Via Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País.
o País
"Há momentos em que as notícias do grande desastre chegam fragmentadas e achamos que ele pode não ser tão grande. Que estamos exagerando, cedendo ao pessimismo. Há momentos, como netas últimas horas, em que os desastres chegam aos borbotões e não deixam dúvidas sobre o quanto o Brasil está sendo jogado para trás, explicitando a velocidade com que estamos sendo empurrados para o passado", diz a colunista Tereza Cruvinel, que lembra o desmonte das garantias sociais, o loteamento da Funai, as agressões aos povos indígenas, os ônibus incendiados no Rio de Janeiro e até mesmo um projeto que restabelece a escravidão no campo; "A marcha para trás, entretanto, não é apresentada como tal pelas grandes grupos de mídia, onde não há mais contraditório ao pensamento hegemônico".
Há momentos em que as notícias
do grande desastre chegam fragmentadas e achamos que ele pode não ser tão
grande. Que estamos exagerando, cedendo ao pessimismo. Há momentos, como netas
últimas horas, em que os desastres chegam aos borbotões e não deixam
dúvidas sobre o quanto o Brasil está sendo jogado para trás,
explicitando a velocidade com que estamos sendo empurrados para o
passado, num despojamento contínuo de conquistas civilizatórias, soberania,
direitos e respeitos devidos numa sociedade que se quer minimamente democrática
e humanista. A vertigem trazida pela percepção do desastre só deixa duas
escolhas: entregar-se ou resistir.
Alguém dirá que a palavra resistência é inadequada a isso que o Brasil vive sob
Temer. Que historicamente ela define o conjunto de ações do grupos e
indivíduos que, em diferentes momentos da história do mundo, opuseram-se
a ditaduras, tiranias e totalitarismos, Resistência houve à dominação dos
mongóis sanguinários de Gengis Khan e às ditaduras sul-americanas, passando
pelo nazi-fascismo e pelo Apartheid. Mas é exatamente a natureza
singular da tirania Temer que torna a resistência necessária e ao mesmo tempo
mais difícil, mais complexa. Aparentemente as instituições funcionam,
ainda não viramos uma ditadura completa, mas o governo está rompido com a
população. Vangloria-se de ser impopular para tomar medidas amargas,
sintonizado com as elites financeiras locais e globais.
Quando reunidas, as notícias mais recentes do retrocesso não deixam
dúvidas de que ele se aprofunda e se agrava. O Brasil é um carrossel desgovernado
dentro de um túnel, no final do qual há um buraco negro. Nele mergulharemos se
nada for feito. Nas últimas horas, sem falar no fracasso econômico, no
desemprego e no desmonte do Estado, a rota da involução trouxe fatos
graves que as mídias grandes minimizaram. Ou relevaram.
1) A resistência possível
realizou uma greve geral na sexta-feira, 28, contra as reformas trabalhista e
previdenciária. A mídia a tratou com desdém, o governo com falsa indiferença.
Dela restam agora três presos políticos, militantes do MTST. Agravante.
Guilherme Boulos, líder do movimento, denuncia que a juíza responsável pela
prisão é frequentadora de atos promovidos pelo MBL e Vem Prá Rua, organizações
que lideraram protestos a favor do golpe/do impeachment.
2) Apesar da greve, dos
protestos no Primeiro de Maio, de ser aprovado por apenas 4% da
população, e de 85% pedirem sua saída e a realização de eleições presidenciais
diretas, Temer segue implementando uma agenda que não passou pelas urnas. A
greve inibiu alguns parlamentares governistas, que querem adiar a votação da
reforma previdenciária na comissão especial. Temer, porém, exige que ela ocorra
amanhã. Hoje, demitiu de seus cargos pessoas indicadas pelos que votaram contra
a reforma trabalhista. O Congresso foi reduzido a um mero o rolo compressor do
governo em favor de sua agenda.
3) Diante do desmonte da Funai
e dos seguidos sinais de descaso do governo para com os índios, eles foram
duramente reprimidos na porta do Congresso na semana passada. E no sábado,
jagunços de fazendeiros invadiram a aldeia do povo Gamela, no Maranhã. São 13
os feridos, sendo que dois tiveram as mãos decepadas. Quando os de cima flertam
com a a barbárie, ela acontece.
4) Radicalizando com a
precarização do trabalho contida na reforma aprovada pela Câmara, o PSDB, que
conserva no nome a etiqueta de social-democrata, através de seu deputado Nilson
Leitão propõe agora a volta ao feudalismo no campo. Os trabalhadores poderão
ser pagos não só em dinheiro, mas também com moradia, produtos alimentícios
ou de outros gêneros. E poderão trabalhar até 12 horas po dia, com
intermitências fixadas pelo patrão. Este escambo, sabemos ao que leva: ao
trabalho análogo ao escravo, em que o trabalhador estará sempre devendo no
balcão da fazenda, não podendo nunca ir embora.
5) Vamos para outra frente, a
do Estado de Direito. Justamente no dia em que o STF deveria julgar o pedido de
Habeas Corpus de um preso da Lava Jato (não importa que ele se chame José
Dirceu ou tenha outro nome), o Ministério Público apresenta nova denúncia
contra ele para evitar o relaxamento da prisão preventiva já por demais
alongada. Condenado, Dirceu não teve seus recursos julgados pela segunda
instância. Quando assim age, o Ministério Público manipula o sistema
jurídico para a satisfação de convicções e desejos. Abusa do poder e cruza a
linha do Estado de Direito.
6) Voltemos à população e a
seus sentimentos diante do desastre. Segundo o mesmo Datafolha, nunca houve
tantos brasileiros com vergonha do país que têm: são 34%, o maior índice
já obtido pela série. Os que sentem mais orgulho que vergonha são 63%, o
indicador mais baixo da série.
7) No Rio, a violência explodiu
novamente nesta madrugada, com incêndios de ônibus, engarrafamentos e caos
urbano. A crise acirra as disputas territoriais entre grupos de traficantes e a
população paga o pato.
A marcha para trás, entretanto,
não é apresentada como tal pelas grandes grupos de mídia, onde não há mais
contraditório ao pensamento hegemônico. As reformas são “modernizantes” e o
governo é “reformador”. Temer já disse não ter cometido um só erro, pelo contrário,
acha que só tomou medidas “corretas e corajosas”. O povo é que deve ser
estúpido quando não lhe reconhece estes méritos, quando 91% dizem achar que o
país está no rumo errado. Mas, embora 85% queiram eleições diretas e não
queiram este governo, a resistência que se faz nas ruas ainda não expressa esta
formidável maioria. E por isso eles seguem impondo a agenda e aumentando a
velocidade do trem do retrocesso.
Enquanto isso, uma parte do Brasil distrai-se com uma suposta polarização entre
“petralhas” e “coxinhas”, ou entre petistas e não-petistas, como se o fato de
discordar do que está sendo feito significasse alinhamento com o PT. Aliás,
isso começou bem lá atrás, quando qualquer um, inclusive na mídia, que não se
filiasse ao antipetismo era carimbado como petista. A estratégias de dividir o
país deu certo e facilitou o golpe e a imposição da agenda da regressão, que
atingirá a todos. Por isso, na direita, alguns dos mais lúcidos já corrigem o
discurso.
Há neste momento um descompasso entre sentimento e resistência. É preciso
aprender a resistir, seja marchando nas ruas ou conversando com o vizinho.
Eu pensava nisso quando caiu-me nas mãos “A resistência”, o livro esplêndido de
Julián Fucs, que remonta a outros tempo e a outra ditadura, a da Argentina. Mas
no capítulo 26 ele fala com tanta precisão e beleza sobre esta angústia diante
da necessidade e da dificuldade em resistir, em qualquer tempo a qualquer tipo
de tirania que resolvo aqui compartilhar um trecho.
“É preciso aprender a resistir. Nem ir, nem ficar. Aprender a resistir”. E
adiante. “Resistir: quanto em resistir é aceitar impávido a desgraça,
transigir com a destruição cotidiana, tolerar a ruína dos próximos? Resistir
será aguentar em pé a queda dos outros, e até quando, até que as pernas
próprias desabem? Resistir será lutar apesar da óbvia derrota, gritar apesar da
rouquidão da voz, agir apesar da rouquidão da vontade. É preciso aprender
a resistir, mas resistir nunca será se entregar a uma sorte já lançada,
nunca será se curvar a um futuro inevitável. Quanto do aprender a resistir não
será aprender a perguntar-se?”
Perguntemos, pois, por quê, para quê e para quem tanto mal está sendo feito ao
Brasil neste momento.
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Marcos Imperial