Numa ação em que se
discutia a competência do Senado Federal para o controle de
constitucionalidade, a mesma em que Marco Aurélio Mello perguntou a Gilmar
Mendes se ele pretendia "declarar guerra total ao Congresso
Nacional", o ministro Ricardo Lewandowski resgata os fundamentos teóricos
da separação entre os poderes e afirma que não se pode deslocar a competência
atribuída pela sociedade brasileira ao Legislativo para o Judiciário; Gilmar
está cada vez mais isolado na sua invasão ao Congresso.
Via 247 - Foi preciso que o ministro Ricardo
Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, resgatasse Montesquieu, pai da teoria
da separação entre os poderes, para ensinar ao colega Gilmar Mendes que um
determinado poder não pode invadir as prerrogativas de outro – como Gilmar fez
recentemente ao impedir a tramitação de uma lei sobre fidelidade partidária.
Isso ocorreu na mesma sessão em que outro ministro, Marco Aurélio Mello,
perguntou a Gilmar se ele pretendia "declarar guerra total ao
Congresso" (leia mais aqui).
Em seu voto, Lewandowski resgatou os
fundamentos teóricos da separação entre os poderes, relembrando Montesquieu.
"O referido teórico, para tanto, concebeu a famosa fórmula segundo a qual
“le pouvoir
arrete le pouvoir”, de modo a evitar que alguém ou alguma
assembleia de pessoas possa enfeixar todo o poder em suas mãos, ensejando,
assim, o surgimento de um regime autocrático", disse ele.
Confira,
abaixo, trecho do voto em que Lewandowski deu uma aula de democracia a Gilmar
Mendes, que começa a ficar isolado no STF:
Tal interpretação, contudo, a meu ver,
levaria a um significativo aviltamento da tradicional competência daquela Casa
Legislativa no tocante ao controle de constitucionalidade, reduzindo o seu
papel a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo Tribunal Federal nesse
campo. Com efeito, a prevalecer tal entendimento, a Câmara Alta sofreria
verdadeira capitis diminutio no tocante a uma competência que os constituintes
de 1988 lhe outorgaram de forma expressa.
A
exegese proposta, segundo entendo, vulneraria o próprio sistema de separação de
poderes, concebido em meados do século XVIII na França pré-revolucionária pelo
Barão de la Brède e Montesquieu, exatamente para impedir que todas as funções
governamentais – ou a maioria delas - se concentrem em determinado órgão
estatal, colocando em xeque a liberdade política dos cidadãos. O referido
teórico, para tanto, concebeu a famosa fórmula segundo a qual “le pouvoir
arrete le pouvoir”, de modo a evitar que alguém ou alguma assembleia de pessoas
possa enfeixar todo o poder em suas mãos, ensejando, assim, o surgimento de um
regime autocrático.
Não se
desconhece que alguns críticos asseveram que a teoria da separação de poderes
jamais foi aplicada tal como originalmente concebida, consubstanciando mera
prescrição de natureza formal. 9 Em que pesem, contudo, as imperfeições do
sistema, que os norte-americanos denominam de checks and balances, após
terem-no inserido pioneiramente em sua Constituição de 1787, 10 entendo que
elas não têm o condão de legitimar a ablação de uma competência constitucional
expressamente atribuída a determinado Poder.
Suprimir competências de um Poder de
Estado, por via de exegese constitucional, a meu sentir, colocaria em risco a
própria lógica do sistema de freios e contrapesos, como ressalta Jellinek. 11 não se ignora que a Constituição de
1988 redesenhou a relação entre os poderes, fortalecendo o papel do Supremo
Tribunal Federal, ao dotar, por exemplo, as suas decisões de efeito vinculante
e eficácia erga omnes nas ações diretas de constitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade (art. 102, § 2o). O fortalecimento do STF,
no entanto, não se deu em detrimento das competências dos demais poderes, em
especial daquela conferida ao Senado Federal no art. 52, inc. X, da Carta em
vigor.
Não há,
penso eu, com o devido respeito pelas opiniões divergentes, como cogitar-se de
mutação constitucional na espécie, diante dos limites formais e materiais que a
própria Lei Maior estabelece quanto ao tema, a começar pelo que se contém no
art. 60, § 4o, III, o qual erige a separação dos poderes à dignidade de “cláusula
pétrea”, que sequer pode ser alterada por meio de emenda constitucional.
A nova
interpretação que se pretende dar ao dispositivo em comento, a meu ver, difere
- e muito - da mutação reconhecida quanto ao art. 97 da Constituição. Nesse
caso, a transformação operou-se a partir de uma práxis processual adotada pela
Suprema Corte, que, sem desrespeitar qualquer princípio ou norma fundamental de
nosso ordenamento jurídico, acabou por dispensar a rígida observância do que
nele se contém quando se trata da apreciação de casos cujas teses já tenham
sido julgadas pelo Plenário.
(…)
Mas o
que se propõe aqui é algo inteiramente diferente. Almeja-se, na verdade,
deslocar uma competência atribuída pelos constituintes a determinado Poder para
outro. Não me parece, contudo, seja possível materializar-se tal desiderato,
mesmo porque os próprios teóricos da mutação constitucional reconhecem que esse
fenômeno possui limites.
(…)
Com
efeito, se o dispositivo em questão assinala, com todas as letras, que compete
ao Senado Federal a suspensão de norma declarada inconstitucional por esta
Corte, assim o é, literalmente. Ainda que se possa, no mérito, discordar do que
nele se contém, o preceito em tela constitui o Direito posto, e que não admite,
dada a taxatividade com que está vazado, maiores questionamentos.
Leia, ainda, reportagem do Conjur sobre o
embate: STF
discute controle de constitucionalidade pelo Senado.
O Supremo Tribunal Federal voltou a se
dividir, nesta quinta-feira (16/5), ao discutir a amplitude das atribuições do
Senado diante de decisões do tribunal que declarem a inconstitucionalidade de
leis em ações de controle difuso. O debate se dá por conta de uma previsão da
Constituição Federal.
Em seu artigo 52, inciso X, a Constituição
prevê que compete privativamente ao Senado “suspender a execução, no todo ou em
parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal”. Por enquanto, por 3 votos a 2, o Supremo se inclina por
decidir que a lei declarada inconstitucional em pedido de Habeas Corpus depende
da chancela do Senado para ter eficácia geral. Ou seja, para vincular as
decisões de instâncias inferiores e da administração pública.
Nos casos em que o Supremo declara a
inconstitucionalidade de leis em ações de controle concentrado, casos da Ação
Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, as
decisões surtem efeito imediato, também por conta de previsão expressa da
Constituição.
No artigo 102, parágrafo 2º, o texto fixa:
“As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Mas quando essa declaração de
inconstitucionalidade é feita no julgamento de outras ações, como a de Habeas
Corpus, existe a dúvida sobre se a decisão do STF surte efeito imediato ou se
depende da chancela do Senado. O tema divide o tribunal e faz a temperatura
subir, ainda que não muito, como se viu nesta quinta.
Os ministros julgavam a Reclamação 4.335,
ajuizada pela Defensoria Pública da União contra decisões da Justiça do Acre
que negaram a progressão de regime a condenados por crimes hediondos. O Supremo
já declarou inconstitucional a lei que proibia a progressão. No julgamento do
HC 82.959, o plenário decidiu derrubar o artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei
8.072/90, que proibia a progressão. Apesar da decisão, o juiz da Vara de
Execuções Penais de Rio Branco vinha rejeitando os pedidos de progressão de
regime com o argumento que a decisão depende de ato do Senado. Por isso, a
Defensoria entrou com Reclamação no STF.
A Reclamação começou a ser julgada em
fevereiro de 2007. O ministro Gilmar Mendes, relator da ação, entendeu que a
decisão do Supremo surte efeito imediato, independentemente de o Senado se
manifestar ou não. Nesta quinta, voltou a defender sua tese. Segundo ele, se o
STF decidir de forma diferente, se transformará em um clube
“lítero-poético-recreativo”. A ação foi suspensa por pedido de vista do
ministro Eros Grau, hoje aposentado.
Em 19 de abril daquele ano, Eros Grau
devolveu o processo para julgamento e votou com a corrente iniciada por Gilmar
Mendes. Mas os ministros Sepúlveda Pertence, já aposentado, e Joaquim Barbosa
divergiram. Para os dois, quando o Supremo declara uma lei inconstitucional em
controle difuso, a decisão vale só para as partes. Para ter eficácia geral,
depende de resolução do Senado. Na ocasião, Pertence disse que não pode ser
reduzida a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF”
uma prerrogativa à qual o Congresso Nacional se reservou.
O julgamento foi retomado nesta
quinta-feira, com o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que
fez coro aos argumentos de Pertence e Barbosa. O ministro lembrou que essa é
uma prerrogativa dada ao Senado desde a Constituição de 1934 e que não cabe ao
Supremo fazer pouco de uma previsão expressa da Constituição.
O ministro Lewandowski observou que entre
7 de fevereiro de 2007 e 16 de junho de 2010, a Comissão de Constituição e
Justiça do Senado pautou, para deliberação dos senadores, 53 ofícios
encaminhados pelo Supremo solicitando a promulgação de projeto de resolução
para suspender a execução de dispositivos declarados inconstitucionais em sede
de controle difuso.
Ainda de acordo com o ministro, dispensar
o ato do Senado “levaria a um significativo aviltamento da tradicional
competência daquela Casa Legislativa no tocante ao controle de constitucionalidade,
reduzindo o seu papel a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo
Tribunal Federal nesse campo”. Segundo ele, “a prevalecer tal entendimento, a
Câmara Alta sofreria verdadeira capitis diminutio no
tocante a uma competência que os constituintes de 1988 lhe outorgaram de forma
expressa”.
O clima esquentou no tribunal — mas não
chegou perto de outras discussões assistidas recentemente na Corte. O ministro
Marco Aurélio afirmou que “não interessa declarar guerra total, considerado o
Legislativo”.
Depois, Marco Aurélio questionou Gilmar
Mendes: “Então Vossa Excelência conclui pela inconstitucionalidade do inciso X
do artigo 52?”. Mendes se irritou: “Não, Vossa Excelência já deveria ter lido o
voto. Vossa Excelência teria me honrado se tivesse lido o voto”. Marco, então,
apaziguou os ânimos: “Eu quero ouvi-lo. Por isso é que estou aparteando. Não
fique nervoso”. Mendes devolveu: “Um pouco de respeito há de vir”.
O julgamento não foi concluído porque o
ministro Teori Zavascki pediu vista da ação. Em tempos de tensão entre poderes
por conta de recentes decisões do Supremo, como a liminar que suspendeu a
tramitação do projeto de lei que inibe a criação de partidos, e em razão da
proposta que submete parte das decisões do STF ao crivo do Congresso, o pedido
de vista veio em boa hora, disseram alguns observadores. Clique aqui para
ler o voto do ministro Ricardo Lewandowski. Postado por
Marcos Imperial.
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