“É uma experiência. Uma experiência revolucionária”. Foi assim que
o jornal carioca Tribuna da Imprensa, em matéria datada de 1963, classificou o
método de alfabetização de adultos do educador pernambucano Paulo Freire, posto
em prática na cidade de Angicos, sertão do Rio Grande do Norte.
Em 2013, comemora-se o aniversário de 50 anos da experiência de Angicos.
No dia 2 de abril de 1963, ninguém menos que o então presidente da República,
João Goulart, deposto um ano depois por um golpe militar, esteve na cidade para
o encerramento das atividades dos Círculos de Cultura, acompanhado pelo
governador à época, Aluízio Alves.
Desde então, Angicos se tornou um símbolo para todos os interessados em
educação popular. Os objetivos essenciais da experiência se constituíam num
verdadeiro desafio: fazer com que os participantes aprendessem a ler, escrever
e viessem a se politizar em 40 horas. A proposta era de uma educação para a
democracia e construção da cidadania efetiva.
Ao fim da experiência, 300 pessoas foram consideradas alfabetizadas, com
70% de aproveitamento no “Teste de Alfabetização” e 87% no “Teste de
politização”, segundo registro de Carlos Lyra, no livro “As quarenta horas de Angicos:
Uma experiência pioneira de educação”, publicado em 1996.
O experimento de Paulo Freire atraiu para Angicos, além de especialistas
em educação, os principais veículos brasileiros e estrangeiros de comunicação.
New York Times, Time Magazine, Herald Tribune, Sunday Times, United, Associated
Press e o Le Monde enviaram representantes para conhecer “a mais importante
experiência em matéria de educação na História do Brasil”, segundo registrou a
Tribuna da Imprensa.
No site
criado em comemoração aos cinquenta anos da experiência freiriana, Angicos é retratada não
só como símbolo da luta contra o analfabetismo no Brasil, mas também como um
“caleidoscópio político e pedagógico”.
Para o advogado Marcos Guerra, à época estudante e coordenador de um dos
Círculos de Cultura, o método freiriano era “revolucionário”, em primeiro
lugar, porque o educador Paulo Freire admitiu que a educação “não é neutra, mas
sim um ato político”. “O modelo atual de educação não é neutro, porque visa
domesticar [os educandos]”, analisou.
A segunda razão, segundo avaliou o advogado, é que o método não
dissociava os temas da educação dos temas de interesse da população. “Pergunte
a qualquer aluno se ele estuda o que é de interesse deles? Os alunos passam a
vida inteira estudando coisas de interesse dos outros”.
O processo de alfabetização desenvolvido em Angicos era visto como um
movimento cultural, cujo ponto de partida era a realidade do aluno, sua vivência
e seu universo vocabular. Antes do início da experiência, um grupo formado em
sua maioria por universitários realizou o levantamento do universo vocabular
dos moradores da cidade, abrindo caminho para o que viria a seguir.
Marcos Guerra disse, ainda, que o método freiriano leva o homem a
aprender o seu papel de “protagonista para reformar e aperfeiçoar o mundo”. “No
outro sistema [convencional], o homem é domesticado”, declarou o
advogado-testemunha da experiência de Angicos.
Os estudiosos de Paulo Freire costumam dizer que seu método compreendia
a educação sob a perspectiva da consciência crítica, questionando o modelo
tradicional que vê o educando como uma caixinha vazia, onde se podia depositar
tudo. A educação freiriana é um processo inconcluso, inacabado.
O método pioneiro aplicado em Angicos serviu de parâmetro para vários
países do mundo e para outros programas de alfabetização de jovens e adultos do
Brasil. Mas Marcos Guerra afirma que esses programas esquecem uma premissa
fundamental de Paulo Freire: a universalização da oferta.
“Os programas atuas de alfabetização adquiriram deformações ao longo do
tempo. Os cursos adquiriam outros custos, outros conteúdos e outras questões,
se afastando da premissa do direito à educação para todos agora",
refletiu.
Contexto Histórico
O contexto histórico em que o país e o mundo estavam inseridos quando
Paulo Freire desenvolveu seu método de alfabetização em Angicos era dos mais
agitados. Lá fora, vivia-se sob a tensão da Guerra Fria entre Estados Unidos e
União Soviética. Por aqui, pairava a névoa precursora do golpe militar de 1964.
No Brasil daquele distante 1963, várias mobilizações eram desencadeadas
em favor das chamadas reformas de base. As Ligas Camponesas fervilhavam o campo
nordestino e a reforma agrária era a pauta de luta dos Sindicatos Rurais.
A educação, em sua dimensão mais política, despertou o interesse dos
setores reformistas, movidos pela “necessidade de politizar e conscientizar o
povo para que ele pudesse participar efetivamente da vida do país e influenciar
decisivamente na transformação da sociedade brasileira”, segundo observou o professor do Departamento de Ciências
Sociais da UFRN, José Willington Germano.
As classes dominantes não demoraram a reagir. Em abril de 1964, deu-se o
golpe militar que depôs João Goulart da Presidência do Brasil. Como não poderia
deixar de ser, a repressão comandada pelos generais atingiu o campo da educação
e, consequentemente, Paulo Freire, que foi preso, processado, exilado e
considerado subversivo.
Paulo Freire percorreu mais de 50 países, deu aulas nas mais importantes
universidades do mundo e levou seu método de alfabetização para nações da Ásia,
África e América Latina. O pernambucano se tornou universal. A obra “Pedagogia
do Oprimido” foi traduzida para mais de 20 línguas, tendo vendido mais de meio
milhão de exemplares. Além disso, tornou-se doutor honoris causa por 28
universidades.
O advogado Marcos Guerra lamentou que a experiência freiriana tenha sido
“abandonada” com o tempo. “Eu me surpreendo com o fato de governos democráticos
não terem reativado nada similar ao que Paulo Freire desenvolveu em Angicos.
Todo mundo tem consciência do êxito daquele método, mas ele foi abandonado”,
opinou.
No ano do cinquentenário da experiência de Paulo Freire em Angicos,
Guerra deixou seu alerta em tom de surpresa: “Por que abandonamos a
universalização da educação, se podemos e sabemos como fazer?”.
Arte: Lucas David. Fonte:
Assessoria do Mandato Fernando Mineiro, postado por Marcos Imperial.
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Marcos Imperial