quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Ruas e Rosas, por Maíra Vasconcelos

Maira Vasconcelos, GGM

'Devo começar a falar o que vejo nas ruas. Enfim, apenas falar. Mesmo sendo o silêncio parte fundamental de todo aprendizado. Sei que nunca deixarei de ser silenciosa. Tenho a mania horripilante de me esconder sem ninguém perceber. 

Um gesto involuntário de quietação interna. Queria perdê-lo. Esse adeus de mim é o sonho de poder ser o que não sou. Mas devo mesmo insistir e aprender a me expressar sabiamente.

As ruas podem ser bonitas e românticas, como também porosas e difíceis. Ruas são extremistas. Tudo depende do lado da calçada e do estado do nosso pé. Sim!, o meio-fio existe!

Estarei aqui a pontuar coisas da rua. Porque não sou muda: falo. Este falar está a salvar o meu dia de hoje. Vou olhar a rua pela janela enquanto deixo de escrever. Porque se falo desenfreadamente estou encaracolando-me desenfreadamente. Embola tudo. Viro um novelo de lã. Depois fico buscando o que há de embaraçado em mim.

Caminhar pelas ruas pode permitir fluidez e a vida ajeita-se mais espaçada dentro da gente, fica mais folgada e nos comprime menos. Olhar o céu desde a ampla rua é importantíssimo. Tudo espairece repentinamente. Algo perpassa o corpo inteiro, quando diante das ruas.

Vejo as ruas com suas cores e também suas pedras. Tenho aprendido a acariciar pedras e pedrinhas. E isto é o que também há em mim, além de novelos de lã: muitas ruas com pedras bem polidas. Posso mesmo dizer que amo as ruas de La Paz ou de Caracas!

Toda rua tem uma pedra (escuta-se Drummond..no meio do caminho há uma pedra..), isso é uma máxima para todos nós que caminhamos. Pedregulho é um horror! Demora até ser deslocado e pede muito carinho.

Chuvas de pedra de gelo, quando bem medidas, significam uma bendição. Escorregam no tempo. O granizo dissolve-se e desaparece. As pedras da rua não! Assim não haverá outra solução, que realmente conhecer as pedras que se apresentam. Faz bem. Movimentar-se no desconhecimento é buscar amor.

Às vezes, conheço tanto as ruas, que estas me são um presságio. Adivinho! Vejo as bondades e crueldades das ruas antes mesmo de chegar a pisá-las! Eu sinto as coisas de longe. Não me perguntem como. Esta crônica jamais responderá sobre isto que fica entre o tempo-espaço.

Este -entre- é o mistério. A casualidade desenvolve-se no -entre-. Todo fato casual é um mistério. Somente Schopenhauer tentou descrever e encontrar a razão do mistério. Da causalidade, teoriza. Pois nada é simples casualidade. O jogo de palavras misteriosas tonteia a mente.

Entender Schopenhauer é mais difícil que entender Sartre. Augusto dos Anjos gostava de Schopenhauer. Porque Augusto é verminoso e ósseo: cientificado. E Shopenhauer viveu alucinado pela própria matéria.

Finalmente, Dos Anjos e Schopenhauer falaram puramente o que há de verme em todos nós. O ofício da escritura estará muito próximo da ciência tão pura da matéria. Palavras são eternas. Mas são feitas por um corpo que se dissolve no tempo-espaço de uma chuva de granizo.

Não somos duros como as perpétuas pedras. As pedras são das ruas, dos caminhos e de todos os pés que sempre se renovam no passar. Nós estamos mesmo situados naquilo que se derrete.

Amar o corpo de qualquer jeito é um calmante indispensável! A filosofia gosta de materializar tudo que é. O-Corpo-é. O resto é objeto.
Mas as ruas são imprevisíveis!, se praticamos a fluidez no caminhar elas nos enchem de surpresa. Até os mais adivinhões e tediosos seres podem ficar surpreendidos. É fundamental deixar-se fluir como líquido. Assim podemos ir e vir pelas ruas cheios de novidade e leveza.

Hoje tenho mãos firmes que adoçam pedras nas ruas. Posso relatar um momento. Em Buenos Aires, senhoras de setenta anos atravessam o sinal pedestre no vermelho piscando. Nós que assistimos este perigo cotidiano, ficamos dramáticos e tensos. Até constatar que a senhora não foi atropelada, chegou do outro lado da rua, e todos nos sentimos aliviados.

Isto que acabei de dizer é a descrição de uma cena urbana típica.
Repetidas vezes estive dramaticamente nestas situações, olhando e cuidando a estas senhoras.

Em Buenos Aires elas têm muita personalidade. Vão ao enfrentamento. Como também aos cafés durante a madrugada.

Suponho que as crônicas mais interessantes são aquelas que falam das coisas da rua.

Eu apenas amo as ruas!

E existem vários modos de beijar as ruas que amamos. Já citei algumas vezes a Avenida Independência em meus escritos. Assim beijo esta rua em mil palavras.

Gosto da Avenida de Maio por ter certeza que ela é a mais bonita de todas. É contida e charmosa. A 9 de Julio é muito moderna e tem o nariz em pé. Somente o Obelisco pode peitá-la.

Têm ruas que se eu disser o nome aqui, ninguém saberá porquê as quero tanto. A razão é intima.

Aguirre-Lavalleja, Concepción-Arenal; Acuña-de-Figueroa, Acevedo.
Falar de ruas é mostrar carinho e passado. Ruas cobrem pedaços de nossas vidas. Tudo o que uma rua expõe é a verdade que contraditoriamente também a esconde.

Poderia existir um jogo da loteria com nome de ruas. Seria mais complexo e interessante. Números são muito definidos em si.

Ah! A Avenida Córdoba é interessante. É muito extensa e atravessa tanto bairro portenho que ainda não sei o que pensar sobre. Córdoba é uma questão de tempo.

Buenos Aires é um ponto colorido e vivo nas ruas da minha vida. Este ponto pode ser qualquer coisa. Não sei definir Buenos Aires em mim. Nos abraçamos como no abraço de tango: uma pessoa e uma cidade. Dancei com Buenos Aires!

Não sei dançar com outra pessoa. Ainda não aprendi. Estou a minimizar em mim as ruas e cidades.

Não posso arriscar falar muito das ruas de Buenos Aires. Não será justo escrever pouco. Buenos Aires merece tudo! Devo me preparar para dar a essas tais ruas o que elas realmente merecem.

Das minhas mãos devem nascer rosas quando falo em ruas y Buenos Aires. Rosas com espinho podem ser rosas do tango, como também rosas de Alfonsina Storni. Gostar de rosas é como querer as ruas de Buenos Aires."

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Marcos Imperial

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