sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Meu bairro e a Faixa de Gaza

 
"Confesso, humilde, que não entendo bulhufas de política internacional, por isso não comento os acontecimentos na Faixa de Gaza. Nem os do território palestino, nem sequer os das favelas cariocas. Nada sei fora do bairro de Aparecida, em Manaus. A Isis que conheço é uma caboca peitudinha que mora no Beco da Escola, fica saliente ao ver farda e lembra saudosa dos amassos escandalosos do Geraldão, tenente do NPOR. DeGaza, ignoro as fofocas, que é a forma suprema do saber. Sei apenas que ISIS é a sigla do grupo que luta por um Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Nada mais.

Gaza está tão longe e Aparecida tão perto! Mas de repente, Gaza ficou mais perto de mim do que o bairro onde nasci, porque mexe com o que existe de profundo em cada um de nós: a nossa humanidade. Ninguém precisa fumar cachimbo e usar boina basca como os comentaristas internacionais ou fingir inteligência como a equipe do Manhattan Connection para saber que o que está acontecendo em Gaza é um exemplo acabado da estupidez, que nos traz tanto desencanto e compromete o destino da espécie humana.

Que fique claro, portanto, que não tratamos aqui de política internacional, mas da barbárie e da bestialidade humana, da qual cada um de nós entende um pouco. Não há outro nome para o fato testemunhado da janela do luxuoso hotel al-Deira, na cidade de Gaza, por dois jornalistas do New York Times. Eles observavam crianças palestinas que brincavam de bola, alegres e felizes, numa praia do Mar Mediterrâneo, quando foram assassinadas covardemente pela artilharia israelense.

O militarismo

As estatísticas mudam a cada hora. Desde o início da operação israelense, no dia 8 de julho, até o momento em que escrevo, os bombardeios já mataram quase 300 palestinos, 80% dos quais civis, incluindo cerca de 50 crianças, feriu mais de 1.500 pessoas, destruiu completamente mais de mil casas, danificou outras duas mil casas e causou um prejuízo de dois bilhões de dólares em danos à infraestrutura: luz, água, estradas, ruas, monumentos, prédios residenciais, hospitais, mesquitas, escolas.

Os partidos de extrema direita Casa Judaica e Israel Nossa Casa justificaram o crime. Um deputado sionista, Eli Ben Dahan, que seria aplaudido por Bolsonaro, declarou com todas as letras que “os palestinos não são seres humanos, não merecem viver, não são nada, não passam de animais”.

Diante da reação internacional, os militares israelenses, para quem “as vítimas civis são danos colaterais”, juram, em nota oficial, que erraram o alvo, que vão apurar o que aconteceu e que “o Exército não tem intenção de ferir civis, mas foi arrastado pelo grupo islâmico Hamas para dentro de uma realidade de combate urbano”. Tem razão Eduardo Galeano quando escreve:

“O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los”.

Para o físico Albert Einstein, alemão de origem judaica, é isso mesmo, não existe qualquer diferença entre matar na guerra e cometer um homicídio comum, ambos são igualmente abomináveis: “O militarismo é uma nódoa nas grandes realizações da civilização moderna. Heroísmo encomendado, violência regulamentada, patriotismo arrogante tornam vil e abominável qualquer guerra de agressão. Da minha parte, preferia ser fuzilado a tomar parte numa luta desse tipo”. Grande Einstein.

Nos anos 1950, Einstein condenou com firmeza o militarismo hoje dominante em Israel, quando afirmou que “a pior das instituições gregárias se intitula militarismo. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar ao som de uma banda militar, basta para merecer o meu desprezo. Esse homem recebeu um cérebro volumoso por mero engano, a espinha dorsal seria perfeitamente suficiente para ele”.

A guerra, qualquer guerra, representa a barbárie, a selvageria, a incapacidade de resolver os problemas através do diálogo que – segundo Luís Borges – é a mais criativa e civilizada invenção do ser humano, mais importante do que a bomba atômica”.

O diálogo

Como é possível que nações civilizadas, portadoras de alta tecnologia, praticando uma ciência de ponta, com filosofia e literatura refinadas, com pensadores de alto nível, na hora de resolver seus conflitos, em vez do diálogo, partem para a guerra, para a matança, para a carnificina, para a destruição de vidas incluindo civis e crianças? Por que não buscar o exemplo de culturas muito mais civilizadas nesse campo?

Os índios Wayuu, conhecidos também como Guajiro, que vivem na Venezuela e na Colômbia, criaram um sistema jurídico singular, que resolve os conflitos internos sem necessidade de usar a força. Os conflitos, inevitáveis em qualquer sociedade, lá são resolvidos através do pütchipü´u, nome de um pássaro, um papagaio falador, que serve também para designar dentro da sociedade guajira o “mestre da palavra’, o “dono do verbo”, enfim um índio sábio, especialista no manejo da linguagem.

Quando alguém se sente prejudicado, chama logo o pütchipü´u. Ele vem, analisa, conversa com as partes em litígio, persuade, insinua, negocia, cria cenários às vezes ameaçadores sobre os possíveis desdobramentos do caso, mostrando que todo mundo pode perder. Ele não é bem um juiz que condena ou absolve. É mais um intermediário, um mediador na solução das brigas, e isso porque o sistema jurídico Wayuu não é um sistema de “justiça punitiva”, mas de “justiça de compensação”, “justiça de restituição”.

Por isso, há uma reação internacional contra os crimes cometidos em Gaza. Manifestações em algumas capitais europeias, protestos, inclusive com carta aberta assinada por artistas e intelectuais de diversos países, entre eles seis vencedores do Prêmio Nobel da Paz exigindo embargo militar contra os israelenses. Mas é ainda pouco. O secretário geral Ban Ki-Moon deu uma declaração tímida que só evidencia sua pusilanimidade. Obama, bem Obama é uma fraude.Veio com o mesmo lero-lero.

Enquanto não acontece uma reação mais firme, temos que sair de nossas Aparecidas para chorar as crianças assassinadas em Gaza e manifestar nossa indignação contra os fipilhopós da putapá que matam crianças e civis numa guerra sórdida sem sentido. O Geraldão usava a farda para fins mais nobres: conquistar as caboquinhas. Einstein não sabia quais as armas que seria usadas na III Guerra Mundial, mas profeticamente anunciou que ” a IV Guerra Mundial será lutada com paus e pedras”. José Ribamar Bessa Freire, Correio do Brasil. 

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Marcos Imperial

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