Ex-presidente concedeu entrevista a um grupo
de jornalistas da Rede Brasil Atual, site, rádio e revista, da TVT e do jornal
ABCD Maior; ele afirma que seu papel no processo será o “papel que a Dilma
quiser” que ele tenha; Lula admite dificuldades na permanência do governador
Eduardo Campos na base de apoio e vê obstáculos adicionais nas alianças com o
PSB em alguns estados; sobre o julgamento da Ação Penal 470, ex-presidente foi
cauteloso: “depois que o julgamento estiver totalmente concluído eu vou falar;
tenho muita coisa pra falar”; ele afirmou ainda sobre as hostilidades contra o
PT: "nem todo mundo fica feliz com ascensão dos mais pobres"; assista.
Via 247-São Paulo – “Se tem uma coisa que eu tenho vontade é de falar. Eu
tenho cócegas na garganta para falar. E vocês ajudaram a quebrar um tabu,
porque fazia tempo que eu não falava durante tanto tempo. E nunca imaginei que
justamente pra vocês eu fosse dar a entrevista mais difícil. Estou voltando,
com muita vontade, com muita disposição – para felicidade de alguns, para
desgraça de outros. É o seguinte: eu estou no jogo.” Assim Luiz Inácio Lula da
Silva encerrou a entrevista concedida nesta terça-feira (24) a um grupo de
jornalistas da Rede Brasil Atual, site, rádio e revista, da TVT e do jornal
ABCD Maior.
Assista:
O encontro
ocorreu no Instituto Lula, durou 90 minutos e foi, segundo o ex-presidente, a
primeira longa entrevista concedida pelo ex-presidente da República no
exercício desta “função”. Lula abriu a conversa dizendo não haver “pergunta
proibida”, mas pediu que o perdoassem se no excesso de cuidados de
ex-presidente ao falar pareceria “chapa branca”. “Ainda estou aprendendo a ser
ex-presidente”, disse. Ele comentou a importância das manifestações de junho,
que considera o acontecimento do ano ao colocar em xeque todos os governantes –
das prefeituras à Presidência da República – e por ter ajudado a criar uma nova
agenda política para o país – apesar do fato de “alguns” quererem se apropriar
das manifestações para desqualificar a política. “Se alguém chega pra você
dizendo ‘olha, eu não gosto de política, mas…’, pode crer, essa pessoa está
sendo política.”
O
ex-presidente comentou respostas dadas às manifestações, como o Mais Médicos,
teceu duras críticas aos opositores do programa e enfatizou que a iniciativa
cobre apenas uma pequena parte de um grande problema. Lembrou que o país não
dispõe nem de especialistas nem de tecnologia em diversas áreas, e que não vai
resolver os grandes problemas sem recursos. “Lá atrás, quando rejeitaram a
CPMF, tiraram R$ 40 bilhões por ano da saúde achando que iam prejudicar o Lula.
Mas prejudicaram o povo”, disse, acentuando que o Estado é quem banca grande
parte dos tratamentos dos ricos na rede privada, quando deduzem suas despesas
do imposto de renda, enquanto aos pobres só resta o SUS.
Lula disse
acreditar que poucos prognósticos poderão ser feitos sobre as eleições de 2014
antes de março do ano que vem, quando já devem estar colocados todos os nomes
das disputas, em nível nacional e nos estados. Um dos principais articuladores
políticos do PT, ele afirma que seu papel no processo será o “papel que a Dilma
quiser” que ele tenha. Admite ver dificuldades na permanência do governador de
Pernambuco, Eduardo Campos, na base de apoio, vê obstáculos adicionais nas
alianças com o PSB em alguns estados, como Ceará e Pernambuco, e vai considerar
um grande feito, uma vez consolidada a ruptura, que os partidos façam um pacto
de não hostilidade nos palanques em que forem adversários.
Para Lula, a
mais importante das reformas do país é a política, com o fim do financiamento
privado de campanhas. “Vocês veem as grandes empresas fazendo campanhas contra
o financiamento privado? Vocês veem empresários reclamando que não querem
contribuir com campanhas eleitorais?”, questiona. Ele reconhece que a atual
composição do Congresso não tem interesse nem força para fazer uma mudança
impactante no sistema político-eleitoral porque põe em risco os próprios atuais
mandatos. “Uma reforma para valer não vai acontecer agora. Por isso, vai ter de
ser feita por meio de uma constituinte exclusiva, com ampla participação da
sociedade.”
E abordou
também a necessidade de um novo marco regulatório das comunicações – “há um
projeto, o Paulo Bernardo disse que ia fazer debates públicos, mas não andou…”
–, lamentou a ausência de projetos do governo do PSDB para o estado e a região
metropolitana de São Paulo, e criticou a forma como “alguns” tentam
“transformar coisas boas em coisas ruins”, referindo-se à realização da Copa de
2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil.
O
ex-presidente foi cauteloso ao comentar o julgamento da Ação Penal 470, o
chamado mensalão, porque diz ter de respeitar as instituições envolvidas na questão.
“Depois que o julgamento estiver totalmente concluído eu vou falar. E tenho
muita coisa pra falar”, disse, ressalvando que, no que diz respeito à abordagem
política do caso, os acusados já foram condenados há muito tempo.
Confira o primeiro trecho da
entrevista:
Qual o impacto das
manifestações de junho na vida do país e o que elas mudam na vida dos
governantes?
Eu acredito
que o impacto de tudo que aconteceu em junho de 2013 deve servir como uma
grande lição para a sociedade brasileira e, sobretudo, para os governantes
brasileiros. Costumávamos afirmar que o povo precisa reivindicar sempre.
Certamente, muita gente de partidos políticos, sindicatos e movimentos
organizados da sociedade civil foi pega de surpresa, porque foi um movimento
que se deu à margem daquilo que nós conhecíamos como tradicional forma de
organização. Eu me lembro que não aconteceu nada no Brasil nos últimos 40 anos
que a gente não estivesse à frente. Seja o movimento sindical, sejam os
partidos de esquerda, seja a UNE, sejam os sem-terra...
O que eu acho
importante? Aquilo não foi um movimento contra o governo, não foi um movimento
em que as pessoas queriam derrubar o governo, mas foi um movimento em que as
pessoas diziam “nós queremos mais”. Nós queremos mais educação, nós queremos
mais saúde, nós queremos mais transporte, nós queremos mais qualidade de vida.
Aí eu lembro de um discurso do Fernando Haddad durante a campanha que ele
falava você está lembrado que na sua casa, da porta para dentro, melhorou muita
coisa, mas da porta para fora piorou ou ficou como está. E era verdade, porque
o cara tinha comprado uma máquina de lavar roupa, uma geladeira, um televisor,
mas a cidade não foi cuidada adequadamente. Ou seja, você não fez as tarefas
para cuidar do transporte adequadamente, não fez o saneamento básico adequado,
não tornou a periferia boa para se morar.
A nossa
presidenta teve a sabedoria de dar uma resposta muito imediata, colocando a
reforma política como uma coisa fundamental para que a gente possa mudar a
situação do Brasil, depois da questão da saúde com o Mais Médicos, depois da
aprovação de 75% dos royalties para a educação... Ou seja, foram medidas
tomadas pela nossa presidenta que mostraram que o governo está num processo de
evolução para tentar encontrar soluções. Eu acho que agora ninguém pode mais
dizer que o problema do transporte é só do prefeito. É do prefeito, do
governador, do governo federal. Os problemas da saúde e da segurança não são
mais do prefeito, passam a ser dos três juntos.
O que a gente
precisa neste instante é saber que mudou a sociedade brasileira. Ela está mais
exigente, ela tem mais informações do que tinha antes. Você imagina, nós saímos
de um país que tinha, em 2007, 48 milhões de pessoas que viajavam de avião.
Hoje nós temos 113 milhões de pessoas. Essa gente quer se queixar do aeroporto
agora, quer se queixar do preço da passagem, quer se queixar da qualidade do
serviço no avião. Antigamente você não tinha isso.
Eu acho que
foi uma coisa de Deus fazer com que a sociedade se manifestasse e dissesse
“olha, nós estamos vivos, nós reconhecemos que muita coisa foi feita e nós
queremos que seja feito mais”. Isso é bom porque alertou os governantes. Ao
invés de ficarmos lamentando, nós temos que agradecer e começar a trabalhar
para que nós façamos acontecer as melhorias que a sociedade brasileira deseja e
que todos nós sabíamos que o povo queria porque está na pesquisa de opinião
pública.
Que bom que o
povo resolveu dizer “estou aqui”. A única coisa grave do movimento é a
manipulação para a tentativa de negar a política. Tenho dito publicamente que
toda vez, em qualquer lugar histórico, em qualquer lugar do mundo que se negou
a política, o que veio depois é pior. Portanto, se você quer mudar, mude
através da política. Participe, entre num partido, crie um partido, faça o que
você quiser. Aqui no Brasil o que teve foi o regime militar de 1964. No Chile
foi Pinochet, na Argentina foi ditadura. Não queremos isso. Queremos democracia
exercida em sua plenitude. E a sociedade quer isso. A sociedade quer debater
política, então vamos debater sem medo de debater qualquer assunto. Sou
daqueles que acham que não tem tema proibido.
Em relação às manifestações de
junho, imaginava-se que elas dariam força para aprovação da reforma política no
Congresso, e também que em 2011 a base aliada maior de Dilma daria mais
condições para isso. Por que não avança?
Não é fácil.
As pessoas que foram para as ruas não vão votar no Congresso Nacional. É
importante lembrar que fizemos a campanha das Diretas, que possivelmente foi um
dos maiores movimentos cívicos desse país, meses em que fomos à rua com todos
os partidos políticos, com movimento sindical, centenas e centenas de
manifestações pelo Brasil inteiro, toda a sociedade querendo, e quando chegou
no Congresso não tínhamos número para aprovar e não aprovamos.
Tenho dito que
só teremos uma reforma política plena o dia em que tivermos uma constituinte
própria para fazer uma reforma política. Achar que os atuais deputados vão
fazer uma reforma política mudando o status quo é muito difícil. Pode melhorar
um pouco.
Acredito que é
possível discutirmos uma mudança na votação, votar em lista, financiamento de
campanha. Há um equívoco de fazer a sociedade compreender que o financiamento
público vai tirar o dinheiro da União. A forma mais eficaz, honesta e barata de
se fazer uma campanha política é você saber que cada voto vale um centavo, R$ 1
real, R$ 10 reais e que cada partido vai ter tanto, e que cada partido vai
fazer aquilo e se alguém pegar dinheiro privado tem de ser considerado crime
inafiançável, para que as pessoas não fiquem subordinadas aos empresários.
Por que os
empresários não estão defendendo o financiamento público? É muito interessante
que algumas pessoas, que se acham as mais honestas do planeta, acham que o
financiamento público é corrupção e vai gastar dinheiro público. Por que o
empresariado brasileiro não está na rua fazendo campanha para que seja pública
e parar de dar dinheiro? Oras, é porque a eles interessa cada um construir a
sua bancada. Os bancos têm bancada no Congresso Nacional, têm influência,
porque cada um tem a lista de quem financia. Quem tiver dúvida disso, saia
candidato para ver o que acontece, para ver como você se elege no Brasil.
Quando colocamos financiamento publico é porque a gente acredita que pode
melhorar.
Acredito que
(para 2014) a gente vai conseguir fazer uma reforma política muito capenga.
Temos que levar em conta que há interesses partidários. Tem partidos para os
quais está bom assim. O cara tem mandato e quer preservar o seu mandato.
Na minha
opinião a reforma política é a melhor possibilidade para se mudar a lógica da
política no Brasil. E ter em conta que não é só para combater a corrupção, mas
para facilitar as coalizões que são conseguidas, porque quando você ganha uma
eleição com um partido aliado a outro tem que ter coalizão na hora para montar
o governo.
Aqui no Brasil
se acha um absurdo que um partido ganha eleição e dê cargo a outro, mas no
mundo inteiro é assim. A Angela Merkli acabou de ser eleita primeira-ministra
da Alemanha, com a maior votação dos últimos anos, vai ter que fazer uma
coalizão com algum partido, vai ter que dar ministério para algum partido senão
não forma maioria.
A reforma política pode ajudar nesse processo, mas acho que será
muito frágil. Sobretudo no ano de eleições. Nada, estou avisando com antecedência, nada,
mudará para as próximas eleições. As pessoas podem querer fazer as coisas para
2018, 2020, mas para essa eu acho que não vai haver mudança.
O Mais Médicos é um programa
apoiado por 70% da população. No entanto, há uma resistência de determinados
setores da sociedade. Há oportunismo nisso?
As entidades
que representam os médicos no Brasil nunca reconheceram que no Brasil faltava
médico. Mais recentemente nós temos uma gama de denúncias de prefeitos
espalhados pelo interior do país que querem contratar algumas especialidades
que não existem. Padilha tem razão com o que ele fala: não se está buscando
médico fora para substituir o médico brasileiro; se está buscando médico fora
para trabalhar onde não tem médico.
E o Padilha
sabe que o Mais Médicos não vai resolver o problema da saúde. O Mais Médicos
vai dar oportunidade ao cidadão que não tem acesso a nenhum médico, a ter
acesso ao primeiro médico e tratamento. E quando esse cidadão tiver acesso ao
médico, ele vai querer mais saúde, porque ele vai ter informações: vão pedir
pra mulher fazer mamografia, se é um homem vai ter que fazer exame de câncer
não sei das quantas. Então, todas as vezes vai precisar formar mais gente.
É um trabalho
bom. Por que é bom? Porque, quando em 2007 derrubaram a CPMF, que foi um ato de
insanidade dos tucanos em relação a meu governo, fizeram isso achando que iam
me prejudicar. A CPMF era 0,38% que se descontava em cada cheque que você
passava. E não fizeram isso por conta da quantia, fizeram isso porque a CPMF
permitia que a gente pudesse acompanhar e evitar a sonegação nesse país. Era
por isso que eram contra a CPMF. Eles tiraram uma bagatela de R$ 40 bilhões por
ano a partir de 2007.
Soma isso em
quatro ou sete anos e vê a quantidade de dinheiro que tiraram da saúde, achando
que iam prejudicar o Lula. Qual era a ideia? Vamos prejudicar o Lula. Vamos
quebrar a cara dele, ele não vai se eleger. E caíram do cavalo, porque terminei
meu mandato com 87% de bom e ótimo, 3% de ruim e péssimo e 10% de regular. Pois
bem, quem eles prejudicaram? O povo. E alguns estão prejudicados porque viraram
governador, e agora estão sabendo a quantidade de dinheiro que falta pra eles,
ou viraram prefeitos.
Então, foi um
gesto de insanidade. Nós temos que colocar na sociedade brasileira a seguinte
ideia: você não vai conseguir fazer com que as camadas mais pobres da população
tenha acesso a uma boa qualidade de saúde e à média ou alta complexidade sem
dinheiro.
Se nós
quisermos dar ao povo pobre o direito de ter acesso às mesmas máquinas que eu
tenho, por conta de um plano médico, e que os ricos deste país têm por conta de
um plano médico, tem que ter consciência de que tem que ter dinheiro. Tem gente
que diz “eu tenho saúde boa porque pago do meu bolso”. Não é verdade. Aquilo
que ele tira do bolso ele paga o Imposto de Renda e quem paga o tratamento dele
é o Estado brasileiro. Essa é a verdade nua e crua. Todas as máquinas que eu
passo quando faço exame são pagas pelo Estado, que me restitui na declaração do
Imposto de Renda.
Temos que ter
consciência de que temos que melhorar isso. A Dilma tem consciência disso, o
Padilha tem consciência e é preciso que a gente discuta com a sociedade. Porque
achar que a gente pode elevar a um padrão de ter acesso de alta complexidade as
pessoas mais pobres sem dinheiro é vender ilusão. E achamos que o rico tem que
pagar pela saúde do povo mais pobre. Era por isso que tínhamos apresentado um
programa chamado Mais Saúde em que a gente iria utilizar todo o dinheiro da
CPMF para cuidar da saúde. Agora vai ter um dinheiro do pré-sal e espero que
num futuro bem próximo a gente possa fazer com que as pessoas tenham acesso à
alta complexidade.
O Brasil
precisa acabar com a mania de dizer que o SUS não funciona. O problema é que
universaliza a saúde, coloca muita gente, a qualidade diminui. Se atendesse só
30% melhoraria a qualidade, se atendesse só 20% ela seria melhor, se atendesse
só 10% ela seria extraordinária. Mas na hora em que tem que ter um programa
para todo mundo precisa de mais recurso. É isso que temos de ter em conta.
Dilma e Padilha marcaram um gol com o Mais Médicos. Abriram um debate muito
importante com a sociedade para as pessoas começarem a enxergar. Aqui o
vídeo da primeira parte da entrevista.
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Marcos Imperial