"Confesso, humilde, que não entendo bulhufas de política internacional,
por isso não comento os acontecimentos na Faixa de Gaza. Nem os do
território palestino, nem sequer os das favelas cariocas. Nada sei fora do
bairro de Aparecida, em Manaus. A Isis que conheço é uma caboca peitudinha que
mora no Beco da Escola, fica saliente ao ver farda e lembra saudosa dos
amassos escandalosos do Geraldão, tenente do NPOR. DeGaza, ignoro as
fofocas, que é a forma suprema do saber. Sei apenas que ISIS é a sigla do grupo
que luta por um Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Nada mais.
Gaza está tão longe
e Aparecida tão perto! Mas de repente, Gaza ficou mais perto de mim do que o
bairro onde nasci, porque mexe com o que existe de profundo em cada um de nós:
a nossa humanidade. Ninguém precisa fumar cachimbo e usar boina basca como os
comentaristas internacionais ou fingir inteligência como a equipe do Manhattan
Connection para saber que o que está acontecendo em Gaza é um exemplo acabado
da estupidez, que nos traz tanto desencanto e compromete o destino da espécie
humana.
Que fique claro,
portanto, que não tratamos aqui de política internacional, mas da barbárie e da
bestialidade humana, da qual cada um de nós entende um pouco. Não há outro nome
para o fato testemunhado da janela do luxuoso hotel al-Deira, na cidade de
Gaza, por dois jornalistas do New York Times. Eles observavam crianças
palestinas que brincavam de bola, alegres e felizes, numa praia do Mar
Mediterrâneo, quando foram assassinadas covardemente pela artilharia
israelense.
O militarismo
As estatísticas mudam a cada hora.
Desde o início da operação israelense, no dia 8 de julho, até o momento em que
escrevo, os bombardeios já mataram quase 300 palestinos, 80% dos quais civis,
incluindo cerca de 50 crianças, feriu mais de 1.500 pessoas, destruiu
completamente mais de mil casas, danificou outras duas mil casas e causou
um prejuízo de dois bilhões de dólares em danos à infraestrutura: luz, água,
estradas, ruas, monumentos, prédios residenciais, hospitais, mesquitas,
escolas.
Os partidos de
extrema direita Casa Judaica e Israel Nossa Casa justificaram o crime. Um
deputado sionista, Eli Ben Dahan, que seria aplaudido por Bolsonaro, declarou
com todas as letras que “os palestinos não são seres humanos, não merecem
viver, não são nada, não passam de animais”.
Diante da reação
internacional, os militares israelenses, para quem “as vítimas civis são danos
colaterais”, juram, em nota oficial, que erraram o alvo, que vão apurar o que
aconteceu e que “o Exército não tem intenção de ferir civis, mas foi arrastado
pelo grupo islâmico Hamas para dentro de uma realidade de combate urbano”. Tem
razão Eduardo Galeano quando escreve:
“O exército
israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata
por engano. Mata por horror. Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica
terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de
Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por
multiplicá-los”.
Para o físico
Albert Einstein, alemão de origem judaica, é isso mesmo, não existe qualquer
diferença entre matar na guerra e cometer um homicídio comum, ambos são
igualmente abomináveis: “O militarismo é uma nódoa nas grandes realizações da
civilização moderna. Heroísmo encomendado, violência regulamentada, patriotismo
arrogante tornam vil e abominável qualquer guerra de agressão. Da minha parte,
preferia ser fuzilado a tomar parte numa luta desse tipo”. Grande Einstein.
Nos anos 1950,
Einstein condenou com firmeza o militarismo hoje dominante em Israel, quando
afirmou que “a pior das instituições gregárias se intitula militarismo. Eu o
odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar ao som de uma banda
militar, basta para merecer o meu desprezo. Esse homem recebeu um cérebro
volumoso por mero engano, a espinha dorsal seria perfeitamente suficiente para
ele”.
A guerra, qualquer
guerra, representa a barbárie, a selvageria, a incapacidade de resolver os
problemas através do diálogo que – segundo Luís Borges – é a mais criativa e
civilizada invenção do ser humano, mais importante do que a bomba atômica”.
O diálogo
Como é possível que
nações civilizadas, portadoras de alta tecnologia, praticando uma ciência de ponta,
com filosofia e literatura refinadas, com pensadores de alto nível, na hora de
resolver seus conflitos, em vez do diálogo, partem para a guerra, para a
matança, para a carnificina, para a destruição de vidas incluindo civis e
crianças? Por que não buscar o exemplo de culturas muito mais civilizadas nesse
campo?
Os índios Wayuu,
conhecidos também como Guajiro, que vivem na Venezuela e na Colômbia, criaram
um sistema jurídico singular, que resolve os conflitos internos sem necessidade
de usar a força. Os conflitos, inevitáveis em qualquer sociedade, lá são
resolvidos através do pütchipü´u, nome de um pássaro, um papagaio falador, que
serve também para designar dentro da sociedade guajira o “mestre da palavra’, o
“dono do verbo”, enfim um índio sábio, especialista no manejo da linguagem.
Quando alguém se
sente prejudicado, chama logo o pütchipü´u. Ele vem, analisa, conversa com as
partes em litígio, persuade, insinua, negocia, cria cenários às vezes
ameaçadores sobre os possíveis desdobramentos do caso, mostrando que todo mundo
pode perder. Ele não é bem um juiz que condena ou absolve. É mais um
intermediário, um mediador na solução das brigas, e isso porque o sistema
jurídico Wayuu não é um sistema de “justiça punitiva”, mas de “justiça de
compensação”, “justiça de restituição”.
Por isso, há uma
reação internacional contra os crimes cometidos em Gaza. Manifestações em
algumas capitais europeias, protestos, inclusive com carta aberta assinada por
artistas e intelectuais de diversos países, entre eles seis vencedores do
Prêmio Nobel da Paz exigindo embargo militar contra os israelenses. Mas é ainda
pouco. O secretário geral Ban Ki-Moon deu uma declaração tímida que só
evidencia sua pusilanimidade. Obama, bem Obama é uma fraude.Veio com o mesmo
lero-lero.
Enquanto não
acontece uma reação mais firme, temos que sair de nossas Aparecidas para chorar
as crianças assassinadas em Gaza e manifestar nossa indignação contra os
fipilhopós da putapá que matam crianças e civis numa guerra sórdida sem
sentido. O Geraldão usava a farda para fins mais nobres: conquistar as
caboquinhas. Einstein não sabia quais as armas que seria usadas na III Guerra
Mundial, mas profeticamente anunciou que ” a IV Guerra Mundial será lutada com
paus e pedras”. José Ribamar Bessa Freire, Correio do
Brasil.
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Marcos Imperial