Que o Brasil vai mal,
todo mundo sabia. Que o outrora país do "homem cordial" se tornou o
país do homo lupus homini de Hobbes, do ódio desenfreado, também já parecia
evidente para todos há algum tempo.
Mas há fatos que chocam.
A reação dos nossos
conservadores protofascistas à doença e à morte de Dona Marisa Letícia, bem
como ao discurso de Lula em seu velório, extrapolou tudo o que se tinha visto
até aqui.
E olha que não foi
pouco. Há anos que Lula e sua família vêm sendo vítima de uma caçada judicial e
mediática impiedosa, de uma lawfare cruel e sistemática.
Decididos a desconstruir
a maior liderança popular da história do Brasil, a única capaz de se opor ao
golpe, instauraram um vale-tudo jurídico e ético que faria corar Roland
Freisler, o "juiz do Terceiro Reich". Como muitos juízes tupiniquins
de hoje, Freisler colocou a justiça a serviço da causa da "limpeza da
Alemanha". Como eles, Freisler desconsiderava o direito à defesa e se
comprazia em humilhar seus acusados, em julgamentos midiáticos que atraiam a
opinião pública ávida por linchamentos de "comunistas e judeus".
Com esse vale-tudo
absurdo, transformaram pedalinhos, um barco de lata e um apartamento nunca
comprado em provas irrefutáveis do "maior esquema de corrupção da história
do país". A cretinice dessas acusações salta aos olhos de qualquer pessoa
de QI mediano e um mínimo de isenção. Na realidade, essas investigações e
acusações têm o mesmo valor de fofocas mirabolantes que circulam as redes
sociais, as quais afirmam que Lula é bilionário e que seus filhos são donos de
quase todas as grandes empresas do país. A diferença é que essas acusações têm
carimbo oficial. Foi com base nelas que Lula e Dona Marisa foram humilhados até
dentro de sua própria casa, no incrível episódio da "condução
coercitiva" desnecessária e ilegal.
Mas quando o vale-tudo
chega até mesmo à doença, ao sofrimento e à morte dos entes queridos é um sinal
de que todos os limites civilizados foram ultrapassados.
Quando pessoas
aparentemente normais vão às portas de hospitais para celebrar o sofrimento
alheio e pedir a morte de adversários políticos, isso é sinal inequívoco de que
algo muito importante morreu no Brasil.
Quando médicos que
fizeram o juramento de Hipócrates vazam criminosamente exames, sugerem métodos
para acelerar a morte de paciente e tripudiam de seu sofrimento e de seus
familiares, é sintoma inequívoco de que o país está acometido de grave doença.
Uma espécie de sociopatia politicamente motivada, que nega ao outro qualquer
traço de humanidade.
Não bastasse essa
sociopatia generalizada, há o cinismo.
Com efeito, o cinismo
dos nossos protofascistas é inacreditável. Politizaram com requintes de
crueldade a vida privada da Dona Marisa. Politizaram seu sofrimento, sua
doença. Politizaram até a sua tomografia. E, agora, se queixam de que Lula fez
um desabafo no velório. Segundo eles, Lula não pode falar nem no velório da sua
esposa. Tem de ficar caladinho e aguentar passivamente a caçada judicial a que
ele e sua família são submetidos. Só os protofascistas podem vociferar seu
ódio, sua ignorância, sua sociopatia demente. Só eles têm direito a se
expressar, com estridência e crueldade.
Felizmente, Lula não se
calará. Não se vergará a esse ódio insano.
Lula representa tudo o
que eles odeiam mais. Lula é aquela pobre criança do sertão nordestino que
deveria ter morrido antes dos 5 anos, mas que sobreviveu. Lula é aquele
miserável retirante nordestino que veio para São Paulo buscar, contra todas as
probabilidades, emprego e melhores condições de vida, e conseguiu. Lula é
aquele político que não devia ter criado, em plena ditadura militar, um novo
partido independente de esquerda, mas criou. Lula é aquele candidato que não
devia ter chegado ao poder, mas chegou. Lula é aquele presidente que devia ter
fracassado, mas teve êxito extraordinário.
Lula é o excluído que
devia ter ficado em seu lugar, mas não ficou.
Para eles, Lula não
deveria existir, mas existe.
Existe e não será jamais
amordaçado, acorrentado ou extinto. Ao contrário dos golpistas e dos líderes
midiáticos de ocasião, que se nutrem do ódio, Lula mora no coração do povo.
Lula se nutre da esperança de dias melhores em um Brasil para todos. Inclusive
para os que o odeiam. Por isso, Lula já é eterno. Ao contrário de Getúlio,
entrou para a História em vida. Não pode mais ser derrotado.
O Brasil foi acometido
de um AVC democrático. Nos corações e mentes de muita gente jorram rios de ódio
que ameaçam nos afogar a todos. Estamos doentes.
Lula é uma das poucas
lideranças, talvez a única, que pode estancar essa terrível hemorragia e fazer
o Brasil se reconciliar.
Em troca, pede apenas um
pedido de desculpas para a sua Galega que virou estrela.
Para quem fez tanto e
pode fazer muito mais, é pouco, muito pouco.
Por MARCELO ZERO.
É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.
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