POR LARA BRENNER EM CRÔNICAS via Revista Bula.
Carlos Drummond, sempre tão forte ao expor suas fraquezas, confessou que amava alguém porque não amava bastante ou demais a si. “Amor é estado de graça e com amor não se paga”, acrescentou, cheio de razão. Amor é antitroca, antimoeda, antinegócio. Com amor não dá pra se pagar coisa alguma porque paga é coisa de gentalha e amor é para gente maior. “Amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo”, arrematou o poeta. Amar seria então intransitivo?
Amores, porém, só aparecem tão intensos porque têm destino certo. Cartas de amor — todas ridículas! — sabem bem a que mãos devem ser entregues, mas, ainda que lá no fundo, esperam ansiosas por uma resposta. Por mais que se diga que o amor basta em si, quem conjuga verbo no plural espera fazer parte do plural de alguém; quem oferece a mão espera enlaçá-la a outra; quem sonha um futuro conjunto espera pertencer ao conjunto de sonhos daquele a quem se ama.
O amor, não há dúvida, é um combustível e tanto para a imaginação. Mas sonhar por sonhar é executável sozinho. É possível realizar mil feitos sem que haja alguém ao lado e, feliz, dividir a vitória com ninguém além de si. O problema é que não se pode sonhar pelo outro; não se podem responder cartas que o outro recebeu e sequer abriu; não se podem conjugar plurais por quem só pensa singular. Que me perdoem os jovens Verthers, mas amor platônico é um suplício. E se, por um lado, o amor pode existir sozinho, numa sofrida via de mão única, um relacionamento não aceita meias medidas e demanda dois inteiros equilibrando na mesma corda. Se amar é intransitivo, relacionar-se é um transitivo exigente.
A exigência é tanta que pouco adianta equilibrar senão com o corpo inteiro. Tem gente que se relaciona aos pedaços, que se equilibra só em um dedo; que se doa pelas metades, relutante, meio ausente, fazendo pouca questão. Tem gente que não sabe o que é ser parceiro, o que é um “vamos?”, “vamos”; que nunca sonhou o mesmo sonho, ou somou duas loucuras e encontrou coerência no produto final. Reciprocidade é isto: ser inteiro e desejar alguém inteiro; falar um bocado, mas também calar para ouvir; conceder, mas querer concessão; ser doador, mas também tomador; corresponder às pequenas sandices e fazer esforço para ajeitar as desarmonias com amor.
Se não for pra ser recíproco, nem vale a pena entrar no jogo. Porque relacionamentos bilaterais não pedem, nem mendigam, nem se contentam com pedaços desdenhosos. Reciprocidade é mais que amar, é demonstrar amor e fazer questão de tê-lo de volta.
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Marcos Imperial