Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País. Colunista do 247.
O bloco político que hoje manda no
Congresso já se entendeu e parece mesmo disposto a aprovar uma mudança drástica
no sistema eleitoral, trocando o modelo proporcional em vigor pelo tal “distritão”, um sistema tosco, rejeitado pelas melhores
democracias do mundo e adotado apenas pelo Afeganistão e a Jordânia. O que eles
querem com isso? Primeiro, garantir a reeleição dos atuais deputados, apesar
dos arranhões da Lava Jato e das escaras produzidas pela adesão ao golpe e ao
governo impopular de Michel Temer. Depois, facilitar a distribuição dos
recursos do Fundo Partidário, que será turbinado para compensar o fim das
doações empresariais (embora saibamos que por baixo do pano o caixa dois ainda
vai respirar. Quem vai perder com isso? O eleitor e a qualidade da
representação. A banda pobre terá uma sobrevivência elevada e a renovação não
corresponderá à decepção atual do povo brasileiro com seus representantes.
Mas
para entender a mudança e seus efeitos, é preciso primeiro compreender o
sistema proporcional hoje em vigor, que tem os seus defeitos mas tem a virtude
de aproveitar ao máximo os votos dos eleitores. Hoje, para ser eleito, o
candidato não depende apenas dos votos que recebe mas, também, dos votos dados
ao seu partido ou coligação. Este total de votos de um partido é que determina
quantas cadeiras ele terá na Câmara. E fixado este número, as cadeiras são
garantidas aos mais votados da legenda. Por isso acontece de, às vezes, um
candidato ser nominalmente muito bem votado mas ficar de fora, porque seu
partido não alcançou o quociente eleitoral (numero total de votos dividido pelo
numero de cadeiras em disputa). E ocorre também, em sentido contrário, de um
candidato ter poucos votos mas acabar sendo eleito com as “sobras” de seu
partido ou coligação. Foi o que aconteceu no caso de Tiririca, que obtendo 1,3
milhão de votos, carregou para a Câmara outros três candidatos menos votados de
seu partido. É uma distorção mas ela também significa que todos os votos foram
aproveitados. Posso votar em A e ajudar a eleger B, no pressuposto de que sendo
do mesmo partido, eles têm os mesmos compromissos programáticos. Na prática,
sabemos que não é assim, porque os partidos no Brasil são aglomerados com pouca
unidade ideológica.
Os
grandes partidos nunca quiseram mudar o sistema. Em tentativas anteriores de
reforma política, fulminaram a proposta de “voto em lista fechada”, defendida
pelo PT e outros partidos de esquerda, um sistema que fortalece o partido e seu
programa. Os eleitores votam na lista e, calculado o número de cadeiras tocante
ao partido, os eleitos são escolhidos segundo a ordem na lista, de cima para
baixo. Isso fortalece os caciques, dizem os críticos. Mas isso fortalece também
a identidade dos eleitores com os partidos e facilita a distribuição dos
recursos do fundo partidário no financiamento público de campanhas.
Agora,
com a derrocada da confiança nos políticos e nos partidos de modo geral, e os
da base governista contaminados pela impopularidade de Temer, ressurgiu o
distritão, que tem exatamente em Temer seu mais antigo defensor. Trata-se de um
sistema em que são eleitos deputados (federais e estaduais), em cada estado, os
candidatos que forem individualmente mais votados. É como se o estado virasse
um grande distrito no qual ocorre uma disputa majoritária. O voto no partido,
ou a sobra dos votos dos menos votados, vão para o lixo.
Eunício
Oliveira, presidente do Senado, está nos jornais explicando que o modelo
servirá como transição para a adoção do sistema distrital misto em 2022. Este
também é um sistema com defeitos e virtudes mas não vamos examiná-lo agora,
pois não está em pauta. O distritão é que precisa ser compreendido como manobra
da maioria decadente para sobreviver, numa eleição em que serão julgados pelo
golpe de 2016 contra Dilma, pela sustentação imoral de Temer, pelo apoio a
reformas que retiram direitos, por tudo o que fizeram numa legislatura em que
ficaram o tempo todo de costas para o povo.
É
simples de compreender.
1. Com o distritão, os políticos que já
têm mandato, e logo são mais conhecidos do eleitorado, tendem a ser mais
votados que os desconhecidos. Isso favorece os atuais parlamentares, por mais
desmoralizados que estejam, reduzindo a taxa de renovação das bancadas.
2. Representantes de minorias, ou
deputados temáticos, por exemplo, terão chances reduzidas de se elegerem.
3. Como cada um fará campanha em seu
próprio nome, os partidos ficarão em segundo plano, podendo até ser omitidos do
eleitor. Enfraquecer os partidos é uma aposta ruim para a democracia. Obriga os
governos a negociar com indivíduos, e não com siglas. É adubo no fisiologismo.
4. O sistema também favorece os
candidatos ricos. A campanha terá que ser feita em todo o estado, exigindo recursos
que candidatos de origem econômica inferior não terão. Ninguém tenha a ilusão
de que as campanhas serão bancadas apenas pelo fundo partidário. Serão
utilizados recursos próprios e doações ocultas, pelo caixa dois, agora com mais
profissionalismo, e evitando relações diretas com empresas públicas.
5. O numero de candidatos deve cair
mesmo, como dizem os defensores do sistema, mas a qualidade do debate político
também irá para o rés do chão. Não serão debatidos projetos para o país ou
compromissos partidários e programáticos. Cada candidato será um mascate de
suas próprias qualidades e virtudes.
6. Haverá também uma indução ao
eleitor, no sentido de não “desperdiçar” seu voto destinando-o a um bom
candidato mas com poucas chances de figurar entre os mais votados. Para
“aproveitar” o voto, o eleitor será induzido a uma espécie de voto útil, na
verdade inútil, votando em candidatos bem posicionados, embora não tão bem
intencionados.
Com
todos os seus defeitos, hoje, no sistema proporcional, como votamos em partidos
e coligações, quase todos os votos são aproveitados. Só se perdem aqueles dados
a partidos que não elegeram ninguém. E isso contribui para garantir um maior
equilíbrio na representação, pelo menos teoricamente.
No
distritão que planejam nos impingir, não há dúvida. A banda podre do Congresso
conseguirá sobreviver e a renovação da Câmara não corresponderá à grande
decepção do povo brasileiro com seus atuais representantes.
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Marcos Imperial