"Nesta terra da saúde que o cabra põe
doente, onde morre tanta gente e a vileza nunca para, mulher apanha na cara e
homem faz o que quer, um rei meio quixote, meio doutor, desceu da realeza pra
ver de perto a pobreza, sentir toda a sua dor. E pra ajudar seu povo de um a
um, tirou a coroa e saiu à toa, vestido de pessoa comum.
Andando pra todo lado, de jeito santo e letrado,
o rei feito andarilho viu o mundo, desceu ao fundo, cada pai e cada filho e
cada mãe, ouviu o velho, ouviu o novo com paciência, gente de toda idade, pra
entender de verdade a querência de seu povo.
E de tudo o que ele via, dedicado em seu trajeto,
o rei fez poesia de encantar o mais abjeto. Nessa vida da gente modesta, com o
povo fez sua festa. Aprendeu de tudo que não imaginava, e no trono já nem
pensava.
Os anos foram passando, e o rei foi aqui
ficando. Trabalhava feito louco, fez de tudo um pouco. Fez livros, fez peças,
fez gravuras, fez amigos e inimigos, fez afetos gentis e desafetos imbecis. Foi
advogado de profissão, professor, acadêmico, usou fardão! Fez filhos? Não. Fez
uma prole! Só não fez foi corpo mole, que a vida anda dureza e não assente mera
esperteza.
Pra oferecer conhecimento, ele não tinha lugar e
não tinha hora. E até Nossa Senhora, precisada de opinião, o rei daqui mandou
chamar. Lá foi ele dessa feita, as mãos juntas em oração, perguntar à Mãe
Perfeita, se lhe cabia colaboração.
Tenho cá umas pendências, coisa de todo dia,
respondeu a Virgem Maria. E você, cheio de experiências, pode muito me ajudar.
Então o rei
voltou à terra, dar adeus, até logo aos seus. Mas seguro, de olhar firme,
garantiu: ninguém se avexe, viu? Isso não é partida. Vou ali com a
Compadecida olhar de perto para os meus.
Juntou suas coisas, seus livros e lembranças num
gibão, montou seu cavalo de olhar esverdeado e cavalgou enluarado, até depois
da imensidão.
E você, boa gente, leve essa história à frente.
Mas se alguém quiser saber, curioso, gritando “como foi? Conta pra mim!”, você
responda simplesmente:
“Não sei. Só sei que foi assim”. Para Ariano Vilar Suassuna, com a gratidão de sua gente.
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Marcos Imperial