quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Autobiografia de um retirante Poeta Francisco Cândido


A lua cheia de janeiro surgia sem barra
E sem algazarra anunciava um ano de seca,
Desenhando a amarga desolação da terra
Que aterra a esperança e até a alma resseca.

O xiquexique dava sinal de exaustão
E a macambira já havia se acabado.
No lago, o luar acinzentado do sertão
E no curral, a dó do que restou do gado.

Era o tempo sagrado de sair ou morrer,
Correr atrás de pão para viver e pensar,
Acariciar vidas a espera do entardecer,
Então só restava à opção de me retirar.

Deixar para trás vidas de gado e gente
Fixados a terra por laços de amor e dor.
Nunca possui gado nem lugar tenente,
Excluído pelo senhor da terra do desamor.

Assim, sem poder ser boiadeiro nem rei
Deixei raízes no meu amado Pé de Serra
E pela sorte ao Deus misericordioso clamei
E cheio de angustia fui morar em outra terra.

Foi duro, seu moço, deixar aquele torrão
E viajar, dia e noite, num pau de arara!
No matulão levava as coisas do coração
E a saudade daquela beleza tão rara. 

Retirava-me da seca que ressecava a alma
E na escassez, trocava desejos com as fomes
De pão, de Rosinha e da minha doce calma.
No peito levava o aperto de dores infames. 

Orei ao “Pai Nosso que estais no céu”,
Consagrando a Ele a minha vida e parti.
Sabia que um dia voltaria sem escarcéu 
Guiado pela clara luz que vem de Ti.

Não quis olhar para trás, segui em frente!
Tudo ali era sofrimento e grande desolação
Na seca imérita que matava gado e gente,
As perdas eram de imensurável aferição.

Se eu tivesse ficado, ali, naquele cenário,
De fato não suportaria o peso de tanta dor
Do desamor instalado no meu imaginário
Naquele cenário de seca, horror e temor.

Retirei-me dos pesadelos das fomes,
Da seca que esturrica, mata e maltrata,
E de políticos tão arrogantes e infames,
Matam a esperança e a pureza destrata.

Não me retirava do amor de Rosinha!
Unidos por laços de comunhão, na dor,
Ela ficou tão triste, jamais sozinha...
Sua companhia era o mistério do amor.

Escrevo lembranças com sessenta anos
Que pareciam adormecidas no coração,
Na memória do menino não há enganos,
Mas há tristeza de vidas em arribação.

Versejo a dor da lembrança aqui tão revivida, 
Saudando Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré
Que cantaram a Volta da Asa Branca e a Triste Partida,
Alimentando a chaminé do tempo de amor e fé.

São tantas as lembranças ao Pé da Serra
Que voam alto no meu coração feito balão
E caem como pétalas, ataviando o chão da terra
E hoje as recolho para guardar no coração.

Rego o chão avermelhado do meu coração
Com lágrimas vertidas de meus olhos
E hoje colho os molhos da terna consolação
No universo de meus versos, os refolhos.

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Marcos Imperial

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