"Num país em que uma mulher é estuprada a
cada doze segundos, ainda costumo ouvir que machismo não existe e feminismo é
coisa de mulher mal-comida. Como, ao que me parece, os dados alarmantes são
insuficientes para comprovar uma realidade tão espantosa quanto inegável,
talvez as pequenas bizarrices do dia-a-dia sejam capazes de convencer com mais
eficiência.
Dia desses, em um destes meus laboratórios
involuntários pelas timelines alheias, vi um post em que o autor pensava ser
engraçado e dizia: “Se uma mulher tiver mais livros que sapatos, case-se com ela.”
Comecei a pensar sobre a minha paixão por
livros e sapatos – que possuo em quantidades equivalentes – e sobre o porque o
meu apreço por scarpings, sapatilhas e rasteirinhas poderia me tornar menos
digna de um casamento (como se um casamento fosse lá imprescindível na vida de
uma mulher).
E pensei, sobretudo – com lamento – sobre como
algumas mulheres ainda se deixam aprisionar por grades invisíveis de um
machismo camuflado. Sobre como ainda cultivam estereótipos como o de que
mulheres muito bonitas geralmente são burras, mulheres musculosas são menos
femininas ou mulheres que amam sapatos não podem, também, amar livros – e, pior
ainda, mulheres que não amam livros são menos dignas de um relacionamento.
Espantei-me ao constatar que as mesmas mulheres
que ficam indignadas diante de um machismo que pensa poder ditar o tamanho de
suas roupas são coniventes com o mesmo machismo que pensa poder ditar os seus
gostos pessoais, e associá-los ao seu suposto mérito de um relacionamento
sério.
E, cultivando esta minha irritante mania de ser
radical, acredito que todo esteriótipo é inútil. E os esteriótipos acerca do
comportamento feminino são mais do que inúteis: são violentos.
A verdadeira liberdade não está só em poder dar
pra quantos quiser, ter sua intimidade respeitada e não ser submetida a sexo
sem consentimento. Está em poder ditar os próprios gostos e a própria
identidade sem ser rotulada. Em poder amar livros, sapatos, homens, mulheres,
musculação, desenho animado, vídeo-game, bebidas fortes e tudo o que julgar
digno de apreço, sem ser submetida aos julgamentos preconceituosos alheios.
Porque se os gostos masculinos nunca foram ditos incompatíveis, não podemos – e
não vamos – aceitar que os nossos o sejam."
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Marcos Imperial