Emir Sader, Brasil 247
Houve uma inegável virada à direita no Brasil nos últimos tempos, não
apenas com eixo em um Parlamento mais conservador e nas ofensivas golpistas da
mídia. Se instalaram falsos consensos, que dominam a opinião pública e o clima
de debates políticos e ideológicos, que é urgente combater. Porque o debate das
ideias, dos valores, das crenças das pessoas termina sendo o nível fundamental
para a disputa de projetos na sociedade.
Os brasileiros decidiram quatro vezes seguidas que preferem um modelo de
desenvolvimento com distribuição de renda e com isso reelegeram os governos de
esquerda e derrotaram a direita. Mas foram opções em torno de alternativas
concretas: dar continuidade ao que tem transformado positivamente o Brasil ou
retroceder a um modelo que fracassou no passado recente? Na última eleição,
muito claramente, a campanha foi contra os riscos dos retrocessos, sem o eixo
nos projetos e nos fundamentos do que queremos para o futuro do Brasil.
Por isso essas decisões não foram acompanhadas da hegemonia dos
fundamentos em que se baseiam essas alternativas. Valendo-se do monopólio
privado dos meios de comunicação e da ausência de um discurso claro e constante
por parte da esquerda – tanto do governo, como dos partidos, movimentos populares
e meios de comunicação da esquerda - a hegemonia de ideias, de valores, de
crenças da direita nunca foi quebrada no país.
O resultado das últimas eleições deveria ter levado a esquerda a tirar
consequências profundas da sua quase derrota. Dilma triunfou onde as imensas
transformações sociais mudaram radicalmente a vida das pessoas, relegando a
influência da mídia a segundo plano. No nordeste ela triunfou sempre com mais
de 70% dos votos. Mas mesmo aí esses amplos setores sociais não foram organizados
pelo campo popular, que não concentrou aí seu trabalho de conscientização das
milhões de pessoas que apoiam o governo e levaram à sua quarta vitória
consecutiva.
Enquanto que no centro sul o candidato da direita ganhou, frequentemente
com maioria próxima dessa proporção, em torno de 2/3 a 1/3 dos votos. Significa
que dos 51 milhões de votos da direita, uma alta proporção veio de camadas
populares, beneficiarias das políticas sociais do governo, mas que foram
diretamente influenciadas pela mídia. Não houve um trabalho que favorecesse a
consciência social desses milhões de pessoas, que poderiam ter aderido à
candidatura que promoveu sua radical melhoria de vida, um erro grave do governo
e de todo o campo popular, que desembocou na virada conservadora atual.
Em síntese, o governo triunfou por suas políticas sociais e perdeu na
formação da opinião pública, onde o peso da mídia foi determinante. Os dois
eixos fundamentais da sistemática campanha da direita pela mídia tiveram
efeitos concretos: o pessimismo econômico e o denuncismo reiterado, há mais de
10 anos, de corrupção do governo e do PT.
A direita conseguiu construir consensos falsos, que se difundem quase
sem resistência por toda a sociedade, facilitados agora pelas posições atuais
do governo, que praticamente fizeram desaparecer um polo de contraposição a
essas posições. Com a ofensiva no segundo mandato da Dilma, a direita consegue
impor na opinião pública afirmações e valores não apenas falsos, como
antidemocráticos.
Como por exemplo, entre outros, os de que
- O Brasil não dá certo
- Os Brasil é um país corrupto
- O governo é incompetente para gerir o país e tirá-lo da crise
- O PT é um partido corrupto
- O Estado gasta muito e cobra muitos impostos
- O problema principal do Brasil são os gastos do Estado, que deveriam
ser cortados drasticamente, para podermos sair da crise
- A situação social do país retrocedeu totalmente dos avanços que tinha
tido
- Os meios de comunicação defendem a democracia no país contra as
ofensivas autoritárias do governo
- As empresas estatais estão dominadas pela corrupção e o país só pode retomar
o crescimento centrado nas empresas privadas nacionais e estrangeiras
- O Brasil insiste em um modelo estatizante que teria fracassado em
outros lugares do mundo
- As perspectivas econômicas do Brasil são péssimas, o país tem o pior
desempenho comparativo no mundo
- O governo gasta muito com políticas sociais ineficientes, deveria
confiar mais nos mecanismos de mercado e de livre concorrência para que as
pessoas melhor qualificadas triunfem
- A economia brasileira é muito fechada, não contando com aportes do
capital estrangeiro e das suas tecnologias
- As alianças externas do Brasil, com a América Latina e a China, são um
fator de atraso e deveriam ser substituídas pela retomada da aliança privilegiada
com os EUA, a Europa e o Japão, mediante Tratados bilaterais de livre comércio,
a Aliança para o Pacífico e o Tratado Transpacífico de Livre Comércio.
Basta essas menções para nos darmos conta de como a esquerda está
perdendo a mãe de todas as batalhas: a batalha das ideias. E quando o governo
se soma a um dos consensos mais importantes da oposição, ao de que a via para
superação da crise não é a retomada do desenvolvimento pela democratização do
acesso aos créditos e pela distribuição de renda – como resistimos à crise em
2008 -, mas pelo corte reiterado dos gastos do Estado, o consenso conservador
se fortalece ainda mais.
É certo que o monopólio dos meios de comunicação é um poderoso
instrumento a favor desses consensos conservadores, mas é
também certo que o governo não se pronuncia reiteradamente para se
contrapor a essa conservadora no plano das ideias e, muitas vezes, reforça
algumas dessas posições. Que a esquerda tem proposta de medidas econômicas, mas
elas são apenas uma parte da extensa lista de afirmações com que a direita
impõe o senso comum atual no país.
A esquerda triunfou em 2002 pelo fracasso do modelo econômico
neoliberal, mas a mais pesada herança que recebeu foi a hegemonia neoliberal ao
nível das ideias, que a esquerda nunca quebrou. Os triunfos eleitorais se deram
pelo sucesso das políticas econômicas, que não foram acompanhados da
conscientização política e da organização dos amplos setores populares que
decidiram as vitórias eleitorais a favor do governo. Massas que foram vítimas
das campanhas da direita e quase levaram ao final do mais importante processo
de democratização social que o Brasil já viveu.
Mas que, se não for acompanhado de um profundo processo de
democratização política, econômica e ideológica, de reversão da hegemonia
conservadora no plano das ideias e dos consensos sociais, não conseguira
reverter a ofensiva conservadora que tem colocado em risco não apenas os
avanços sociais, mas as próprias conquistas democráticas que permitiram que a
esquerda tenha constituído maiorias eleitoras no pais, que tem que se
transformar agora em hegemonia de ideias, de valores e de crenças.
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Marcos Imperial