Fabio Hernandez, DCM
"Uma revista masculina americana
publicou, há algum tempo, um artigo que era uma espécie de elogio da violência
no amor. Não, não. Estou exagerando. O artigo apenas falava como um pouco de
guerra entre o homem e a mulher pode, na hora das pazes, resultar num sexo
alucinante. (E lá vou eu para mais uma digressão: amo uma passagem do
filme O Advogado do Diabo em que o Al Pacino descreve, para o marido traído, o
sexo que fez com a mulher deste. Em sua voz tonitruante e cínica, ele diz mais
ou menos o seguinte para o marido atormentado: numa escala de 0 a 10,
considerando-se que o sexo papai-mamãe que você faz com sua mulher é 3,
chegamos a 7.)
Enfim: o tal artigo
dizia que, depois da guerra, o sexo podia subir alguns pontos na escala
Pacino-Diabo. Havia até algumas evidências supostamente científicas para
amparar a tese. Eu pensei o seguinte: pobres dos leitores e leitoras que
decidirem testar. Guerra no amor não se controla como uma pipa, para a qual
você dá mais linha ou menos linha de acordo com o vento. Dados os primeiros
disparos, não há retorno possível.
Os amantes que iniciam uma guerra talvez
subam aos céus nas reconciliações sexuais, mas inapelavelmente descerão ao
inferno para dali não mais saírem, miseravelmente derrotados. O inferno só vai
terminar com o fim da relação. Acabado o romance, se o homem e a mulher
estiverem inteiros, o máximo que conseguirão dizer de tantas coisas que
viveram juntos é: sobrevivi. E não será pouco. Porque muita gente não
sobrevive. Digo fisicamente mesmo. Um dos destinos clássicos da
guerra amorosa, como na guerra convencional, é o caixão.
Eu falei acima em teste. Em casais que
decidam testar a tese bélica da revista americana. Mas errei. A guerra no amor,
como a globalização, não é escolha. É destino. Os tambores já começam a
rufar, anunciando a guerra, quando certos homens e certas mulheres nem trocaram
ainda o primeiro olhar de flerte. Pode acontecer que ele, o homem, tenha sido,
em todos os outros relacionamentos, tão pacífico quanto uma ovelha tibetana. E
ela também. Mas, ao se encontrarem, por alguma química estranha, os exércitos
se mobilizam. E não demora muito para que alguém aperte o gatilho.
É o amor neurótico em
ação. O amor neurótico é generoso como nenhum outro tipo de amor: proporciona
momentos inigualáveis, sobretudo no sexo. E é também cruel como um cossaco
russo. (Meu Tio Fabio, um homem sábio do interior, é que me contava que não
havia nada tão cruel como um cossaco russo. Jamais conferi a veracidade
histórica dessa afirmação, mas confio integralmente na sabedoria de meu tio.)
Céu e inferno, céu e inferno.
Uma característica essencial no amor
neurótico é que ou você pega o pacote todo ou não pega nada. Não dá
para ficar com a parte boa e desprezar a ruim. Infelizmente, é impossível ter
sexo com alta nota na escala Pacino-Diabo e, ao mesmo tempo, assistir de mãos
dada à novela das 8 comendo pipoca. A fraternidade é uma
impossibilidade científica no amor neurótico.
Uma outra característica vital do amor
neurótico é que, no princípio, o êxtase predomina sobre a fúria. Há muito céu e
pouco inferno. Aos poucos, numa marcha perversa e inexorável, a ordem vai se
invertendo. Cada vez mais inferno, cada vez menos céu. No último estágio,
do céu resta apenas recordações, mais e mais difusas. Você mal acredita que um
dia as coisas andaram bem, tão destruidora a relação se tornou. É tempo de
encerrar. Isto é, se você ainda estiver vivo para cair fora. Eu quase ia
dizendo, pueril e inútil: fuja, fuja do amor neurótico enquanto há tempo. Mas
não adianta: você é capturado muito antes de se dar conta de que se trata de um
amor neurótico. Então termino dizendo apenas a quem está vivendo ou vai viver
uma paixão dessas: boa sorte."
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