segunda-feira, 19 de junho de 2017

Ariano, o sertão encantado

Talvez seja a hora, aproveitando esses noventa anos, de revisitarmos o mestre Ariano, de voltarmos à sua obra em busca do Brasil real
Talvez seja a hora, aproveitando esses noventa anos, de revisitarmos o mestre Ariano, de voltarmos à sua obra em busca do Brasil real
Ariano Suassuna completaria nesta sexta-feira (16) noventa anos. O homem que desencantou o sertão para que os nossos olhos pudessem enxergá-lo dizia ter “duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho”. Com essas armas ele enfrentava a “dura e fascinante tarefa de viver”.

Por Joan Edesson Oliveira

Enquanto viveu, Ariano montou o riso e galopou o sonho. Menino, viu a sua frente um sertão encantado, misterioso, imerso nas brumas do sonho e com a companhia constante da morte, a moça Caetana cantada por ele, tão presente em sua vida desde o assassinato do pai, João Suassuna.

Pois Ariano cismou de desencantar o sertão, e fez disso a razão de seu viver. Nesse processo, que ele fez com maestria, nunca soubemos direito quando ele nos apresentava o sertão desencantado ou quando ele encantava a todos nós com esse sertão. Ariano partiu do sertão para realizar a guerra da sua vida, que ele travou até quando nos deixou, a defesa da cultura brasileira.

Essa guerra atraiu uma legião de admiradores, espalhados por todos os cantos do país, mas lhe rendeu também adversários encarniçados, que lhe fustigavam quase sempre pelos flancos, temerosos de lhe enfrentar olho no olho. A acusação mais corrente que lhe fizeram, provavelmente, foi a de purista, de pretender uma cultura brasileira intocada. A esta acusação ele respondeu com a firmeza de sempre: “Já me disseram que eu quero colocar a cultura brasileira dentro de uma redoma de vidro pra que ela não se contamine, e isso é bobagem. Sou a favor da diversidade cultural brasileira. Só não admito é a influência de uma arte americana de segunda classe”.

Magro, alto, os ralos cabelos brancos, vê-lo na sua aula-espetáculo era como ver Dom Quixote, brandindo a sua indignação contra a massificação cultural e manejando o humor com refinada habilidade, a ponto de arrancar risos das numerosas plateias que se aglomeravam em todos os cantos durante uma, duas horas seguidas, sem dar sinais de cansaço. Ele próprio dizia que a diferença entre os dois era que Quixote lutava contra gigantes imaginários, e os gigantes contra os quais ele se batia eram reais, inimigos da cultura e da nação.

O homem que peregrinou praticamente por todos os rincões do nosso território, numa pregação quase mística em defesa da cultura brasileira, findou por deixar meio escondido muito dele próprio. O sucesso do “Auto da Compadecida”, provavelmente a sua obra mais conhecida, deixou em segundo plano a grandiosidade do “Romance da Pedra do Reino”, por exemplo, um clássico grandiloquente sobre o Brasil e sua cultura. Considero que Pedro Quaderna tinha muito mais identidade com Ariano do que Chicó e João Grilo, seus personagens mais famosos. Sua poesia, de lirismo cortante como pouco visto na nossa literatura, ficou praticamente esquecida.

Talvez seja a hora, aproveitando esses noventa anos, de revisitarmos o mestre Ariano, de voltarmos à sua obra em busca do Brasil real, bem distante do que a massificação que ele combatia nos apresenta. E devemos compreender que Ariano foi um dos nossos maiores escritores, o que significa que foi também um dos nossos mais talentosos mentirosos. Afinal, foi ele mesmo quem afirmou que “os mentirosos são parecidos com os escritores que, inconformados com a realidade, inventam outras”.

Leia dois poemas de Ariano: 

Aqui morava um rei

"Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão, 
Pedra da Sorte sobre meu Destino, 
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino, 
Quando ao som da viola e do bordão, 
Cantava com voz rouca, o Desatino, 
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado."


Lápide

Com tema de Virgílio, o Latino, 
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo 
nas pedras do meu Pasto incendiado: 
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado, 
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo 
numa Sela de couro esverdeado, 
que arraste pelo Chão pedroso e pardo 
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido, 
tropel de cascos, sangue do Castanho, 
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho, 

à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo.


Especial para o Vermelho

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Marcos Imperial

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