Está no jornal O Estado de S.Paulo, com assinatura de João Domingos e Tânia Monteiro:
Como a personagem Bibiana, neta de Ana Terra, no romance de Érico Veríssimo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende deixar o doce desmanchar em sua boca até que desapareça o último pedaço, aquele que dá a sensação de que na alma ficou a leveza do que há de melhor.
Mas, diferente do doce de Bibiana, o de Lula não é feito de açúcar. É feito de poder.
De acordo com os auxiliares mais próximos de Lula, é assim que o presidente vai encarar os últimos dois meses de mandato, degustando cada dia, cada hora, cada segundo que lhe resta. Lula não lamenta a certeza da saída. Mas insiste em não pensar nisso. Porque, não pensar, revelou, é a maneira de manter-se no chão. "Sei que um dia a ficha vai cair e aí vou ver que não sou mais o presidente", disse Lula nesta semana, num desabafo.
O presidente vive também momentos de profunda emoção. Seus auxiliares o têm visto com os olhos marejados no dia a dia, dentro do avião presidencial, no Palácio da Alvorada. Isso ocorre principalmente depois de cerimônias públicas em que Lula é abraçado pelos ministros mas, de forma especial, quando o carinho vem do público.
As manifestações de saudades do poder, agora com a marca de muita emoção, começaram a aparecer no final do primeiro semestre. Durante visita ao Nordeste, em junho, Lula afirmou que já estava sentindo falta de sua atividade presidencial, embora faltassem ainda seis meses para a despedida. Mas se consolar, disse que não ser mais presidente tem suas vantagens.
"Todo ato político que participo agora é o último, já estou com saudade e pensando no que fazer", disse em Aracaju, no dia 10 de junho, ao inaugurar casas populares. "Vou querer tomar um banho de praia, tomar uma cervejinha sem ninguém encher o saco e dizer que o presidente está bebendo", avisou ele. "Um filho de Deus tem direito de tomar uma geladinha na beira da praia."
O discurso funcionou mais como um desabafo do momento. Lula comunicou a seus auxiliares que imediatamente depois de entregar o poder, pretende voltar para seu apartamento, em São Bernardo. Espera que, até lá, a reforma que mandou fazer tenha terminado. A partir daí, quer tirar um período de férias, aqui mesmo no Brasil.
Em seguida, deverá percorrer o mundo, para receber os mais de 30 títulos de doutor honoris causa que lhe foram oferecidos em todos os continentes e que se recusou a receber enquanto estava na Presidência. Lula está amadurecendo ainda a ideia de criar um instituto – que não será o da Cidadania, fundado por ele quando ainda estava na oposição.
Nesse novo instituto, o presidente acha que dá para ser voz ativa em atividades como a de ajudar a combater a fome e a pobreza no mundo, a trabalhar para resolver os problemas da crise energética e dos países da África, ainda envolvidos em lutas tribais no Século 21.
Indagado por várias vezes se pretende brigar por algum cargo na Organização das Nações Unidas (ONU) ou entidades multilaterais, Lula tem repetido que não o fará. Ele acha que, para ter um bom desempenho numa dessas funções, é preciso ter dedicação exclusiva. E acha que ficar preso a um posto vai tirá-lo da linha de frente de outros, que julga mais importantes.
Como os institutos de pesquisas têm apontado a aprovação a seu governo de 83% dos eleitores ouvidos, Lula acha que está num índice de popularidade que, no fundo, significa uma exigência dos brasileiros para que não desapareça da vida pública.
Isso, na visão do presidente, significa ter papel importante em algumas coisas, como a reforma política. Lula pretende conversar com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, Fernando Collor e José Sarney para tratar da necessidade de se fazer uma mudança radical na política brasileira. Ele acha que as experiências de todos podem ajudar o País a ter uma das legislações políticas mais modernas do mundo. Brasília Urgente.
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Marcos Imperial