Em carta, sociólogo tranquiliza o
embaixador de Cuba no Brasil, afirmando que, apesar de haver motivos
contundentes para que ele caia de seu posto, nada irá lhe acontecer, afinal,
estamos lidando com o governo brasileiro e cubano; Demetrio Magnolli diz ainda
que a palavra da blogueira cubana desmoralizou a ditadura de seu país
Via 247 – Numa carta escrita ao embaixador cubano no Brasil, Carlos Zamora Rodríguez, o sociólogo Demétrio Magnolli, colunista do jornal O Estado de S.Paulo, relata quatro motivos que, segundo ele, seriam suficientes para que Rodríguez caísse de seu posto. Mas o tranquiliza: "os governos de Cuba e do Brasil não se movem por critérios normais". Magnolli diz ainda, em seu artigo, que a palavra da blogueira cubana Yoani Sanchez, que visitou o Brasil na semana passada, "desmoralizou a ditadura cubana".
Via 247 – Numa carta escrita ao embaixador cubano no Brasil, Carlos Zamora Rodríguez, o sociólogo Demétrio Magnolli, colunista do jornal O Estado de S.Paulo, relata quatro motivos que, segundo ele, seriam suficientes para que Rodríguez caísse de seu posto. Mas o tranquiliza: "os governos de Cuba e do Brasil não se movem por critérios normais". Magnolli diz ainda, em seu artigo, que a palavra da blogueira cubana Yoani Sanchez, que visitou o Brasil na semana passada, "desmoralizou a ditadura cubana".
Leia abaixo a íntegra do artigo:
Não se preocupe, embaixador
Demétrio Magnoli
A Carlos Zamora Rodríguez, embaixador de
Cuba no Brasil:
Circulam rumores de que a passagem da
blogueira Yoani Sánchez pelo Brasil terá efeitos desastrosos para sua carreira
diplomática. Escrevo para acalmá-lo. À luz dos critérios políticos normais,
qualquer um dos quatro motivos mencionados como causas possíveis de sua queda
seria suficiente para fulminar um diplomata. Contudo os governos de Cuba e do
Brasil não se movem por critérios normais.
Comenta-se, em primeiro lugar, que o
Planalto solicitaria sua remoção em reação à interferência ilegal da embaixada
nos assuntos internos do País. De fato, é ultrajante reunir militantes do PT e
do PCdoB na representação diplomática cubana para distribuir um CD contendo
calúnias contra uma cidadã em visita ao Brasil. Mas não se preocupe. Sob Lula,
quando prendeu e deportou os pugilistas cubanos que tentavam emigrar, o governo
brasileiro violou a Carta Interamericana de Direitos Humanos para atender a um
desejo de Havana. Dilma Rousseff só precisa ignorar a violação de leis
nacionais para encerrar o "caso Yoani".
Em segundo lugar, corre o rumor de que
Havana pretende substituí-lo por razões de incompetência funcional. A causa
seria o vazamento para Veja das informações sobre a reunião na embaixada, que
contou com a presença de Ricardo Poppi Martins, auxiliar do ministro Gilberto
Carvalho - uma notícia depois confirmada pela própria Secretaria-Geral da
Presidência. Certamente as agências de inteligência de seu país não apreciaram
a condução desastrada da operação, mas duvido que o governo de Raúl Castro
desconsidere os fatores atenuantes: a inconveniência representada pela
liberdade de imprensa e os "dilemas morais pequeno-burgueses" de
militantes de esquerda não submetidos ao centralismo do Partido Comunista
Cubano.
Um terceiro motivo para seu afastamento
residiria nas implicações lógicas das acusações difundidas pela embaixada
contra a blogueira. O CD qualifica Yoani como "mercenária financiada pelo
governo dos EUA" para "trabalhar contra o povo cubano". Afirmar
isso, porém, significa dizer que, mesmo dispondo das provas da atuação de uma
agente inimiga em seu território, o governo de Cuba optou por não prendê-la e
processá-la, pondo em risco a segurança do país. O raciocínio, impecável,
destruiria um diplomata de um país democrático, mas não arranhará sua reputação
perante o regime dos Castros: o discurso totalitário não almeja a persuasão
racional, não se deixa limitar pela regra da consistência interna e não admite
o escrutínio da crítica.
Afigura-se mais grave a quarta razão que
apontam como ameaça à sua carreira. Ao estimular a perseguição movida por
hordas de militantes organizados contra Yoani, a embaixada amplificou a voz e o
alcance da mensagem da blogueira, produzindo um efeito contrário ao desejado
por Havana. Construído no terreno de um cínico pragmatismo político, o argumento
parece irretocável, mas não creio que deva alarmá-lo. Na perspectiva do regime
cubano, as repercussões da visita sobre a opinião pública são o preço a pagar
pela afirmação de um princípio inegociável do totalitarismo: os dissidentes
nunca estão a salvo da violência real ou simbólica do "ato de
repúdio".
O "ato de repúdio" é o
equivalente político do estupro de gangue. Na China da Revolução Cultural, onde
alcançou o apogeu, a prática chamava-se "assembleia de denúncia".
Segundo o relato de Jung Chang, uma jovem chinesa que testemunhou aqueles
tempos, a Universidade de Pequim realizou sua pioneira "assembleia de
denúncia" em 18 de junho de 1966, quando o reitor e dezenas de professores
sofreram espancamentos e foram obrigados a permanecer ajoelhados durante horas
em meio à multidão histérica. "Enfiaram à força em suas cabeças chapéus
cônicos de burro, com slogans humilhantes" e "derramaram tinta em
seus rostos para deixá-los negros, a cor do mal" (Cisnes Selvagens: Três
Filhas da China). A matriz chinesa, nós dois sabemos, inspirou a ditadura
cubana, cujos "atos de repúdio" excluem a tortura, mas não a
violência física moderada, a intimidação direta e uma torrente de insultos.
Yoani relata no seu blog o primeiro
"ato de repúdio" a que assistiu, quando tinha 5 anos ("as
pessoas gritavam e levantavam os punhos ao redor da porta de uma
vizinha"), e um outro, do qual foi vítima juntamente com as Damas de
Branco ("as hordas da intolerância cuspiram em nós, empurraram e puxaram o
cabelo"). No "ato de repúdio", o "inimigo do povo"
deve ser despido de sua condição humana e convertido em joguete da violência
coletiva. A agressão física é um corolário último desejável, mas não é um
componente necessário do ritual - e, dependendo das circunstâncias políticas,
deve ser prudentemente evitada. Estou convicto de que sua embaixada levou isso
em conta quando indicou o caminho dos atos contra Yoani.
Seu conhecido Breno Altman, um quadro
político do PT, defendeu os "atos de repúdio" contra a blogueira em
debate televisivo, alegando que "ninguém saiu ferido". De fato,
apenas em Feira de Santana chegaram a empurrar Yoani e a puxar-lhe o cabelo. Na
mesma cidade e em São Paulo, gangues de vândalos insultaram-na em público,
cassaram-lhe o direito à palavra, ameaçaram pessoas que queriam escutá-la,
provocaram o cancelamento de eventos literários e cinematográficos. Tudo isso
caracteriza constrangimento ilegal, um crime contra as liberdades públicas e
individuais.
No Brasil, a palavra de Yoani desmoralizou
a ditadura cubana. Mas, nessa particular guerra de princípios, sua embaixada
venceu: a polícia não interferiu, os "intelectuais de esquerda"
silenciaram, a editora que publica Yoani eximiu-se da obrigação de protestar e
uma imprensa confusa sobre a linguagem dos valores democráticos qualificou os
vândalos como "manifestantes". Por sua iniciativa, o "ato de
repúdio" fincou raízes no meu país. Creio que lhe
devem uma medalha.Postado por Marcos Imperial.
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