Por Paulo Moreira Leite, jornalista,
escritor e diretor do 247 em Brasília.
"Polêmica
sobre afastamento de Renan chega ao impeachment de Dilma. A ação da Rede contra
Renan foi levada ao STF no mesmo processo que levou ao afastamento de Eduardo
Cunha da presidência da Câmara, em maio. Se Teori Zavaski tivesse afastado
Renan na mesma época em que afastou Cunha, o julgamento de Dilma teria sido
presidido pelo primeiro vice, o petista Jorge Viana," escreve Paulo
Moreira Leite; para PML, "desde 2012, quando debatia a AP 470, mais
conhecida como mensalão, o STF tem assumido prerrogativas que, pelo artigo 55
da Constituição, cabem ao Legislativo, como afastar e cassar parlamentares. A
diferença, agora, é que uma eventual mudança pode representar um distúrbio na
aprovação da PEC 55".
Será preciso aguardar pela próxima sessão do STF, marcada para a
tarde de amanhã, para entender as motivações reais para a cena inacreditável
ocorrida com a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado.
Minha hipótese é que, além do debate jurídico, real e necessário,
num momento de conflito entre poderes, surgiu um fator político que não pode
ser desprezado. Uma possível saída de Renan Calheiros entregaria a presidência
do Senado para um parlamentar do Partido dos Trabalhadores -- Jorge Viana,
ex-governador do Acre. Embora o país tenha enfrentado situações semelhantes,
nos últimos meses, foi só desta vez que se falou em "crise
institucional", conceito que implica em apontar uma situação política
próxima do colapso, para justificar um retorno a situação anterior.
Através de sentença liminar, o ministro Marco Aurélio Melo decidiu
afastar Renan de seu posto, numa decisão coerente com o voto -- já majoritário
no tribunal -- de que um réu não pode permanecer na linha de sucessão da
Presidência da República. Inconformado, Renan recusou-se a receber a
notificação. Resultado: permanece na presidência do Senado pelo menos até a
tarde de amanhã, quando o STF volta a se reunir.
Vários parlamentares com os quais pude conversar, ao longo do dia,
consideram que foi uma solução acertada. Convencidos de que Marco Aurélio não tinha
base legal para decidir pelo afastamento, eles apoiam a decisão. Mesmo
reconhecendo a gravidade de confrontar uma sentença com assinatura de um
ministro do STF, acreditam que foi uma medida necessária. "Já era hora do
Congresso se manifestar a favor da separação entre poderes," me disse um
parlamentar, entre vários depoimentos que colhi ao longo do dia.
Eu também sou a favor da separação entre poderes, cláusula pétrea
da Constituição, elemento essencial da democracia. Escrevo sobre isso há anos,
aqui neste espaço. Mas imagine se um dos réus da Lava Jato tivessem aplicado um
baile à moda Renan Calheiros para escapar de uma notificação judicial.
Há uma questão de natureza político-partidária em torno desse
problema, capaz de sugerir que a separação dos poderes pode ter sido uma
motivação justa. Seu fundamento é inegável. Mas está longe de ter sido a
única razão.
Já em 2012, no julgamento da AP 470 o Supremo atravessou a
fronteira entre os poderes ao votar pela cassação do mandato de parlamentares,
ignorando o artigo 55 da Constituição que diz que cabe ao Congresso definir a
perda de mandatos. Em dezembro de 2015, o STF manteve a prisão de Delcídio do
Amaral, embora o encarceramento sequer estivesse de acordo com as exigências da
legislação em vigor para políticos no exercício do mandato. O afastamento de
Eduardo Cunha da presidência da Câmara, foi definido pelo ministro Teori
Zavaski em maio, e referendada pelo plenário do Supremo no mesmo dia. Embora
Marco Aurélio só tenha anunciado sua decisão ontem, o caso de Renan faz
parte da mesma ação contra Cunha resolvida há meses com o afastamento do
presidente da Câmara. Qual a diferença entre os casos, então?
Uma curiosidade histórica. A ação contra Cunha e Renan têm a mesma
origem e mesma data. As duas questionavam a possibilidade de um réu permanecer
na linha sucessória da presidência da República. As duas poderiam ter sido
resolvidas na mesma data, portanto. Se a decisão de Renan tivesse saído junto
com a de Cunha, Jorge Viana teria ocupado a presidência do Senado antes da
decisão final sobre o impeachment. Teria sido presidente do julgamento de
Dilma. Com direito aos plenos poderes presidenciais de Renan.
É uma coincidência incrível, não acha?
A diferença política é essencial. Reside na pergunta: quem ganha
com a troca? Só se falou em "crise institucional" desta vez, embora
os mesmos fatos já tivessem ocorrido nas ocasiões anteriores. A decisão que
afastou Cunha foi tomada por Teori Zavaski, que decidiu consultar o plenário,
embora não fosse obrigado. Ontem, depois da reação contrária a liminar que
assinou, Marco Aurélio também decidiu abrir a decisão ao plenário.
O substituto natural de Renan é Jorge Viana, senador pelo Partido
dos Trabalhadores, adversário da PEC do teto dos gastos, o ponto essencial das
reformas do Temer, com votação marcada para o dia 13 da semana que vem.
Presente de Natal para os patrocinadores do golpe, cada vez mais desconfiados
do Papai Noel Temer e suas renas.
A posse de Viana, nestas circunstâncias, marcaria uma
primeira vitória das forças políticas derrotadas no processo de impeachment.
Não só pode estimular a resistência, como observou Luiz Felipe Miguel nestas
páginas, mas pode ser aquele leve distúrbio que, na conjuntura apropriada,
produz um estrago. numa ocasião em que o único aspecto claro da conjuntura é o
enfraquecimento do governo Michel Temer, sua descida na ladeira da crise
econômica e do inferno político cada vez mais próximo. Nessa conjuntura, uma
troca no comando da instituição que terá a palavra final sobre a PEC 55, boia
de salvação de um governo que ninguém sabe até onde vai sobreviver, pode ser um
terremoto. Por isso todos se uniram para preservar Renan, aquele que, para
salvar o pesçoço quando a lâmina da guilhotina já era passada no amolador de
faca, aderiu a Ponte para o Futuro dos barões de nosso pobre capitalismo, na
vida real uma simples pinguela.
No mesmo dia em que os jornais informavam que Viana iria assumir a
presidência do Senado, o Estado de S. Paulo vazava um diálogo do senador
petista com o advogado Roberto Teixeira, responsável pela defesa de Lula. Sinal
de que o projeto contra Viana é de matriz lacerdista. Embora sua posse esteja
em perfeita sintonia com os movimentos anteriores, não deve assumir. Se o
fizer, será reduzido a trapo, como fizeram com Waldir Maranhão, mantido numa
UTI permanente desde que ameaçou pular da canoa do golpe. A diferença é que
Viana é um político de personalidade, história e biografia.
O mistério deste enredo é de curta duração, pelo menos.
Afinal, o mandato de Renan está no fim. Cada personagem sabe o papel que irá
desempenhar e, pela TV, será possível acompanhar uma parte do espetáculo. Em
função das decisões anteriores, toda decisão favorável a permanência de Renan
em seu posto, qualquer que seja a razão alegada, terá um componente político
evidente.
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Marcos Imperial