Ademir Luiz, Revista
Bula
O escritor gaúcho Luis Fernando
Verissimo, na crônica “Fobia”, publicada no divertidíssimo livro “Banquete Com os Deuses”, admitiu que lê
obsessivamente qualquer coisa, de manuais de tricô até etiquetas de lençóis,
passando pelo mais pueril best-seller, movido pela pura e simples “dependência
patológica na palavra impressa”. Eu, extrapolando a tese do filho do Erico,
acredito que com algum treino, masoquismo, espírito vadio e senso de humor, esse vício pode se transformar num
divertido teste de resistência intelectual. Pode ser tanto na categoria de
provas rápidas, lendo frases sem pai nem mãe na internet, ou maratonista, dispondo-se a
percorrer inteiras obras obradas e assinadas. De fato, seguir pelas páginas de
certos livros pode ser considerado um esporte radial, uma corrida de obstáculos
cognitiva. O cérebro treme, pula, ameaça entrar em colapso, mas o verdadeiro
atleta não desiste. Exemplos? Apontar livros de Paulo Coelho, “50 Tons de
Cinza” ou da série “Crepúsculo” é para amadores. A verdade é que alguns
clássicos e semi-clássicos, assinados sem rubor por escritores de prestígio,
bem poderiam estar na lista, ao lado de certas pérolas do improvável. O
verdadeiro fundista “dependente patológico” mergulha bem mais fundo no submundo
da “palavra impressa”.
Condenado a Falar,
de Jorge Kajuru
O livro é uma coletânea
da vida e da obra do jornalista esportivo. Mais obra do que vida, diga-se.
Entre outras pérolas imperdíveis, Kajuru compôs poemas em homenagem a Hebe
Camargo e Adriane Galisteu. Mais curioso do que Jorge transmudar-se em poeta é
Jorge homenageando as homenageadas. Salve, Jorge! Não, não salve, delete.
Caminho das Borboletas,
de Adriane Galisteu (depoimento a Nirlando Beirão)
Falando nela, por amor ao
automobilismo li essa tentativa da modelo atriz apresentadora se
estabelecer no inconsciente coletivo como viúva de Ayrton Senna. Diz a lenda
que não há palavras com X
no livro. Será?
Relógio Belisário, de
J. J. Veiga
Sim, J. J. Veiga é um
grande escritor. Sim, a “Máquina Extraviada” é um dos melhores contos brasileiros de
todos os tempos. Sim, J. J. merece respeito. Tudo isso é verdade, assim como é
verdade que esse livro é uma ofensa a inteligência do leitor e ao talento do
autor.
Zélia, Uma Paixão, de
Fernando Sabino
O que poderia ser mais
surreal do que uma ministra da economia collorida transformada em princesa Disney?
Esse encontro marcado é de fazer o grande mentecapto Geraldo Viramundo morrer
de vergonha.
Do Outro Lado do Muro,
de Alexandre Frota (depoimento a João Henrique Schiller)
Mais até do que sua recém-lançada biografia, essa é a verdadeira obra-prima
bibliográfica do homem, do mito, da lenda, do imortal Alexandre Frota. Trata-se
do relato sobre sua participação no pioneiro programa Casa dos
Artistas, onde ele se transformou no “namoradinho bad boy da filha do Brasil”,
antes de virar o “amante de membro dégradé da esposa do Brasil” em seus filmes
adultos. Frota é um gênio incompreendido. O Forrest
Gump Brasileiro.
O homem que já foi tudo, de galã da novela das oito e marido da Cláudia Raia
até jogador de futebol americano
do Corinthians e comediante da “Praça é Nossa”. Nessa obra, digna do Prêmio
(Ig) Nobel, Frota conta como sobreviveu à música do
cantor Supra, ao choro diluviano de Mari Alexandre e como ousou desafiar Deus
(mais conhecido como Silvio Santos). Um clássico! E aí, qual que é o negócio?
O próximo Romance de
Umberto Eco, que será escrito por Umberto Eco
Não me entendam mal, “O
Nome da Rosa” é inegavelmente um clássico contemporâneo. O subestimado “O
Pêndulo de Foucault” é um de meus livros preferidos, desses que estou sempre
relendo. Porém, depois do mediano “O Dia da Ilha Anterior”, o fraco
“Baudolino”, o desperdiçado “A Misteriosa Chama da Rainha Loana” e a imitação barata de si mesmo “O
Cemitério de Praga”, cansei de ter que ler 500 páginas para, finalmente,
concluir: “Eco, ele errou de novo!”.
Qualquer Imitação de “O
Senhor dos Anéis”
As sagas da Terra Média criadas pelo
venerável catedrático J. R. R. Tolkien estão na raiz da cultura pop,
influenciando de Beatles até Star Wars. O problema é que nos últimos anos,
em grande parte por
culpa da trilogia de filmes de Peter
Jackson,
a influência sutil virou moda e uma infinidade de “autores” começaram a criar
mundos povoados por seres fantásticos clichês,
inventar línguas desconjuntadas, encher seus livros de mapas
desenhados no joelho. Muitas vezes em narrativas desnecessariamente gigantescas,
divididas em vários volumes. Quase sempre mais do mesmo, de “Eragon” até
“Mago”, passando pelas “Crônicas dos Senhores de Castelo” e outros, muitos
outros.
Certamente, o gênero
possui seus méritos, mas noto que nos últimos tempos estão afastando os jovens
leitores de obras mais maduras, fazendo-os imaginar que essa roda vida de
fantasia nerd escapista é o supra-sumo da criação literária pelo simples fato
de apresentar violência, algum sexo e nacos de intriga política. Fechando o
tópico com polêmica sob encomenda, destaco que dependendo do dia, da
temperatura e da pressão, os intocáveis “Guerra dos Tronos” e “Harry Potter” entram na lista sim.
O Tronco do Ipê, de
José de Alencar
Está na moda criticar o
mimoso José de Alencar. Desqualificar seu mimoso estilo tornou-se bater em
mimosos cãezinhos mortos (essa foi uma piada mimosamente politicamente
incorreta, considerando que o mimoso autor está mesmo morto?). Sei que o mimoso
senador Alencar tem muitos e mimosos méritos! Ele ensinou esse mimoso país chamado
Brasil a escrever mimosos romances. Mas, infelizmente, “O Tronco do Ipê”, em
sua doçura e mimo, tornou-se um trauma de adolescência, em função da mimosa
mania do autor de repetir continuamente, de maneira monotonamente mimosa, o uso
da palavra “mimosa”. É muito mimo para uma criatura cínica, embora de algum
mimo, como eu.
Zero, de Ignácio de
Loyola Brandão
Li esse livro na época
em que era jovem e paciente. Agora que sou velho e impaciente, porém mais
consciencioso, penso que talvez não estivesse preparado para tamanho
experimentalismo. Só pode ser isso. Afinal, se o livro foi censurado pela
ditadura, só pode ser bom. Não existe outra possibilidade. Nota zero para mim.
Ripley Debaixo D’água,
de Patricia Highsmith
Os três primeiros livros da tetralogia
estrelada pelo sofisticado falsário Tom Ripley, “O Talentoso Ripley”, “Ripley
Under Ground” e “O Jogo de Ripley”, são tensos, empolgantes e movimentados.
Nesse quarto volume inesperadamente aconteceu que não acontece nada. É isso.
Nada. Deu n’água.
Deuses Americanos, Neil
Gaiman
Neil Gaiman é um grande artista dos quadrinhos. Está no
panteão máximo do gênero “super-heróis atormentados”, ao lado de gênios como
Frank Miller, Allan Moore e John Byrne. Infelizmente, não possui o mesmo
talento para a literatura. Seu romance “Deuses Americanos” possui uma premissa
engenhosa, mas foi escrito com estilo frouxo, diálogos maçantes e salpicado de
clichês narrativos. O que mais me intriga é ver os fãs do quadrinista se
esforçando para encontrar qualidades estilísticas em seus escritos, talvez num
esforço corporativo para não se sentirem traidores do movimento.
Cinzas do Norte, de
Milton Hatoum
Esse livro costuma
figurar em listas dos mais importantes romances da literatura brasileira
contemporânea. A impressão que tive quando li foi que o honorável autor (sem
ironia) usou todo seu considerável talento para desenvolver uma sinopse
recusada de novela das seis da Globo… ou pior, do SBT.
Estorvo, de Chico
Buarque
O título condiz."
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