Por Conceição Lemes
Desde que foi criado, em julho de 2013, pela então presidenta Dilma Rousseff (PT), o Programa Mais Médicos está no fogo cruzado.
Primeiro, a forte oposição das entidades médicas e da grande mídia.
Mesmo assim, tem a aprovação de mais de 90% dos usuários.
Lá fora, é elogiado.
Em junho de 2016, a Organização das Nações Unidas (ONU), no documento Good Practices in South-South and Triangular Cooperation for Sustainable Development, diz que é “prática relevante” para se atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A ONU recomenda-o a outros países:
O projeto é replicável e é potencialmente benéfico para qualquer País que decida adotá-lo. O Brasil fez um investimento econômico substancial para a realização do projeto; porém, os benefícios, a longo prazo, superam esses investimentos.
O programa chegou a ter 18.240 médicos, garantindo acesso a 63 milhões de pessoas em 4.058 municípios.
Porém, desde a derrubada de Dilma, aos inimigos tradicionais do Mais Médicos se juntou outro com altíssimo poder de destruição: o governo usurpador de Michel Temer (PMDB).
Na verdade, antes mesmo do afastamento de Dilma pelo Senado, em 16 de maio de 2016, o programa está na mira do engenheiro civil e deputado federal Ricardo Barros (PP-PR).
Na primeira semana de maio de 2016, reunido com representantes das entidades médicas em São Paulo, o então futuro ministro da Saúde assumiu o compromisso de afastar os estrangeiros do programa, especialmente os cubanos.
Ricardo Barros iniciava aí uma série de muitos golpes fatais no coração do Mais Médicos.
O objetivo é desmontá-lo.
Em bom brasileiro: matar o Programa Mais Médicos, o que o ministro vem fazendo progressiva e silenciosamente.
“O governo Temer só não acaba de vez como programa, porque sofreria muita pressão política, então resolveu ir matando aos poucos”, denuncia o médico sanitarista Hêider Pinto em entrevista exclusiva ao Viomundo.
Uma análise minuciosa dos sistemas do próprio Ministério, incluindo o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), mostra que o atual número de médicos no programa não chega a 16 mil e o de municípios já é menor que 3.800.
“Isso significa que 7,7 milhões de pessoas deixaram de ser atendidas pelo programa”, alerta Hêider.
“Depois de terem por mais de três anos médicos perto de suas casas, de segunda a sexta, essas 7,7 milhões de pessoas voltaram a não ter a quem recorrer”, observa. “Um retrocesso inaceitável.”
Hêider Pinto é médico sanitarista. Coordenou o Mais Médicos no governo Dilma de 2014 a 2016.
Viomundo – Por que Ricardo Barros ataca tanto o Mais Médicos?
Hêider Pinto — Não há nenhuma justificativa técnica que recomende desmontar um programa tão exitoso.
Só motivos ideológicos e compromissos assumidos com a parte mais atrasada e xenófoba da corporação médica explicam um governo reprovado por 90% dos brasileiros querer acabar com um programa aprovado por mais 90% dos usuários.
Viomundo – Há uns dois anos a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou uma pesquisa, mostrando que mais de 90% dos usuários aprovavam o programa e que gostavam muito dos médicos cubanos. Outros estudos confirmam isso?
Hêider Pinto – Dezenas de pesquisas científicas e estudos publicados no Brasil corroboram a avaliação inicial, além do crescente reconhecimento lá fora.
Por exemplo, a ONU reconhece o Mais Médicos como “prática relevante” para o alcance dos “objetivos do milênio”.
Relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e diversos estudos mostram aumento do acesso e da oferta de consultas à população.
Há também pesquisas atestando a melhoria da qualidade do atendimento, alta satisfação dos usuários e melhoria dos indicadores de saúde.
Viomundo – Quantas pessoas têm acesso ao Mais Médicos e em quantos municípios?
Hêider Pinto — O programa chegou a ter 18.240 médicos, garantindo acesso a 63 milhões de brasileiros em 4.058 municípios.
Mas hoje a sua abrangência é menor. Progressiva e silenciosamente ele vem sendo reduzido.
Uma análise minuciosa dos sistemas do próprio Ministério, incluindo o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), mostra que o número de médicos no programa não chega a 16 mil e o de municípios já é inferior a 3.800.
Viomundo – O que representa essa diminuição?
Hêider Pinto – Depois de contar por mais de três anos com médicos perto de suas casas, de segunda a sexta, 7,7 milhões de pessoas deixaram de ser atendidas. Um retrocesso inaceitável, pois elas voltaram a não ter a quem recorrer.
Viomundo – Que sinais comprovam o desmonte?
Hêider Pinto – Como você bem sabe, o ministro critica e ataca o programa antes mesmo de assumir como interino.
Quanto aos sinais do desmonte, eles são muitos. Citarei apenas algumas ações concretas que golpeiam o coração do programa.
Por exemplo:
1) Acabou com a bonificação nas provas de residência médica que era dada aos médicos brasileiros que atuavam no Programa, reduzindo o interesse deles em participar. Um incentivo que era solicitado por 2 em cada 3 médicos brasileiros que participavam do Programa.
2) Interrompeu bruscamente e de maneira absurda a ampliação de vagas de residência médica para formar a quantidade de especialistas que a população precisa.
3) Interrompeu também a abertura de vagas de medicina em universidades públicas.
4) Ao mesmo tempo, começou a liberar, sem critério, vagas em escolas privadas em cidades que já têm muitos médicos.
5) Decidiu substituir médicos cubanos que atuavam em áreas que os brasileiros não querem ir, deixando muitas comunidades sem médicos.
Viomundo – Mas nesse ponto ele deu com os burros n’água. Até passou atestado em palestra recente na Câmara Municipal de Curitiba, ao falar da desistência dos médicos brasileiros e atuação dos cubanos (veja PS do Viomundo). Te surpreendeu tamanha desistência?
Hêider Pinto – Claro que não. Desde o início, os estudos mostravam que os médicos brasileiros não iriam querer atuar nas áreas mais pobres e mais remotas.
Inclusive, o Viomundo publicou matéria que explicava o erro de se tentar substituir os médicos cubanos pelos brasileiros nessas áreas.
Os opositores do programa diziam que nós estávamos preterindo os brasileiros em relação aos cubanos. Isso nunca foi verdade. A lei deixa muita clara a prioridade dos brasileiros. Onde eles não estavam, é porque não tinham querido ir e, pelo que vimos, seguem não querendo.
Resultado: entre os estudos e o factoide político, o governo ilegítimo ficou com o segundo e o resultado está aí.
Viomundo – E, agora?
Hêider Pinto – Agora, mais de 7 milhões de pessoas estão sem médico cubano e sem médico brasileiro.
Vão ter que recorrer a um pronto socorro, às vezes na cidade vizinha, ou ficarão um tempão na fila, sofrendo até conseguir atendimento. Isso sem falar que a sua situação de saúde poderá piorar muito. Um retrocesso e absurdo inaceitável!
Viomundo – Que outras ações concretas do ministro Ricardo Barros golpeiam o coração do Mais Médicos?
Hêider Pinto — Até o pagamento dos médicos brasileiros começou a atrasar agora, o que desmotiva a participação no programa.
Viomundo – A responsabilidade pelo atraso no pagamento é do Ministério ou dos prefeitos?
Hêider Pinto — Do Ministério da Saúde. É o órgão que deposita na conta do médico a bolsa mensal. Hoje, 3 de abril de 2017, sequer a de fevereiro havia sido paga.
Viomundo – Qual o mais novo golpe do ministro da Saúde contra o programa?
Hêider Pinto — Foi quarta-feira passada (29/03). Foi publicada uma portaria que faz com que os recursos do Mais Médicos, que eram gastos obrigatórios virem discricionários, ou seja, podem ser cortados.
Viomundo – Mas essa portaria foi assinada pelo ministro do Planejamento…
Hêider Pinto – Mas tem o aval do Ministério da Saúde. É ele que sugere o que fica obrigatório e o que fica discricionário.
“Coincidentemente” na mesma semana em que o governo apresentou os novos números para o contingenciamento e anunciou que fará cortes ainda mais radicais e absurdos no orçamento, atingindo as políticas sociais e a saúde.
Viomundo — Representa quanto em recursos?
Hêider Pinto — Essa portaria tira a obrigatoriedade de destinação de R$ 3,3 bilhões para custeio do Mais Médicos.
Antes dessa mudança casuísta e oportunista, esse recurso não podia ser cortado, justamente porque os recursos do Mais Médicos e da Atenção Básica são prioridade, já que são essenciais à saúde da população.
Com a mudança, poderá ser cortado. E lhe digo mais: no caso do Mais Médicos, será cortado.
Eles não usarão os R$ 3,3 bilhões previstos, até porque o número de médicos do programa está sendo reduzido.
Em compensação, pode ter certeza: recursos para alguns estados, como o Paraná, publicidade e projetos de tecnologia de informação, que são prioridade do ministro, não serão cortados.
Viomundo – Logo no início, você disse que o programa chegou a ter 18.240 médicos. Hoje, tem menos de 16 mil. Por quê?
Hêider Pinto — Eu apontaria três causas. De um lado, o programa não é mais prioridade e o governo só não acaba de vez com o Mais Médicos porque sofreria muita pressão política, então resolveu ir matando aos poucos.
Lembremos que o ministro disse que o programa era provisório e que garantir médicos nos municípios era problema dos prefeitos e não do governo federal.
Então, sai um médico cubano de um município e o governo simplesmente não coloca outro no lugar.
Ao mesmo tempo, retira incentivos para os médicos brasileiros e atrasa os pagamentos, desmotivando-os.
De outro, há decisões equivocadas tomadas contra todas as recomendações de estudos de posse do próprio Ministério. Uma delas fez o ministro passar atestado em Curitiba: que os médicos brasileiros não estavam querendo atuar nas áreas mais pobres e mais remotas, como fazem os cubanos.
Viomundo – E, agora?
Hêider Pinto — Eu recomendo a todas essas comunidades que conquistaram a assistência com oMais Médicos e, agora, estão desassistidas que protestem, que façam muito barulho e denunciem mais esse absurdo desse governo de desmonte dos direitos e conquistas sociais.
PS do Viomundo: Em 13 de março, em palestra na Câmara Municipal de Curitiba, disse:
Fizemos agora uma chamada, para brasileiros, e 8.700 compareceram para 1.400 vagas, sinal de que temos brasileiros no mercado pra ocupar. Chamados esses 1.400, 600 já não querem, passam, mas chegam lá e ‘não dá pra reduzir a carga horária’, ‘não dá pra não trabalhar?’ E não é possível.Por isso que o povo gosta do cubano. O cubano vai lá, fica das oito às seis da tarde, sábado e domingo, come churrasco com a turma, fica o dia inteiro à disposição da população, é esse o tratamento diferenciado que faz com que a aprovação do programa Mais Médicos seja 95%.
A palestra teve duração de 46 minutos. O trecho em que Ricardo Barros se refere aos médicos brasileiros e cubanos começa aos 26min31 e vai até 27min18. Confira no vídeo abaixo.
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Marcos Imperial