quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

E se eu fizesse um filme? A tecnologia a serviço da identidade

Revolução tecnológica
O ato de filmar e veicular ideias já não é exclusividade dos abastados

Assim dizia o e-mail recebido: Boa tarde! Peço, por favor, que selecione o meu filme. Foi a forma que encontrei para expressar o enorme carinho que sinto pela minha galinha. Infelizmente, ela acaba de falecer. Sentirei falta dos beijinhos que me dava. Tenha a bondade de incluir no festival. Seria muito importante para mim.


Ser curador de festival de cinema tem dessas. Em meio ao cansaço de assistir a tantos filmes – em geral, mais de seiscentos curtas-metragens brasileiros anualmente -, surgem algumas pérolas. E, risadas à parte (um curador não deve rir, me perdoe, sou fraco), a obra-homenagem à galinha me fez pensar.
Afinal, que força é essa que faz uma senhora de meia-idade, perdida no interior do Brasil, somar a saudade de sua ave com a capacidade da câmera de seu celular, e concluir: e se eu fizesse um filme? E se o enviasse a um festival para compartilhar o meu sentimento? Em outras palavras: e se eu tivesse voz? E se eu tivesse imagem?
A última década assistiu a uma revolução tecnológica na captação e compartilhamento de imagens: embora o cinema comercial continue sendo brincadeira cara (e restritiva), o ato de filmar e veicular ideias já não é exclusividade dos abastados. Com celulares à mão e acesso às redes sociais, criar e distribuir vídeos tornou-se uma realidade de alcance sensivelmente superior ao proporcionado pelas salas de cinema.
A história da galinha, por mais inocente que seja, é apenas o suspiro cômico de uma nova e relevante realidade política: segmentos sociais marginalizados estão saindo das periferias do capital (de aldeias a favelas) para autonomizar a própria existência nas telas, refletindo a singularidade de seus indivíduos através da produção de imagens.
A linguagem dos membros invisíveis da sociedade, antes sufocada pela erudição da academia, pela falta de recursos, pelas bombas da polícia ou pela sombra de exclusão, hoje encontram, ao menos, uma válvula de escape: a não-dependência de agentes externos (filmes, propagandas, o que for) para construir a própria imagem.

Nos videoclipes, nos curtas-metragens, nos registros do microcosmo social, a possibilidade de pensar a identidade pessoal para então se expor nas vitrines da sociedade - saindo da posição de consumidor para a de produtor -  é avanço substancial no jogo cultural e político. Será esta, arrisco, uma das arenas principais de batalha na qual a política brasileira definirá seus rumos em 2018.
Claro, vale a ressalva: da mesma maneira em que a democratização dos meios tecnológicos serve aos discursos de resistência, também abrem-se espaços aos discurso de ódio e aos mecanismos de controle da sociedade. Nenhuma crítica ou temor, no entanto, pode ser submetido à radicalidade tamanha que sufoque o potencial emancipatório desses novos tempos.
Otimismo, afinal, não é sempre fruto de ingenuidade ou alienação; muitas vezes é também inverter as perspectivas usuais de análise e reconhecer as oportunidades que se abrem em meio ao abismo.
Ao invés de apenas desânimo, que o próximo ano seja também um espaço de luta e emergência de novos grupos, novos agentes sociais cuja existência (real e simbólica) é fundamental para a saúde da democracia e seu princípio de pluralidade.
Vamos ver no que vai dar. Que venha 2018. 
https://www.cartacapital.com.br/cultura/e-se-eu-fizesse-um-filme-a-tecnologia-e-a-contrucao-da-propria-imagem

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Marcos Imperial

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