Karen Curi,
Revista Bula
"Fim de ano. Chegou aquela hora de mexer nos
armários, desencaixotar saudades, separar o que te cabe e o que já não cabe
mais. Aquilo que em uma época te fez bem, feliz, ainda mais bonita, e hoje, te
aperta, entristece, pesa mais de uma tonelada. Olha, não se aflija por isso
não, pelo que um dia foi luz e acabou se transformando em sombra. Acontece com
você, comigo, com todo mundo. É que tudo nessa vida tem um prazo de
validade, e não poderia ser diferente com o amor.
Mas, amor, como eu costumo dizer, tem de todo tipo
e pra todo lado. Às vezes, o que pra gente é verdadeiro, pro outro é só um
passa tempo, paixão, amizade colorida, ou seja lá o que for. Então… O amor
expira. Tem vezes que ele passa por um longo e rigoroso inverno, depois se
renova, reinventa, renasce de mansinho e, quando menos se espera, floresce
outra vez. Pode ser que as flores já não venham lindas como antes, mas surgem
indiscutivelmente fortes e resistentes.
Outras vezes não. O amor morre mesmo e o defunto
fica ali, fedendo no armário, enquanto a gente tapa o nariz, empurra a porta,
finge não estar vendo. Mas ele está lá, apodrecendo dentro de caixas e
envelopes, roupas com perfume velho, papéis amarelados e apagados, deteriorando
dentro e fora de nós. Há quem diga que AMOR, em caixa alta, nunca morre… O que
eu sei é que as lembranças, essas sim, duram para sempre.
Memórias são como estrelas, infinitas, que se
deixam ver quando chega a noite, piscando no céu da vida. Não importa quanto
tempo passe, nem as manchas e as rugas são e serão capazes de apagar cheiros e
gostos, músicas, sorrisos, momentos… Algumas sensações continuam galopando
desenfreadamente dentro do peito. E, por obra da sorte ou não, elas já
são parte do que nos tornamos e vamos levando adiante.
Fim de ano é pra essas coisas… Para decidir, entre
tudo que é perecível, o que fica conosco e o que vai para o lixo. Chegou a vez
de jogar fora as flores secas que ficaram largadas pelos cantos
da casa, varrer as tristezas, lavar os pratos com frustrações. É hora de
limpar cada decepção que virou pó e se acumulou durante esses meses. Agora é o
momento de abrir as portas e janelas e deixar o vento novo entrar, circular,
refrescar. Aquele cheirinho de azedo dos planos que mofaram nas
gavetas, precisa sair, e dar lugar à novas promessas penduradas em lindas e
coloridas molduras. Porque sonho é assim, se não ficar à vista, a gente esquece
mesmo.
Sonhos que não se realizam vêm acompanhados,
geralmente, de um mesmo sintoma; sensação de incapacidade. Mas calma aí, a boa
notícia é que pra isso tem cura! Em primeiro lugar você tem que deixar o sol
entrar. Em casa, em você, na sua vida. Porque se “o tempo é mercúrio cromo”, o
sol é ácido que queima todas as angústias. Uma vez que ele esterilizar todos os
indícios de insuficiência, é hora de voltar ao parágrafo acima, e em
porta-retratos dispor os novos e antigos projetos.
É que são tantas coisas por fazer, tantas contas
para pagar, tantos prazos a cumprir, que os sonhos ficam lá,
quietinhos, feito cachorros esperando o dono junto da porta. Enquanto isso eles
dormem… Os mais animados se multiplicam! Sonhos são uma espécie de magia que
nunca morre. Envelhecem, mas permanecem jovens. Não morrem jamais!
Por isso, eu te convido, neste fim de ano, a se
desfazer de tudo que faz pesar o teu coração. Livre-se do medo do que o outro
pensa, da agonia de querer agradar à todo mundo, da dependência de um amor
vampiro. Liberte-se do seu próprio personagem socialmente perfeitinho, da
prepotência de estar sempre com a razão, da mania de achar imperfeições em
tudo. Mande embora as suas cobranças, suas neuras e quem te disser que você não
é capaz.
Encha, sim, o seu coração de amor, amor do bom.
Carregue junto a ti poucos e verdadeiros amigos. Fé, sempre, muita. Alegria de
viver, de estar vivo, de ser o dono da sua vida. Sonhos de todos os tipos,
cores, tamanhos e formas. Que os amores defuntos nos façam crescer e ter forças
para seguir. E que os bons momentos se multipliquem no nosso céu
estrelado!"
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