sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Galo Preto: o mestre do coco no nordeste

(Foto: Marcelo Santos Braga)
Galo Preto já cantou com Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Arlindo dos Oito Baixos, dentre outros ícones da cultura popular e tradicional da região
Por Eduardo Sá
Fotos de Marcelo Santos Braga
Arte de Alexandre Oliveira 

De origem quilombola do agreste pernambucano, Tomás Aquino Leão, mais conhecido por Galo Preto, é um dos mestres do coco nordestino. Desde os 8 anos imitava os emboladores da região já ensaiando suas rimas de improviso, mas só aos 81 anos teve oportunidade de gravar seu primeiro CD no ano de 2016. É um patrimônio cultural do Estado quando se trata de coco, repente e embolada. Já cantou com Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Arlindo dos Oito Baixos, dentre outros ícones da cultura popular e tradicional da região, e participou de programas de televisão como os do Chacrinha e do Silvio Santos.
Apesar da conquista e felicidade pela gravação de sua primeira obra, por outro lado o músico se entristece pelo fato de não ter recebido apoio através de políticas públicas e dos responsáveis pela cultura popular brasileira. Seu disco Histórias que andei foi contemplado no edital Rumo Itaú Cultural, e reúne 12 composições suas com arranjos de pandeiro e sanfona. Já tinha participado de discos com outros artistas, mas nada que fosse exclusivamente seu. Tudo sempre na improvisação, que é sua identidade musical.
Na entrevista realizada antes da sua apresentação na Lapa, no Centro do Rio de Janeiro, ele conta sobre seus primeiros contatos com a música e o episódio que o levou à prisão injustamente durante dois anos. Acusado de liderar um grupo de extermínio em 1992, quando na verdade estava prestando serviços de propaganda a políticos locais, acabou sendo solto por falta de provas. Após muitos anos produzindo jingles para políticos da região, faz críticas ao atual cenário nacional e à falta de incentivo aos músicos populares.  
Como você vê a raiz do gênero musical que você toca e a sua história musical?
O meu gênero musical é coco, embolada, repente, coisas do nordeste. Antigamente no alto sertão e no recôncavo, era muito procurado e usado nas noites. Depois quase desapareceu, porque o pessoal do campo e da roça foi saindo pras cidades. Agora de uns anos para cá o coco acordou novamente, e para a felicidade minha e de outros os jovens estão aderindo ao ritmo que antigamente era mais dos idosos. O coco, nosso ritmo, é o primeiro de todos. Começou na senzala com os escravos, quando havia uma pequena chance de repouso eles faziam o coco com palma de pé, de mão e batida de pé. Estou muito feliz porque abriu-se novamente as portas para nossa cultura, e espero que isso continue e se abram cada vai mais espaços.
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Fotos: Marcelo Santos Braga
Você tem origem quilombola, o que acha questão social com a música e a arte?
Essas músicas como o coco, capoeira, dentre outras, andaram sendo perseguidas e proibidas. Não passei por isso, porque no meu tempo já estava a mente aberta. Mas vi muita cantoria de coco terminar em briga, porque os cantadores não estavam disputando talentos e conhecimentos e sim jogando um para cima do outro a coisa pesada, os versos e as forcas. Chama-se coco de obrigação, e isso às vezes dava briga. De um tempo para cá isso acabou, o coco era feito briga de galo: os dois cantadores botavam para valer um para cima do outro, disputando para valer o conhecimento. Cheguei a pegar a proibição em alguns lugares, não por lei mas os delegados e policias tinham muito trabalho. Essa palavra coco ficou conhecida há pouco tempo, o nome era samba de pisar, samba de roda, de mutirão. Quando a pessoa ia fazer uma casa de barro, não tinha tijolo e cimento, era barro cipó e madeira, e quando terminava a casa jogava o barro dentro pra fazer o piso que era feito com o pé dos sapateadores.
A nova geração do coco tem evocado as raízes e tradições, ou a galera está modificando?
Muda um pouco, porque tudo tinha que mudar, não é? O coco está sendo muito abraçado hoje, mas é claro que os jovens de hoje não conheciam o seu verdadeiro sentido e dança. Parecem um pouco, mas são variados estilos. Os jovens agora estão aceitando, inclusive frequentando, aqui no Rio está chegando agora mas lá na minha região está mesmo. Aqui tinha o samba de carnaval, de breque, sincopado, samba verdadeiro, mas o coco está chegando agora.
Os antigos gravaram pouco, não perceberam que aquilo era cultura. Jackson do Pandeiro e Luis Gonzaga gravaram coco há muito tempo atrás, mas como não tinha identidade passava despercebido. O baião, forró, xote, tudo isso aí é filho do coco, sabia? Bezerra da Silva, outro meu amigo, era um grande cantador de coco da minha região em Santo Amaro, e quando chegou aqui teve que mudar porque ninguém entendeu o coco dele.
Você fez vários jingles de propaganda para vários políticos, como Miguel Arraes e tantos outros. Como você enxerga a relação da cultura e música com a política?
A política sempre foi a mola precursora de tudo, há 50 anos atrás por exemplo não tinha muito rádio, a televisão não existia, então a propaganda era por intermédio do cantador, repentista e violeiro que os políticos contratavam. Mas os adversários perseguiam o artista, que não tinha nada a ver e só estava fazendo o seu trabalho. Como eu botava a cara e o cara ganhava, isso foi provocando certa concorrência do quem dá mais. Eu tinha e tenho palavra ainda...
Você tinha partido ou preferência política?
Nunca tive, a minha posição é o meu trabalho. Mas infelizmente muitos não entendiam isso, não tinha nada a ver: a pessoa me contratava e eu fazia o meu trabalho. Sempre trabalhei assim, mas mesmo assim sofri perseguições. Muita gente pensou que fui preso devido a política, mas eu não sei até hoje bem o que foi. Fui levado do nada... Havia lá no nordeste uma coisa chamada esquadrão da morte, que andava matando. Nunca participei ou vou participar de violência nenhuma, é uma coisa da minha índole. Mas como estava fazendo uma campanha política na época, jogaram o meu nome num desses aí e me levaram. Mas até hoje estou sem entender porque fui preso, pode ter sido algum preconceito. Como estava trabalhando com política na época, pode ter sido isso porque envolveram meu nome em coisas horríveis. Invés de sobrar para o candidato sobrou para mim, mas pode ter sido também racismo ou preconceito. Nunca sofri perseguição fora essa época, houve alguma má interpretação. 
Mas hoje você tem posições políticas sobre o país, a questão negra, ou algum outro tema?
Perseguir o negro, o gay, toda perseguição é fraqueza pessoal. Falta de humanidade e compreensão, porque se você olhar muito bem toda essa riqueza que está aí foi feita pelos escravos. O senhor de engenho nunca pegou num tijolo. Para você ter uma ideia, o negro quando foi explorado as escravas tinham o filho mas não amamentavam ele e sim o filho da sinhá que não queria dar de mama para não perder a forma física. O negro vem sendo explorado desde esse tempo, até tomando o leite do pobre. O negro estava muito bem com a mulher, mas se ele não produzisse filho trocava de casal de forma forçada tratado feito animal. A Lei Áurea não foi boa só para o preto não, foi boa também para o branco pobre. Porque toda a vida pobre foi escravo, não como o negro que já nascia escravo pela cor. É como hoje a empregada doméstica branca. Naquela época era a mesma coisa, quem era pobre era subjugado como ainda é um pouco hoje. Já é hora de os políticos ser mais sinceros.
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Para você político é tudo igual, então?
Com todo candidato lá no nordeste a coisa era sempre a mesma, era uma guerra. Sempre acabava em briga, era tradicional.
Como você percebe o que esta acontecendo hoje no País?
De modo geral a política hoje, para nós que gostamos da cultura,vem se abrindo nos últimos anos. Mas infelizmente só valorizam quem está na mídia e não é por aí. Um artista da mídia ganha uma fortuna, enquanto nós não ganhamos quase nada. Tem que dar valor aos artistas, o problema é a disparidade de um modo geral. Como um vereador ganhar o ordenado que ganha engravatado e paletó, enquanto o gari que está dispondo-se a tirar o lixo da rua às vezes até expondo-se ao perigo da doença para ganhar um salário mínimo. Um cara engravatado sentado na Câmara discutindo besteira, que não representa o Brasil. Esses caras só representam o interesse deles, e o Brasil está ficando para trás. Mudou aquele sentimento de patriotismo, Osório Duque Estrada que fez o hino nacional se estivesse aqui se suicidava de tanta vergonha.
Cite alguns exemplos de pessoas que te influenciaram na sua música. 
Não posso me queixar de nada, porque estou vendo a mudança acontecer no sentido bom da cultura e da música. As pessoas estão fazendo na rua, a questão governamental da cultura ainda está muito aquém da valorização do artista. Vim ao Rio em 1950, 55 e 57, fiz grandes programas de televisão. Eu vinha porque era muito conhecido localmente, eles chamavam o artista e pagavam para fazer. Lancei recentemente meu primeiro CD e estou com 83 anos patrocinado pelo Itaú Cultural, e eles não ajudam mais em nada.
O que a música representa para você?
É tudo, vida, é bom para mim e todos. Ela faz ainda esse povo sobreviver. É preciso valorizar o artista pequeno, isso que falta. Só está ficando melhor porque o povo está ficando esclarecido devagarzinho, e quando ele tomar ciência do poder que tem é outra coisa. Ainda não temporque quer votar, mas em quem? Aponta um homem da cúpula com condição de assumir a presidência? Eu não votaria, porque não tem em quem votar. A cúpula está toda em casa: o candidato é eleito, os outros vêm para cima e ele apoia todo mundo.
Importante é que os governos olhem mais para o pequeno, aprenda a dividir mais o pão. Não é à toa toda essa marginalização, droga, violência. Como eles querem acabar, se estão botando o dinheiro todo no bolso? Esse dinheiro tem que ser distribuído, se tivesse escola, educação, saúde, não tinha marginal na rua. A maioria estaria trabalhando, empregado, afinal de contas todo mundo quer dinheiro. Esses presídios aí,erapra fechar tudo e abrir creche. É por aí que tem que começar para o Brasil ir em frente. Os presídios estão todos abarrotados, e se acriança cresce aprendendo desde cedo sabe que a droga não é bom negócio. Querem consertar o drogado depois de viciado, aí remamos contra a maré.
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AO MestreGaloPreto
Arte: Alexandre Oliveira 

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Marcos Imperial

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