão Econômica para a América Latina,
milhões de pessoas deixaram a pobreza e a média de crescimento foi próxima a
2014, o ano decisivo será o de 2018, quando Lula, principal liderança da
região, poderá tentar voltar ao poder, abrindo as portas para um ciclo de 20
anos no Brasil.
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Marcos Imperial