Rebeca Bedone, Revista Bula
"Era uma vez uma mulher que desde menina tinha um plano: estudar,
se formar, casar e ter filhos; parecia tudo tão natural, e do jeitinho que
haviam lhe ensinado que seria. Mas, depois de tanto tempo e tantas coisas que
aconteceram — e outras que não aconteceram —, seus sonhos mudaram, assim como
ela mudou. E quando ela menos esperava, em meio a tantos tropeços e dúvidas e
receios, ela descobriu como é maravilhoso não fazer tantos planos.
É
que às vezes a vida fica confusa. As emoções andam em zigue-zague da clareza da
alma ao ponto mais negro da sombra do coração. Porque somos seres de
sentimentos opostos, ao mesmo tempo em que queremos algo, temos medo. Dizemos
‘não’ querendo dizer ‘sim’. E quando não queremos tal coisa, às vezes, somos
obrigados a fazê-la.
Também acontece de termos certezas, e, depois, nadamos contra
correntezas de dúvidas. Como aquela mulher que se sentia perdida, mas, mesmo
assim, preferiu fingir que estava tudo bem por algum tempo. Porém, um terremoto
a destruía por dentro. Era como se ela fugisse de um fantasma que nunca via,
mas sabia que ele estava ali, em algum lugar dentro do mistério incompreendido
dela.
Não. Não estava tudo bem. E piorava quando alguém vinha corroborar aos
seus próprios julgamentos. Eram as amigas casadas que diziam que ela só se
sentiria completa depois que tivesse um filho, ou o seu ginecologista lhe
aconselhando a congelar os seus óvulos porque a idade reprodutiva estava
passando. Também tinham alguns curiosos que queriam entender como uma mulher
bem resolvida profissionalmente ainda não tinha um marido, enquanto outros lhe
traziam informações não requeridas de que ex-namorados estavam muito bem
casados.
Pra que fingir que estava tudo bem? Envergonhava-se por sentir isso, mas
sempre pensava na falta de sorte nos seus relacionamentos anteriores e no vazio
que sentia por não ter um filho. Era injusto se sentir com um prazo de validade
na questão da fertilidade. E ela não queria ter tanta pressa, quem corria era o
tempo.
Até que um dia ela se despertou dela mesma. Sua tristeza descansou na
solidão ao perceber como tantas expectativas — e cobranças — não eram
bem-vindas.
Jane Austen, autora de seis romances cujos temas abordavam o amor e o
casamento, inspirados na época em que ela vivia, a aristocracia rural inglesa
do início do século 19, ela mesma nunca se casou. Naquela época, a única forma
de uma mulher se tornar independente dos pais era se casando. Austen foi pedida
em casamento e chegou a aceitar, mas, no dia seguinte, ela voltou atrás para
não “trair a sua crença de que pior do que viver sozinha seria se casar sem
amor”.
A nossa vaidade muitas vezes nos engana. Como descreveu Jane Austen, “A
vaidade e o orgulho são coisas diferentes (…). Uma pessoa pode ser orgulhosa
sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós
mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”.
A mulher solteira e bem resolvida deseja uma mão para segurar no passeio
pelo parque; ela quer frases em toques, e vírgulas que virem histórias. Deseja
degustar o amor em sua essência. Não precisa provar nada para ninguém, e muito
menos precisa de aprovação alheia para as suas escolhas.
Ela
quer pisar no tapete novo de sua casa, aquele que fica na porta de
entrada. Limpar seus pés e deixar para trás o que era para ter sido e não foi.
Dar o primeiro passo no chão fresquinho do presente para viver todos os dias
aquilo que é. E, ao acender seu pendente colorido sobre a mesa da sala de
estar, manter acesa a esperança de viver o que será!
E,
sobre a mulher do início do texto, se ela se casou e não teve filhos, ou se
optou por permanecer solteira e adotou um cachorro; ou, ainda, se viajou o
mundo para escrever um livro, ou se aproveita a vida sozinha enquanto
espera encontrar aquele com quem dividirá os sonhos de constituir uma família…
Não importa sabermos. Ela está feliz."
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