
Por Grazielle David
No Outras Palavras
Depois de sucessivas desilusões, eis
que surge uma esperança, jurídica, para o financiamento da Saúde Pública: a
restituição dos royalties do petróleo como recurso financeiro adicional, por
decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 5.595. Processo
foi liberado na Terça (12) para pauta no plenário do STF.
Breve histórico do financiamento da saúde
pública
Quando da promulgação da Constituição
em 1988, no artigo que menciona que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, os constituintes “esqueceram” de dizer de onde viria o dinheiro. Em uma
busca constante e incansável de financiamento adequado, apoiadores do SUS foram
ao Legislativo e ao Judiciário para salvar não apenas o Sistema Único de Saude,
mas a vida dos milhões de brasileiros.
Somente após doze anos, uma primeira
vitória parecia surgir no horizonte. A Emenda Constitucional no 29/2000
iniciou o processo para garantir um valor mínimo a ser aplicado em ações e
serviços públicos de saúde. Porém, ela descreveu apenas de onde o dinheiro deveria
vir, no caso dos estados e municípios, mas não o valor. No que diz respeito à
União foi pior: uma nova lei teria que ser editada. Assim, a busca do SUS por
um financiamento adequado, progressivo e justo permaneceu. Foram necessários
mais doze anos para que a Lei Complementar 141/2012 fosse aprovada. Ali,
finalmente, as fontes e porcentagens de recursos foram estipuladas.
Leia mais:
A luz da esperança para o
financiamento mais progressivo para o SUS ganhou brilho no ano seguinte com a
Lei no 12.858/2013. Pela primeira vez, ela vinculou parte dos recursos
auferidos (os royalties) com a exploração de petróleo e gás natural
aos gastos sociais do Estado. A regra vale para os contratos de exploração
firmados a partir de dezembro de 2012, sob os regimes de concessão, de cessão
onerosa e de partilha de produção, exploradas em plataforma. Nestes casos, 25%
dos royalties destinam-se à Saúde e 75% à Educação.
Porém, essa luz durou pouquíssimo
tempo. Em 2015, no âmbito do “ajuste fiscal” iniciado pelo governo Dilma, o
Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86. As esperanças de um financiamento
mais adequado para o SUS foram pelo ralo. A garantia de que 15% da Receita
Corrente Líquida (RCL) da União seriam destinados à Saúde Pública foi
escalonada ao longo de 5 anos. Pior: os royalties do petróleo – que a princípio
seriam uma receita adicional ao sistema – foram transformados
em uma das fontes para chegar aos mesmos 15%. Ainda assim, era uma
receita pequena, mas com grande potencial de crescimento.
O resultado foi uma aplicação baixa
em saúde para o ano de 2016. Nesse momento, mais uma vez os defensores do SUS1 foram
buscar ao Judiciário a defesa de recursos financeiros apropriados. Protocolaram
a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI — 5.595. Há poucas semanas, em 31
de agosto, veio um sinal de vitória. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo
Tribunal Federal (STF) deferiu medida liminar suspendendo os efeitos de artigos
da Emenda Constitucional (EC) 86, que tratavam do escalonamento e inserção dos
royalties no cálculo do mínimo a ser aplicado em saúde. A liminar foi emitida
para evitar que o orçamento de 2018 para a saúde seja elaborado com recursos
inferiores e para que o valor devido seja restituído em 2017, de acordo com
artigo 25 da Lei Complementar 141.
Os efeitos da liminar na ADI 5.595
Com a suspensão dos artigos 2º e 3º
da Emenda Constitucional 86, por meio da liminar, prevalece o artigo 1º. A
União passa a ter que aplicar em saúde 15% de sua Receita Corrente
Líquida, mais os royalties do petróleo, como recurso adicional.
Ocorre que isso teria que valer desde quando a EC 86 passou a vigorar, tendo
efeito no valor que foi aplicado em saúde em 2016. O valor que havia sido
aplicado, correspondente a 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL), saltaria
para 15% da RCL – mais os 25% dos royalties do petróleo, obtidos
contratos firmados a partir de dezembro 2012. Significa que, só em 2016, deverá
ocorreu uma complementação de R$ 2,52 bilhões ao orçamento da Saúde.
Ao invés de R$ 105,85 bilhões, o setor passará a receber R$ 108,38 bi.
Para 2017 o orçamento do SUS deverá
também ser complementado, de forma adicional, com os 25% dos royalties do
petróleo. Isso representa R$ 21 milhões a mais a ser investidos em
Saúde em 2017, conforme apurado em 09/09/17 no Portal Siga Brasil. O valor
ainda pode aumentar, até o fim do ano.
Vale ressaltar a potencialidade que
os royalties do petróleo representam para a Saúde, como um recurso adicional ao
longo dos anos: de R$ 7,2 milhões em 2016, passa-se a R$ 21 milhões em 2017 —
um crescimento de 192% em apenas um ano.
De volta à perversidade do “Teto dos
Gastos”
Entretanto, assim como ocorreu em
toda a história do financiamento do SUS e de todas as políticas públicas
promotoras de direito, existe o risco de a liminar ter seu brilho ofuscado. E
isso pode ocorrer devido à EC 95.
Como existe um limite para os gastos
sociais, um aumento nos recursos para a Saúde, com o adicional dos royalties,
pode representar menos recursos ainda para outras políticas públicas
essenciais. A questão é que a saúde das pessoas é extremamente influenciada por
diversos outros setores, como saneamento básico, habitação, acesso à água
potável, educação. O resultado é que o “teto dos gastos” pode inviabilizar a
melhora da saúde da população por cortar recursos financeiros para outras
políticas, mesmo com mais recursos direcionados ao SUS. Essa questão foi
inclusive tratada pelo ministro Lewandowsky. Diz ele, em sua liminar:
“alterações que impliquem retrocesso no estágio de proteção dos direitos e
garantias fundamentais não são admissíveis, ainda que a pretexto de limites
orçamentário-financeiros”, em consonância com o princípio de não retrocesso
social. Isso quer dizer que, a cada avanço na proteção dos direitos, não é
possível voltar atrás, inclusive no seu financiamento, mesmo com a
justificativa de dificuldades financeiras.
Uma forma de garantir um adequado
financiamento do SUS, sem afetar outras políticas públicas, seria a ministra do
STF, Rosa Weber, declarar inconstitucional o teto para saúde e educação. Ela
tem a oportunidade de fazê-lo por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 5.658, da qual é relatora. Ainda mais adequada seria a revogação da EC
95, por sua inviabilidade técnica e humanitária.
Será outro passo importantíssimo. No momento, considerando que em 12 de
setembro o processo da ADI 5595 foi liberado para entrar na pauta do plenário
do STF2,
é essencial agir em defesa da liminar. Há uma brecha, finalmente, para defender
que os direitos sociais não podem retroagir e garantir um financiamento mais
adequado à Saúde.
1Importante destacar entidades da reforma sanitária
como CEBES, ABRASCO, ABRES, IDISA, outras; Conselho Nacional de Saúde, em nome
do Francisco Funcia; acadêmicos; técnicos do Executivo, em nome da Fabíola
Vieira e Rodrigo Benevides; membros do judiciário, MP, TC, em nome da Dra.
Élida Graziane; indivíduos e membros de movimentos sociais e organizações
da sociedade civil; e especialmente trabalhadores e usuários do SUS.
2Informação publicada no artigo de 12/09/17 da Dra.
Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de SP, que
trata dos argumentos jurídicos em defesa da liminar cedida na ADI 5595.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-set-12/contas-vista-stf-reconhece-direito-custeio-adequado-direitos-adi-5595
Via https://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/10775-uma-brecha-para-salvar-o-sus
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